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Foto de Irvan Smith na Unsplash.
Edição 333 – DeepSeek abala a bolha de IA e domina o hype da semana
Sacudiu e abalou. Não deu outra notícia de China essa semana: o lançamento na segunda-feira passada (20) do grande modelo de linguagem (LLM) de baixo custo DeepSeek r-1 da pequena startup chinesa DeepSeek e a sua competição com outros modelos disponíveis no mercado. O aplicativo chegou a superar a OpenAI em downloads, conta a Folha. A promessa de eficiência por um custo bem menor do que os outros grandes modelos deixou muita gente chocada no Vale do Silício e no resto do mundo. O fato é que a OpenAI ficou abalada. Derrubou as ações da NVidia e de mais um monte de empresa de semicondutores e Inteligência Artificial totalizando uma baixa de absurdos 1 trilhão de dólares (ou 7 petrobráses, você escolhe) no índice da Nasdaq – fazendo muita gente questionar a bolha da área.
Dentre muitas análises (como essa da jornalista Karen Hao que vale ler) e muito hype chamando de “momento Sputnik da China” e uma suposta vitória chinesa na tal corrida da IA, este texto de JS Tan comenta sobre como o sucesso da DeepSeek não vem do fato de estar no ecossistema chinês – mas sim porque ela é o oposto dele: a empresa não trabalha com o formato 996, foca em contratação de talento in loco e de pessoal que não saiu das big techs e ela não tem financiamento estatal ou dos grandes fundos (é um projeto pessoal de um investidor sozinho – o bilionário Liang Wenfung). É de fato interessante esse desenvolvimento mesmo com todas as restrições de importações de semicondutores – o LLM foi treinado com chips da Nvidia (que fez questão de vender seu peixe) adaptados para não violar as sanções, como analisa este texto de Caiwei Chen. O sucesso também atraiu inimigos, com relatos de inúmeros ciberataques e uma limitação de novos cadastros para tentar contê-los.
O Sérgio Spagnuolo explicou num texto curto quais os motivos do alvoroço do modelo em si. O abalo vem também de outra questão: o software é de código aberto – ainda que haja questionamentos sobre isso, como da especialista em IA e ex-Google Timnit Gebru. O governo da província de Zhejiang (onde a empresa tem sede) publicou uma nota oficial sobre o DeepSeek elogiando o aspecto aberto. Mas a vitória (será que é isso mesmo?) ainda não é garantida: há uma investigação da OpenAI e Microsoft de que na verdade foi barato de desenvolver porque eles teriam roubado do ChatGPT (o que gerou piadas) – o governo dos EUA já se pronunciou sobre uma possível espionagem industrial e isso tem chance de aumentar as tensões entre os países. Mas o modelo expôs uma série de chats de usuários antes de tirarem do ar o vazamento, conta o The Verge. Além de, nenhuma novidade, a censura ao pesquisar sobre alguns temas polêmicos e a clássica alucinação.
Pragmatismo trumpista? Durante a campanha presidencial Trump fez da retórica anti-China um de seus principais trunfos, onde chegou a falar em tarifas de até 60% sobre importações chinesas e prometendo endurecer a disputa comercial. No entanto, de volta à Casa Branca, como contamos na semana passada, o tom mudou um pouco. Agora, o atual presidente dos EUA sugere um possível acordo, colocou as tarifas em 10% (a partir de 01 de fevereiro) e até indica que Pequim pode desempenhar um papel na solução de crises globais, como a guerra na Ucrânia. Enquanto isso, durante a sua sabatina para secretário de Estado, Marco Rubio, manteve uma postura dura contra Pequim, afirmando que a China “mentiu, trapaceou e roubou” seu caminho até o status de superpotência.
Pesticidas na soja: recado ao agro brasileiro. A China suspendeu temporariamente as importações de soja de cinco empresas brasileiras na semana passada, após detectar resíduos de pesticidas e pragas quarentenárias nos carregamentos. A decisão foi comunicada pela Administração-Geral de Aduanas da China (GACC) e segue a política chinesa de inspeção rigorosa de produtos importados. Enquanto as investigações estão em andamento, Pequim exige planos de ação das empresas envolvidas antes de reconsiderar a retomada das compras.
