Foto de David Pupăză via Unsplash.
Edição 364 – Investigação aponta que empresa chinesa exporta modelo da Great Firewall

Modelo para exportação. O InterSecLab, um consórcio de jornalistas e organizações, publicou este mês um relatório de uma investigação realizada ao longo do último ano contando como a pequena empresa chinesa Geedge Networks está vendendo sistemas de controle da internet similares ao implementado no seu país. Segundo o relatório, que foi produzido a partir de mais de 100 mil documentos vazados, cinco governos – Cazaquistão, Etiópia, Mianmar, Paquistão e um quinto país não identificado – já adquiriram um sistema que modela a famosa Great Firewall em ao menos quatro quesitos: identificação de usuários (mesmo com VPN), controle de informação e de tráfego de informações, localização de usuários em tempo real, e infecção de malware. A Geedge tem um acordo para a análise de dados desses países com o Mesalab, um laboratório de pesquisa vinculado à Academia de Ciências Chinesa, além de atuar em questões internas com governos regionais. As autoridades chinesas não responderam ainda aos pedidos de comentário.
Novo plano just dropped. O novo Plano de Inteligência Artificial+ de Pequim, lançado em agosto pelo Conselho de Estado, estabelece metas de adoção quase total de sistemas inteligentes até 2035. Segundo a newsletter ChinaAI (que publicou uma versão traduzida para o inglês), o plano foi lido por analistas como um dos projetos mais ousados do país em tecnologia desde a informatização. O plano prevê 70% de penetração de agentes inteligentes em setores-chave até 2027 e 90% em toda a economia até 2030, números que muitos consideram otimistas demais. Enquanto isso, o debate sobre segurança também ganha força. O relatório State of AI Safety in China (2025) mostra justamente como as autoridades passaram a enquadrar riscos de IA como questão de segurança nacional, incluindo-os em planos de resposta a emergências ao lado de epidemias e ataques cibernéticos. Se de um lado a China acelera sua corrida para tornar a IA uma infraestrutura básica da sociedade, de outro tenta projetar liderança em governança e segurança, ao assinar compromissos voluntários com empresas e propor resoluções na ONU. Confira mais uma análise no ChinaTalk.

Turbinas ou tanques? É nas turbinas e painéis solares, e não nos desfiles de tanques em Pequim, que a China busca afirmar sua capacidade de reordenar a geopolítica energética. Segundo o The Guardian, o país já alcançou 1.200 GW de capacidade instalada em renováveis, seis anos antes do previsto, e hoje ergue mais do dobro de eólica e solar do que o resto do mundo somado. O feito a coloca como peça central do futuro climático justo quando os EUA recuam em compromissos ambientais e voltam a flertar com carvão e petróleo. Às vésperas da COP30 em Belém, cresce a expectativa de que Pequim anuncie oficialmente o pico de suas emissões e detalhe novos compromissos na próxima Contribuição Determinada Nacional (NDC, no inglês). Mas o contraste continua evidente, já que a liderança em renováveis convive com aprovações recordes de usinas a carvão, sustentadas pela narrativa de segurança energética. É nesse vaivém que a China projeta simultaneamente liderança climática e dependência fóssil, e é dessa ambivalência que o mundo terá de tirar suas conclusões em Belém.
Controle chinês made in USA. Nesta semana, a Associated Press publicou uma longa investigação original sobre como tecnologias desenvolvidas nos Estados Unidos são fundamentais para o aparato repressor do governo chinês. Embora várias companhias identificadas pela AP tenham afirmado não estarem diretamente envolvidas e não se responsabilizarem pela forma como seus produtos são usados por quem os adquire, gigantes como IBM, Dell, Cisco e Seagate buscaram ativamente conquistar o governo da China – chegando a replicar suas terminologias em materiais de venda e mencionando estratégias de repressão em uso pelo governo, como “Polícia da Internet” e “Escudo Dourado”. As tecnologias de vigilância e controle estadunidenses em uso pela China são diversas, em áreas como análise de DNA, inteligência artificial, equipamentos de comunicação e processamento de dados para prevenir atividades indesejadas. A reportagem se baseou em e-mails vazados por uma empresa de segurança chinesa, documentos governamentais públicos e confidenciais, e entrevistas com pessoas envolvidas nos casos. A apuração revela que essas tecnologias são usadas desde projetos em grande escala, como a repressão a uigures em Xinjiang, até a vigilância cotidiana de famílias em zonas rurais, de modo a evitar protestos contra situações consideradas injustas. Esse tipo de monitoramento de cidadãos descontentes é tão comum que foi objeto de um protesto em Chongqing, como contamos na semana passada, em que câmeras foram usadas para criticar e expor a ação de policiais.

