Newsletter 030 (PT)
Destaques sobre política, sociedade, economia e cenário internacional da República Popular da China.
Na década de 1970, as reformas liberalizantes de Deng Xiaoping buscaram conciliar estado e mercado de modo a promover o desenvolvimento da economia chinesa. Hoje, o governo de Xi Jinping dá sinais de voltar a priorizar o comando estatal em contraposição a agentes privados, dessa vez com vistas a transformar a China em uma superpotência também em termos políticos e tecnológicos. Em matéria da CNN, Frank Ching, um pesquisador da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, diz que Xi está se distanciando das ideias de abertura de Deng. O momento é crítico — a China passa, agora, pelo desafio de superar a armadilha da renda média — e, enquanto muitos criticam a conduta econômica de Pequim, os líderes do país parecem confiantes de que a nova postura é a mais adequada para enfrentar os desafios que se acometem sobre a economia e a sociedade chinesa contemporânea.
Se por um lado, assim, é pouco provável que o estado deixe de ter um papel importante na nova fase da economia da China, por outro, entretanto, o governo do país está atento às repercussões internacionais negativas a suas escolhas de política econômica e pretende, de acordo com artigo do The Wall Street Journal, propor uma nova política industrial que permita maior participação de empresas estrangeiras no mercado chinês. A principal motivação para a mudança seria a hostilidade estadunidense ao Made in China 2025, plano chinês de 2015 que busca lançar a China à corrida pela liderança tecnológica mundial e que foi duramente criticado por ao mesmo tempo oferecer proteções e incentivos a empresas domésticas e aumentar as restrições a investimentos internacionais no país.
Ainda que em meio à intensa batalha comercial sino-estadunidense, as empresas de tecnologia chinesas seguem expandindo sua presença através de centros de pesquisa no Vale do Silício, na Califórnia. Mesmo já dominando o mercado da China e liderando as inovações tecnológicas no país, empresas como Tencent, Alibaba, Didi Chuxing e Bytedance ainda precisam do know-how estadunidense para se manter competitivas. “Empresas norte-americanas ainda estão muito à frente das chinesas”, diz James Lewis, diretor do Programa de Política Tecnológica do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos de Washington. “Isso não quer dizer que as empresas da China não são fortes em inovação, mas se você quer o melhor, você tem que ir aos EUA”, completa.
Depois da detenção no Canadá da chinesa Meng Wanzhou, Diretora Financeira da Huawei, mais problemas surgem entre os dois países. Nesta semana, o ex-diplomata canadense Michael Kovrig foi detido pelas autoridades da China. Ele atua no think-tank International Crisis Group (ICG) e reside em Hong Kong. A alegação das autoridades locais é de que o ICG não tinha autorização formal para operar no país e que a prisão não tem nenhuma relação com a de Meng, mas há especulações de que a detenção seria uma forma de retaliação — especialmente porque alguns dias depois outro canadense, desta vez o empresário Michael Spavor, também foi preso na China sob acusações vagas de segurança nacional.
Um debate crescente ainda sobre a Huawei é a questão da instalação de infraestrutura 5G ao redor do mundo — inclusive já falamos de como a China está avançando nesse setor aqui na Shūmiàn. Para Washington, a tecnologia oferecida pela gigante chinesa não é confiável, e a administração Trump vem tentando convencer seus aliados internacionais a bani-la. Na China, por outro lado, muitos estão enxergando a ofensiva dos Estados Unidos como uma tentativa de suprimir o desenvolvimento e sucesso das grandes empresas de tecnologia chinesas.
Em Cabul, oficiais chineses se comprometeram em reunião multilateral com ajudar paquistaneses e afegãos a desconstruir a desconfiança que há um longo tempo permeia a relação entre os dois países. A declaração é mais um sinal do crescente engajamento da China na região, que é central na execução do One Belt One Road, plano internacional de integração de infraestrutura e expansão econômica de Pequim que se estende do sudeste da Ásia até a Europa.
Já parou para pensar o quanto você sabe sobre a política externa chinesa? O Council of Foreign Relations criou um quiz para ajudar a responder essa pergunta. Perfeito para momentos de procrastinação no trabalho.
