Edição 312 – Na internet chinesa também tem rinha por atleta
Ninguém perguntou. O PORI, instituto que pesquisa a opinião pública em Hong Kong, decidiu não mais investigar o que a população pensa sobre a transferência de soberania para a China em 1997 e sobre os acontecimentos da Praça da Paz Celestial em 1989. A decisão foi tomada depois que os resultados das últimas pesquisas tiveram zero downloads – possivelmente uma consequência da decisão, há um ano, de que os resultados não seriam mais públicos e que o acesso a eles exigia um cadastro. Outra pesquisa interrompida é sobre a opinião a respeito dos membros do Conselho Executivo, um assunto sobre o qual o povo opina cada vez menos: o número de eleitores caiu pelo terceiro ano consecutivo.
Existe uma história de que Shenzhen era um vilarejo de pescadores há 40 anos atrás. Ainda que o mito fundador da cidade não seja bem assim, é fato que a moderna cidade destruiu muito dos manguezais ao seu redor, com o rio Shenzhen e muitos vilarejos e comunidades ainda estão ali misturadas no meio da grande metrópole – nem sempre do melhor jeito. Este texto de Feng Yingxin e Soraya Kishtwari conta sobre os louváveis esforços de recuperação do impacto ambiental da especulação imobiliária e da expansão urbana agressiva – e como isso também torna a cidade mais resiliente aos eventos climáticos extremos. Os resultados são causados por uma combinação de vontade política, regulação rígida e uma estrutura de gestão multissetorial.
Educar e multiplicar. A liderança chinesa no setor de carros elétricos é tema constante aqui. Reportagem do The New York Times mostra como isso não aconteceu da noite para o dia, mas com política pública e formação de especialistas. Aliás, o texto conta como isso entrou na lista de decisões dos líderes do Partido Comunista da China durante a Terceira Plenária. A meta é investir em mais pesquisa, incentivar a formação em áreas como matemática e engenharia e seguir desenvolvendo tecnologia para ser cada vez mais eficiente e menos poluente. Vale a leitura. Já comentamos na semana passada sobre como a Terceira Plenária olhou com atenção para questões de transição energética.
Um Picolé de Limão. Gao Zhi, um dissidente chinês vivendo na Holanda, foi vítima de um golpe elaborado que culminou na detenção de sua esposa e filha na Tailândia, conta uma investigação da NPR. A família de Gao vinha tentando obter um visto para se juntar a ele desde o primeiro semestre de 2023. Após uma invasão da polícia chinesa à sua casa em Henan em junho daquele ano, Liu Fengling (a esposa) fugiu com os dois filhos para a Tailândia, onde esperavam finalizar o processo de visto. Lá, Liu recebeu uma série de ameaças, incluindo a suposta ligação de um diplomata chinês acusando seu filho de planejar um atentado à Embaixada Chinesa em Bangkok, e um e-mail, supostamente do serviço de imigração holandês, afirmando que aeroportos europeus haviam recebido ameaças de bomba em nome dela e do filho. Sem saber o que fazer, os três ultrapassaram o prazo de seus vistos na Tailândia, o que levou à prisão de Liu e sua filha.
Enquanto isso, na Holanda, Gao recebia mensagens alarmantes sobre o que acontecia em Bangkok, suspeitando de uma conspiração do Partido Comunista Chinês para intimidar sua família, uma vez que ele morava com um outro famoso dissidente, Wang Jingyu. Após receber um comunicado “oficial” dizendo que sua esposa e filha estavam a caminho da fronteira entre Holanda e Alemanha para um reencontro, Gao acabou preso pela polícia alemã sob acusações fabricadas. A NPR revelou que grande parte das comunicações acusatórias foram forjadas por Wang Jingyu – com uma imensa perda financeira de 17 mil dólares da poupança e mais empréstimos da família de Gao para contas vinculadas a Wang fingindo ser autoridades holandesas e afins.