Não foi uma surpresa, mas não deixa de ser uma derrota. O Conselho Legislativo de Hong Kong rejeitou na última quarta-feira (10) o texto de “enquadramento alternativo” que reconheceria uniões registradas internacionalmente entre pessoas do mesmo sexo. O texto partiu de uma decisão feita em setembro de 2023 pela Corte de Apelação Final de Hong Kong, determinando que o governo deveria estabelecer alguma forma de validação não-equivalente ao matrimônio dessas uniões. Foi a primeira vez que o Conselho votou contra uma proposta governamental – dos 86 legisladores, apenas 14 foram favoráveis. Entre os argumentos apresentados, estiveram preocupações em perturbar a maioria da população para beneficiar uma minoria e as dificuldades de crianças que não teriam como celebrar o dia das mães ou dos pais por serem filhas de um casal homoafetivo. O Conselho Legislativo é, desde 2021, exclusivamente composto por patriotas pré-selecionados para votação pelo chefe-executivo de Hong Kong – que, por sua vez, é pré-aprovado pelo governo chinês, em um sistema chamado por Pequim de “democracia com características hongconguenses”. Segundo pesquisas, 60% da população apoia o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo.
Era melhor ter feito post de superação no LinkedIn. Zhang Shuihua, uma enfermeira de um hospital de Fujian, completou a maratona de Harbin (31 de agosto) em impressionantes 2h:35m:27s, ficando em primeiro lugar entre corredoras chinesas e nono no total. Três dias depois, ela perdeu o patrocínio que recebia da empresa de produtos esportivos 361 Degrees. Isso porque, durante uma emocionada entrevista pós-corrida, Zhang comentou que um grande desafio para a sua performance é o fato de trabalhar em turnos que dificultam seu planejamento de treinos e provas, e que gostaria de receber de seus empregadores acomodações para essas necessidades. Seu relato dividiu comentaristas na internet, gerando pedidos de empatia com médicos e enfermeiras, mas também críticas de que conceder descansos para Zhang em finais de semana resultaria em menos descanso para seus colegas – e foram as opiniões mais duras que chegaram ao patrocinador, pedindo o fim do contrato. Como conta a SixthTone, a China tem uma média de 4,16 profissionais de saúde por mil pessoas, menos da metade da média de 9,2 encontrada em outros países da OCDE.

Entrevista: a chinesa Jiang Xue esteve no Brasil para o Festival piauí de Jornalismo. Ela conversou com as brasileiras Flavia Lima e Thais Oyama sobre o seu trabalho e a censura.
Música: O pesquisador David Hull iniciou no Bluesky uma deliciosa thread de indicações musicais em mandarim. Vale conferir.
Em todo lugar: não tem como escapar dos labubus. A nova campanha envolveu os bonecos (esses e outros) para a colaboração entre a MOYNAT e a Kasing Lung contou com as super estrelas Tony Leung and Michelle Yeoh, além da cantora Lisa da banda BLACKPINK.
Explicação: o novo plano quinquenal vem aí e o chinapolicy fez uma postagem explicando como funciona e quais as motivações para os planos a cada cinco anos.
A atriz chinesa Xin Zhilei acabou de receber o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema de Veneza pelo filme The Sun Rises on Us All, dirigido por Cai Shangjun. Em 2011, a atriz honconguense Deanie Ip recebeu o prêmio por A Simple Life.
