This image from NASA's EarthKAM captures almost all of Quinghai, the largest lake in China. Original from NASA. Digitally enhanced by rawpixel.

A civilização ecológica de Xi Jinping

Crédito da imagem: por NASA is licensed under CC0 1.0

Por  Filipe Porto*

 

Desde o início do século XXI, a República Popular da China (RPC) tem se afirmado cada vez mais como a locomotiva da globalização, tendo elevado a eficácia e o valor agregado de sua produtividade industrial, sendo hoje a protagonista das principais cadeias globais de valor. Contudo, o desenvolvimento do país tem ocorrido de mãos dadas com enormes problemas e desafios ambientais, tornando cada vez mais frequente o uso do slogan da “Civilização Ecológica (CE)” no discurso político de Xi Jinping. Diante do exposto, de que forma a interpretação conceitual da CE perpassa as políticas ecológicas e ambientais da China? 

Primeiramente cunhada pelo presidente Hu Jintao, em 2007, a CE se tornou um elemento central da retórica verde do Partido Comunista Chinês (PCCh). A promoção política da CE pela liderança chinesa foi apoiada por um argumento teórico, segundo o qual a CE poderia fornecer uma teoria de desenvolvimento alternativa capaz de revolucionar a ordem econômica global ecocida e provocar uma transição ecológica global. O conceito tem como objetivo central o respeito e a proteção da natureza, sendo fundamental para a mobilização de toda a sociedade chinesa em torno de iniciativas práticas da agenda ambiental doméstica e internacional da RPC.

A promoção política da CE pela liderança chinesa foi apoiada por um argumento teórico, segundo o qual a CE poderia fornecer uma teoria de desenvolvimento alternativa capaz de revolucionar a ordem econômica global ecocida e provocar uma transição ecológica global.

 

Projeto piloto do Banco de Desenvolvimento Asiático em Pingxiang, para criar cidades esponja. “Piloting “Sponge Cities” in China”por Sustainable Urbanisation in China is licensed under CC PDM 1.0.

Durante as “Duas Sessões” de 2021 — reuniões anuais da legislatura da RPC e de seu principal órgão consultivo político — foi delineado o 14º Plano Quinquenal, que apresenta as metas de longo prazo do país para 2035. Em termos ecológicos e ambientais, ressaltam-se diversas metas de energia e clima que guiarão o país, como atingir o pico de emissões de CO₂ antes de 2030 e alcançar a neutralidade de carbono antes de 2060. Também foi reforçado o compromisso da RPC em alcançar a neutralidade de carbono até 2060, no âmbito do Acordo de Paris.

O plano também inicia uma mudança estrutural no modelo de crescimento chinês, com destaque para a inovação no sentido de atender dois objetivos básicos: i) desenvolver o mercado consumidor doméstico para ampliar e fortalecer a classe média; ii) a promoção da iniciativa Cinturão e Rota. Essa “dupla circulação” é considerada o pilar do plano político da RPC em atingir, até 2035, uma economia de mercado socialista, sem marginalizar a necessidade de atingir uma matriz energética mais limpa.

Desde o 18º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês  (PCCh), o secretário-geral Xi Jinping fez uma série de discursos (em chinês) sobre a promoção do progresso ecológico. O pensamento ecológico refletido nos discursos de Xi contribuiu para a mobilização do PCCh em torno do objetivo comum de estabelecer a CE, representando um ponto de partida histórico. A partir dessas premissas, é possível compreender os aspectos conceituais e teóricos basilares do pensamento ecológico de Xi.

Em primeiro lugar, nota-se a contribuição da filosofia marxista, mais especificamente na relação entre o homem e a natureza como a pedra angular do pensamento de Xi Jinping sobre a CE. Nesse sentido, Xi integra três teorias advindas da filosofia marxista: i) a dialética histórica; ii) o materialismo histórico e dialético; e iii) a dialética da natureza. A priori, a contribuição marxista fornece a orientação e as regras fundamentais para a construção da eco civilização com características chinesas. Isto porque a crítica marxista que sugere um novo padrão de produção e modernização caracterizado por uma relação harmoniosa entre o homem e a natureza.

Segundo, Xi considera formas de pensar e metodologias exclusivas do povo chinês, baseado na relação da civilização chinesa tradicional com a natureza, integrando tradição e modernidade. Com base na perspectiva histórica e prática, a governança ecológica e ambiental na China considera a crise ecológica como o principal ponto de dor do país, nitidamente explícita, por exemplo, no contraste entre desenvolvimento e poluição.

Por último, é importante considerar a aspiração universal do pensamento ecológico de Xi. Na adaptação dos conceitos mencionados anteriormente ao contexto internacional, percebe-se o objetivo de uma Comunidade com Futuro Compartilhado para a Humanidade (CFCH) que tem sido, desde o 18º Congresso Nacional do PCCh, a visão global de Xi para a promoção do progresso ecológico. Nesse sentido, Xi ressalta que “A China se tornou um importante participante do esforço global pela civilização ecológica”.

O pensamento de Xi sobre a civilização ecológica é parte integrante do sistema político chinês como um todo, ou do “socialismo com características chinesas para uma nova era” — a ideologia norteadora que o PCCh vem defendendo em tempos mais recentes. No processo de construção da Civilização Ecológica, é possível entender as bases conceituais da CFCH em termos teóricos, conceituais e ecológicos, bem como seu impacto na política externa chinesa.

Além disso, torna-se clara a conexão entre o avanço da construção da eco civilização e as novas ideias, pensamentos e estratégias do Comitê Central do PCCh de governança do Estado. Portanto, a CE deve ser entendida como algo de importância estratégica a ser impulsionada pela RPC, reorientando o modelo de produção econômica doméstica do país e refletindo intenções contributivas universais.

 

*Filipe Porto é mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal do ABC (PPGPRI-UFABC), com auxílio de bolsa da instituição. Bacharel em Defesa e Gestão Estratégica Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID/UFRJ). Pesquisador do Núcleo de Avaliação de Conjuntura da Escola de Guerra Naval (NAC/EGN/Marinha do Brasil) e do Grupo Economia do Mar (GEM/DGP/CNPq). Membro do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional (OPEB/UFABC). Analista editorial no Observa China (观中国).

Este texto é fruto de uma parceria entre a Shūmiàn 书面 e o evento 5º Seminário Pesquisar a China Contemporânea, organizado pelo Grupo de Estudos Brasil China da Unicamp.  

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