Edição 295 – Taiwan sofre com maior terremoto em 25 anos
O maior tremor vivido por Taiwan em 25 anos deixou pelo menos 10 mortos e 900 feridos segundo dados atualizados na manhã desta quinta-feira. O correspondente da Folha de S.Paulo, Nelson de Sá, está reportando do local e informou que há pelo menos 50 desaparecidos. Ele entrevistou uma brasileira que vive por lá. Neste vídeo é possível ver a Ilha da Tartaruga (Guishan 龟山岛) desfigurada pelo tremor de terra. De acordo com dados oficiais, o terremoto de magnitude de 7.4 teve seu epicentro a 18 km ao sul da cidade de Hualien, mas tremores intensos foram sentidos na capital Taipei, a mais de 100 km da origem do sismo. A CNN reporta que pessoas ainda estão encurraladas nos escombros, enquanto equipes de resgate trabalham em buscas nos locais atingidos. Na China continental, cidadãos postaram na internet demonstrando preocupação e desejando uma rápida recuperação para a ilha, assim como o governo de Pequim (que falou em “compatriotas” e ofereceu apoio para resgates). Devido à sua localização, Taiwan historicamente sofre com terremotos, e até por isso, conta com um avançado sistema de preparação, alerta e treinamento para lidar com situações como essas e minimizar as perdas – tanto humanas quanto econômicas, especialmente após um trágico terremoto em 1999, que deixou 2400 mortos.
Indicadores recentes mostram um certo ânimo na economia chinesa. O Purchasing Managers’ Index (PMI) chinês, que indica ritmo da atividade industrial do país, revela um começo de 2024 promissor, como conta a CNN. De acordo com dados divulgados na segunda (1), a atividade da indústria no país em março teve seu melhor ritmo em 13 meses. A Bloomberg foi além e afirmou que essa melhora mostra um aprimoramento na economia em geral.
Sem grana do exterior. Conforme o governo vem acompanhando, dados reportados pela Administração Estatal de Câmbios de Pequim indicam que o Investimento Estrangeiro Direto (IED) na China atingiu uma baixa no ano passado com um fluxo de R$226 bilhões, representando menos de um quarto do registrado em 2022, o nível mais baixo em 30 anos e batendo números que representaram uma queda de 90% em relação a 2021. O IED reflete os fluxos monetários que entram e saem do país, ligados a entidades de propriedade estrangeira e utilizados para investimentos em ativos como a indústria transformadora e o setor imobiliário. Apesar da baixa, a entrada de investimentos ainda superou a saída de recursos em R$85 bilhões, o que deixou o país em saldo positivo.
Em resposta, o governo chinês diminuiu as exigências de receitas para empresas em processos de exame fiscal, visando tornar o mercado chinês mais atraente, uma vez que as empresas estrangeiras têm expressado preocupações sobre incertezas na implementação das políticas de segurança nacional e questões estruturais.
Passou ou não passou? Em 2023, a China quase se tornou o maior exportador de carros do mundo, chegando perto do Japão. Embora os dados aduaneiros japoneses mostrem que o país exportou 5,97 milhões de veículos, os números oficiais chineses reportaram 5,22 milhões. No entanto, os dados de associações de fabricantes de ambos os países mostraram que a China superou o Japão em exportações de carros de passageiros, com 4,14 milhões contra 3,97 milhões. A maioria das exportações chinesas (mais de 70%) eram de veículos a gasolina, com destinos principais como Rússia e México. Ao mesmo tempo, a China lidera na adoção de veículos elétricos, com uma participação de mercado de 40% no final de 2023. A gente já viu várias vezes por aqui como a geopolítica dos carros tem mexido no tabuleiro desse setor e a China tem tomado liderança no ramo da eletrificação dos transportes, chegando a superar a gigante Tesla durante o último trimestre do ano passado.
Mas nem tudo são flores: o mercado chinês já vem sinalizando dificuldades para responder à escalada dos preços e à desvalorização rápida dos carros. Muitas startups já relataram estar à beira do colapso, o que acaba deixando os consumidores preocupados com a falta de serviços de manutenção dos veículos. O governo chinês tem trabalhado em um sistema de subsídios para o ramo, mas o excesso de concorrência parece ter piorado a situação.
Em meio ao debate sobre os EUA banirem o TikTok, a Universidade de Harvard tem uma estratégia um pouco diferente do que proibir o app: atuar com os influenciadores para evitar ou reduzir danos, como por exemplo à saúde mental dos usuários ou mesmo a divulgação de informações falsas. Vale ouvir o episódio com entrevista de especialista na NPR.