O governo brasileiro minimizou o impacto da suspensão, afirmando que os volumes totais negociados não serão comprometidos e que espera a reversão da medida até março. No entanto, especialistas alertam que o episódio serve como um alerta para o agronegócio brasileiro, reforçando a necessidade de maior controle de qualidade e revisão das práticas de uso de insumos químicos. A China, que responde por cerca de 70% das exportações de soja do Brasil, já indicou preocupações anteriores com resíduos de agrotóxicos, e essa suspensão pode sinalizar uma tendência de maior rigor sanitário e ambiental. Além das questões regulatórias, há quem veja no episódio um jogo comercial estratégico, com Pequim utilizando barreiras sanitárias como instrumento de negociação para obter preços mais favoráveis. Essa não é a primeira vez que restrições técnicas são usadas em momentos de alta volatilidade do mercado agrícola global.
Grande Muralha Solar da China. O mega projeto no deserto de Kubuqi, na região da Mongólia Interior, está transformando uma área antes árida em um dos maiores polos de energia renovável do mundo. As obras, quando concluídas, preveem uma estrutura de 400 km de extensão e 5 km de largura, com uma capacidade estimada de 100 gigawatts, o que seria o suficiente para abastecer Pequim e outras regiões industriais. Além de gerar eletricidade, o projeto tem um objetivo duplo: frear a desertificação e revitalizar ecossistemas degradados. A instalação das placas solares também visam reduzir a erosão dos ventos, criar sombra para reter umidade no solo, possibilitando, assim, o cultivo de vegetação sob os paineis. A usina solar nomeada como Junma, que forma um cavalo galopando visto do alto, já abastece cerca de 400 mil pessoas por ano.
A China já alcançou, em 2024, a casa dos 357 gigawatts de energia solar e eólica na rede, batendo recordes e superando todas as expectativas. O país também já ultrapassou sua meta de 1.200 GW de capacidade renovável seis anos antes do previsto e se consolida como líder absoluto na geração e exportação de tecnologia limpa.
O combate ao tabu da vasectomia. Em um país onde o planejamento familiar historicamente recai sobre as mulheres, um número crescente de homens chineses está recorrendo à vasectomia – e compartilhando suas experiências nas redes sociais. Com apenas 0,02% dos chineses optando pelo procedimento, influenciadores decidiram expor suas experiências online, o que gerou milhões de visualizações e debates sobre masculinidade, contracepção e igualdade de gênero. Esta matéria do SixthTone fala sobre como os chineses têm reagido a isso. O movimento também tem atraído a atenção de médicos que veem na tendência uma oportunidade de normalizar a vasectomia como um método seguro e minimamente invasivo. Mas com o governo tentando reverter o declínio da taxa de natalidade, será que essa mudança vai ganhar força ou bater de frente com as políticas “pró-família”?
Deep dive: para mergulhar mais na história do DeepSeek vale os dois textos no ChinaTalk – um de novembro falando da empresa discreta e promissora; e este que analisa além das manchetes bombásticas.
Já pode lavar o cabelo, tá? Virada de ano, época de colocar em prática as simpatias. Em vez de pular sete ondas, a superstição chinesa de evitar lavar o cabelo no primeiro dia do Ano Novo Lunar viralizou no Brasil após o vídeo da influenciadora Priscila Jin e até famosos entraram na discussão: será que a prosperidade escorre pelo ralo ou é só preguiça de lavar?
Livrarias: a crise chegou para algumas das grandes e icônicas livrarias chinesas. Este texto da Radii conta como a venda de livros em espaços físicos passa por momentos de tensão.
O famoso (não exatamente um elogio) gala do Ano Novo Lunar aconteceu na terça (28) e quem chamou atenção dessa vez foram os robôs humanoides dançando música tradicional chinesa. A dança dos robôs foi dirigida pelo famoso Zhang Yimou (diretor de Herói e A Maldição da Flor Dourada).