Na visão popular, pirataria e China andam juntos. Mas como já falamos aqui, o governo chinês está cada vez mais empenhado em mudar essa visão. Em alguns setores, já se tornam visíveis mudanças de comportamento da sociedade chinesa, resultado de uma intensa ação do governo. Um grande exemplo é a indústria de streaming de música no país: entre 2011 e 2018, o número de usuários que consomem música legalmente passou de 1% para 96%. O principal beneficiário dessa mudança foi a gigante Tencent, com a Tencent Music. Para saber um pouco mais sobre o histórico da indústria musical online na China, ouça este episódio do China Tech Talk.
Que estão ocorrendo ações para tornar muçulmanos na China mais “chineses” não é novidade, como já comentamos algumas vezes. De fato, a relação do governo da China com religiões tem um histórico complexo, anterior ao sistema comunista e parte das discussões sobre a modernização do país na virada do século XIX para o XX, conforme relata Ian Johnson. Essa semana, uma notícia ganhou destaque sobre o tema: o pastor Wang Yi e cerca de 100 fiéis foram presos em Chengdu, na província de Sichuan. A igreja Early Rain foi acusada de atuar no país sem autorização formal do governo.
Chen Yufan (陈羽凡), uma das lendas do rock chinês, foi preso por posse e uso de drogas em Pequim. O que chamou mais atenção no incidente, porém, foi como a polícia ficou sabendo dele: através de uma denúncia anônima do grupo comunitário 石景山老街坊 (“Antigos Vizinhos de Shijingshan”, tradução livre). O fato reacendeu a importância da microgestão comunitária na China. Comumente conhecida como a Fengqiao Experience, a prática comunitária costuma reunir pessoas mais velhas que se voluntariam a manter a ordem e o cumprimento da lei nas regiões em que se localizam. Uma herança da Era de Mao Zedong conhecida como os “olhos e ouvidos da vizinhança”, a Fengqiao Experience foi criada inicialmente para combater “elementos subversivos” na sociedade e voltou a ganhar espaço na Era Xi Jinping, conforme a reportagem do China Media Project. Com o auxílio do desenvolvimento de tecnologias de monitoramento e comunicação, a prática se tornou um modo de controle social eficiente.
Um jogo que lhe ajuda a se colocar no lugar de uma pessoa que está em processo de aceitação da própria sexualidade: é o que propõe A Gay’s Life (“A Vida de um Gay”, tradução livre), uma história cujo fim depende unicamente das escolhas do jogador. Criado por Huang Gaole, doutorando em ciências da computação em Pequim, o jogo já obteve mais de um milhão de downloads até agora. Focado em homens gays, A Gay’s Life é um software interativo que altera as próprias fases de acordo com as respostas que o jogador dá a cada dilema que o protagonista enfrenta.
Ainda na discussão sobre a masculinidade do homem chinês, um famoso professor de sexologia do país lançou uma peça chamado The Penis Monologues (numa clara referência ao clássico The Vagina Monologues). O objetivo é lidar com a masculinidade tóxica e as questões do que significa “ser um homem”.
Em muitos países, baratas são vistas como pestes a serem evitadas. Na China, porém, o inseto tem sido crescentemente apreciado por seu valor econômico e ambiental. Em fazendas espalhadas pelo país, bilhões de baratas consomem o montante cada vez maior de lixo orgânico produzido pelas grandes aglomerações urbanas chinesas. Quando morrem, ainda servem de alimento para animais de corte, como porcos, e de remédios contra problemas de estômago e de pele para seres humanos. Já imaginou, porém, se essas baratas todas fogem e invadem as cidades do país? Certamente o caso daria um bom enredo de filme de terror.
Geografia+demografia: o Jornal Nexo compartilhou uma ótima visualização da densidade populacional de cidades em 3D e como elas se organizam (mais gente morando mais perto uma das outras ou com maior espaçamento), incluindo várias da China.
Podcast: Paul Haenle (do Carnegie-Tsinghua Center) e Yan Xuetong, renomado professor de Relações Internacionais da Tsinghua, discutem em podcast a nova ordem mundial. O episódio, terceiro de sua série, faz parte de uma sucessão de entrevistas com especialistas chineses da área do China in the World.
Gastronomia: o RADII China fez um curta explicando como a pimenta começou a tomar conta da culinária chinesa a partir dos anos de 1400, quando foi trazida do México.
Cultura: Em menos de cinco minutos você assiste ao vídeo sobre o vilarejo de Smangus, onde se localiza a tribo mais remota de Taiwan.