Mas a relação entre China e EUA não para no TikTok. Pequim vem avisando que chineses têm passado por interrogatórios e ameaças. Do outro lado do Atlântico, o The NYT reporta sobre a desinformação de contas chinesas nas redes sociais em torno da disputa eleitoral entre Trump e Biden.
O apetite de Hong Kong atinge a Amazônia. Esta matéria investigativa do jornalista brasileiro Piero Locatelli e de Mercedes Hutton para o Hong Kong Free Press analisa o impacto ambiental das cadeias de carne bovina para o mercado de Hong Kong e China continental. Também há uma versão complementar da investigação publicada em português, visto que o trabalho foi feito em parceria com o Repórter Brasil. O apetite por carne bovina em Hong Kong é bastante preenchido pelo Brasil, principalmente no que diz respeito a miúdos (como tendão, aorta, etc). Apesar de pequena, a região administrativa é o maior importador de miúdos bovinos do Brasil – foram absurdos 123 mil toneladas. Dados coletados pelo Repórter Brasil apontam que haveria um sistema de “lavagem de gado” para transportar os animais criados em zonas de desflorestamento da Amazônia para se passarem por pecuária limpa na cadeia de suprimentos. Essa carne era então importada por quatro empresas e ia parar em Hong Kong, possivelmente sendo distribuída pela Ásia depois. Vale dar uma lida na investigação em ambas as matérias, que apresentam que as empresas acendem alertas sobre sua atuação, vide escritórios vazios ou sem sinalização, sem site ou redes sociais, e com cartas retornando ao remetente. A região administrativa não possui regras específicas sobre rastreabilidade do gado.
O SCMP fez um interessante perfil de Zhang Youyi, que conquistou muitos marcos ao longo de sua vida: escapando da obrigação de mulheres chinesas de atar os pés e se tornando a primeira mulher a se divorciar no país. Zhang foi casada com o famoso poeta Xu Zhimo, com quem teve dois filhos. O casamento foi arranjado e ele foi morar nos EUA (sem ela) – acabaram se divorciando em 1922 no primeiro procedimento deste tipo registrado na China. No mesmo ano,Zhang se mudou para a Alemanha e retornou para a China em 1927, se tornando presidente do primeiro banco de mulheres do país. Pegue um bom cafezinho ou chazinho para ler esta história – escrita pela bisneta de Zhang. Para quem gostar e quiser ir além, recomendamos este livro.
Estamos todos obcecados, interpretando a nova adaptação do Problema dos 3 Corpos de acordo com nossos vieses. A leitura mais popular, não surpreende, é a que analisa as obras (livro e série) sob a ótica das relações entre China e Estados Unidos. Até o Exército de Libertação Popular entrou nessa por meio de um artigo em seu site, o China Military Online. O texto critica que tantos personagens tenham deixado de ser chineses, exceto pelos vilões – o que seria uma forma “politicamente correta” dos EUA disfarçarem a defesa de sua “hegemonia cultural”, disfarçando-a de pluralismo, ao mesmo tempo em que sujam a imagem da China. As disputas entre os dois países também guiam uma análise publicada no LA Review of Books. O argumento principal é de que, lá em 2006, os livros eram interpretados como uma alegoria em que os tecnologicamente avançados e ameaçadores trissolarianos/San-ti representavam os EUA, mas a versão da Netflix traria os chineses como uma ameaça à hegemonia estadunidense (e o TikTok e leis sobre chips seriam sófons). Por fim, com um foco nas grandes questões existenciais, a Vox defende que a grande questão da série é se vale a pena salvar a humanidade. Daí vem a pergunta: qual a sua leitura? Conte pra gente.
Oportunidade: estão abertas as inscrições para a China Tech in Transition – uma fellowship que cobre uma viagem de 6 dias pela China em junho, conhecendo o ecossistema de inovação do país. Corre lá! O prazo é 12 de abril.
Tendência: a internet chinesa está bem obcecada com esse filtro feito com IA que imita a aparência de personagens de jogos do início dos anos 2000 para PlayStation 2.
Viral: nas últimas semanas, alastrou-se pelo TikTok um desafio envolvendo a fonética e interpretação da canção “This Life’s Fate” (今生缘) de Chuan Zi (川子). O What’s on Weibo explica o fenômeno e conta que, ao contrário do que muitos acreditam, não, a música não é sobre a Samsung.
Oportunidade: para quem ainda não viu, a exposição de Cao Fei na Pinacoteca de SP termina em menos de duas semanas—dia 14 de abril é o último dia. Não percam!
Mais P3C: os sinólogos dedicados também vão se interessar pela leitura que Kaiser Kuo fez, em sua newsletter, da adaptação do Problema dos 3 Corpos.
Já viu como se faz o Pato de Pequim?
Um vídeo de Peter Chang.