Maduro ou não. A confusão do resultado das eleições na Venezuela também chegou até o outro lado do mundo: a China parabenizou a vitória de Nicolás Maduro rapidamente, sem muito questionamento. O Brasil havia sinalizado um pedido de maior transparência do resultado e da checagem das urnas. Na América Latina, a postura chinesa acabou deixando o clima tenso com aliados regionais como Chile, Peru, Uruguai – e até Brasil. Este texto do ex-diplomata britânico Paul Hare argumenta que a rápida resposta chinesa à situação tem a ver com o grande número de empréstimos no país. Mas a China também historicamente não opina muito (publicamente) sobre os regimes e eleições de outros países. A Rússia também apoiou o resultado anunciado pelo governo do atual presidente Maduro. Bom lembrar que o líder venezuelano foi a Pequim ano passado e a parceria entre os dois foi anunciada como uma parceria estratégica para qualquer situação. Os laços bilaterais fazem 50 anos em 2024.
Tópicos quentes. Naquele ritmo de continuidade ao tema olímpico (já que estamos todos com um olho na TV e outro no trabalho), o clima esquentou nas redes chinesas sobre os jogos. Se no começo o pessoal estava meio desanimado, o rumo foi outro quando a final de tênis de mesa individual colocou duas compatriotas chinesas na disputa pela medalha de ouro. A agora bicampeã Chen Meng venceu Sun Yingsha por 4-2, mas o barraco aconteceu fora da quadra. A plataforma social Weibo removeu mais de 12 mil postagens e baniu permanentemente 300 contas por comportamento que violava as regras. Segundo o Global Times, mais de 6 mil contas foram afetadas em diferentes plataformas, quando os fãs brigavam online entre si sobre quem estava apoiando presencialmente as atletas, pegando pesado nos comentários e criando notícias falsas para criticá-las.
Também teve um momento (que pode ser cringe ou fofo, dependendo do seu ponto de vista) dos atletas de badminton Huang Ya Qiong e Liu Yu Chen. Liu pediu Huang em casamento logo depois dela ganhar a medalha de ouro. O pessoal dos memes já botou pra jogo e incluiu pedidos de casamento no quadro de medalhas. Outro sucesso foi a nadadora de 17 anos Quan Hongchan, que saiu com o ouro no salto ornamental de 10m também contra uma colega chinesa e mesmo assim ganhou os corações dos compatriotas. Quan é um sucesso: ganhou sua primeira medalha de ouro olímpica aos 14, sendo a mais jovem da delegação chinesa.
Hung jaak, um negócio de outro mundo. Quando um apartamento na província de Jilin apareceu em um vídeo de true crime no Douyin, ninguém esperava que aquele cenário de um assassinato ocorrido em 2014 fosse reconhecido por seu atual morador, que não fazia ideia do ocorrido. A identificação não foi difícil: dez anos depois do crime, a almofada que havia sido usada para cobrir o cadáver ainda estava no apartamento. Horrorizado, o novo morador se mudou em menos de duas semanas. A opinião pública criticou os responsáveis pelo imóvel por não revelarem esse histórico e sequer oferecerem um desconto para o locatário. Em Hong Kong, onde alugueis são altíssimos, é comum que os “apartamentos assombrados” (hung jaak) sejam uma opção para quem não é supersticioso e busca economia. Um grande site de imóveis oferece até a opção de identificar esses apartamentos durante a busca (clicando no fantasminha no mapa). Os descontos podem chegar a 30%.
Chazinho: a popularidade do chá de jasmim – um favorito do verão chinês – é o tema desta matéria do The World of Chinese, que aborda também a história do seu consumo.
Tipografia. A newsletter Seiva destacou nesta semana o trabalho da designer Xiaoyuan Gao, conhecida por suas fontes diferentonas e criadora de uma fundação que apoia designers não-brancos e queer.
Evento: como países do Sul Global estão lidando com a China? Esse debate estratégico inicia a parceria entre o Observa China 观中国 e o Centro de Pesquisa em Segurança, Estratégia e Política – CSSPR. O evento será em inglês e transmitido pelo YouTube, no dia 23 de agosto (sábado), às 13h.
Já que tem veículo elétrico nesta edição, vale este breve vídeo sobre como a guerra comercial entre a China e os EUA nesse tema.