Fotografia em cores de quadro com o símbolo da ONU.

Foto de Davi Mendes via Unsplash.

Edição 366 – China abre mão de benefícios de país em desenvolvimento na OMC

Política e economia

A China vai abrir mão de benefícios do status de país em desenvolvimento. Na terça-feira (23), durante um fórum de desenvolvimento na ONU, o premiê Li Qiang anunciou que a China é um responsável e grande país em desenvolvimento, e por isso não renovará seu status na categoria de Tratamento Especial e Diferenciado (Special and Differential Treatment, SDT) nos acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC). O enquadramento oferece às nações em desenvolvimento certos direitos, como prazos mais longos para se adequar a acordos e apoio técnico. Isso não significa que o país vai abrir mão do discurso de ser uma nação em desenvolvimento – ponto-chave nas suas relações diplomáticas com o Sul Global. Com o crescimento vertiginoso da economia chinesa, o uso da SDT pela China recebe críticas, especialmente dos EUA

Para alguns analistas, o timing da medida seria uma forma de contrastar uma China multilateralista com o governo de Donald Trump: embora há anos os EUA defendam que a segunda maior economia do mundo não deveria ser considerada um país em desenvolvimento, a mudança de status em meio a relações comerciais mundiais abaladas pelo tarifaço de Trump comunica que Pequim é um parceiro comercial mais justo. Na sexta-feira (26), durante discurso na Assembleia Geral, Li reforçou essa mensagem, apontando que unilateralismo e protecionismo estariam minando a ordem internacional construída nas últimas décadas.

No começo da semana (23), Xi Jinping esteve em Xinjiang para comemorar o aniversário de 70 anos de sua transformação em Região Autônoma (oficialmente Xinjiang Uyghur Autonomous Region ou XUAR). A mídia estatal celebrou a data com diversas matérias, vídeos e afins sobre o crescimento econômico na região (sempre com uigures sorrindo e dançando) e o discurso de harmonia entre minorias (que não é novo). Além de Xi, o intelectual do Partido Wang Huning apresentou uma fala validando esses pontos e reforçando a importância do Partido nesse processo, na estabilidade da XUAR e no fortalecimento da identidade nacional chinesa. Fora dos canais oficiais do governo, o que se lê e se ouve sobre a região é bem diferente. Como mostramos diversas vezes aqui, há inúmeras denúncias contra Pequim sobre o tratamento dado aos povos uigures na região, inclusive um relatório da ONU documentando graves violações aos direitos humanos. 

Para quem quer entender melhor a complexidade da história da região, esta série de episódios do China History Podcast dá uma ideia, trazendo o pano de fundo dos embates entre grupos turcos e han. Houve inclusive uma breve independência durante a guerra civil chinesa, conquistando o título de Primeira e, mais tarde, Segunda República do Turquestão Oriental. A região foi oficialmente anexada à República Popular da China logo após a revolução de 1949, quando o PCCh chegou ao poder.

Internacional

O retorno de cérebros chineses desenvolvidos nos Estados Unidos, embora não seja novidade (já falamos sobre isso há mais de um ano), ganhou as manchetes nas últimas semanas pelo calibre dos envolvidos e o volume de casos: o estatístico Liu Jun trocou Harvard por uma cátedra na Tsinghua University; a mesma universidade também recebeu de volta o engenheiro Su Fei, que desenvolveu chips para a Intel e era membro sênior do Institute of Electrical and Electronics Engineers estadunidense; e a Westlake University de Hangzhou contratou os matemáticos Yuan Yuan, Zhongwei Shen, Yiyuan She e Hai Zhu, todos até então professores nos Estados Unidos. Embora esses casos gerem especulações sobre o peso do momento de tensão política entre os dois países na tomada de decisão de cada pesquisador, a maioria deles indica razões pessoais e melhores oportunidades como fatores decisivos. As mesmas justificativas também movimentam pesquisadores de menor celebridade, como fica claro em entrevistas que a Rest of World fez com cinco repatriados para entender suas experiências e motivações.

Mas isso está longe de significar que não há importância política nesse novo fluxo, como pode ser observado no caso de Song-Chun Zhu, que fez sua mudança em 2020: uma longa reportagem do The Guardian, também publicada neste mês, revela que o especialistas em inteligência artificial deixou posições de prestígio nos EUA para lecionar na Peking University e na Tsinghua University; ele também assumiu a diretoria de um instituto estatal focado em IA e, em 2023, se tornou conselheiro em um órgão do governo, influenciando Pequim a dar às iniciativa de IAs a mesma importância que dá a programas de armas nucleares.

Para dar um impulso extra ao influxo de talentos, a China vai lançar nesta semana o visto K, que busca atrair profissionais de universidades de grande reputação das áreas de ciência, tecnologia, engenharia ou matemática. O visto terá propósito de estudos ou negócios. A iniciativa faz parte da estratégia de Pequim de atrair talentos no contexto da disputa tecnológica com os Estados Unidos. O novo visto será oficialmente lançado em 1 de outubro, quando o país comemora o aniversário da Revolução de 1949. Vale lembrar que a medida acontece em paralelo ao recrudescimento das regras migratórias criadas por Trump, entre elas a criação de uma taxa de US$100 mil para empresas que quiserem custear vistos H1B para contratar trabalhadores estrangeiros qualificados.

Sociedade

Edição chinesa substitui casal homoafetivo por hétero. A exibição antecipada de um filme de horror australiano na China gerou controvérsia depois que o público notou uma alteração no vídeo exibido: um casal de dois homens foi substituído por um casal formado por uma mulher e um homem. A Neon, distribuidora global do filme, condenou a edição e disse não ter aprovado a versão censurada, pedindo a imediata suspensão das exibições. Together (Juntos, em tradução livre), é um filme de horror corporal sobrenatural que conta a história de um casal que se muda para o interior e descobre uma força misteriosa que impacta o corpo, a relação e a vida deles. O filme foi premiado no Festival de Sundance e tem sido bem acolhido pela crítica. Segundo reportagem da BBC, outras alterações foram feitas para retirar cenas explícitas de sexo. A reportagem conta ainda que esse não seria um fato isolado no cinema exibido na China, relembrando que, em Oppenheimer, a nudez de Florence Pugh foi coberta digitalmente com um vestido.

Um famoso arquiteto chinês morreu em acidente de avião no Pantanal. O arquiteto Kongjia Yu morreu em um acidente aéreo na última terça-feira (23) em Aquidauana, em Mato Grosso do Sul. Após participar da Bienal da Arquitetura, em São Paulo, ele viajava com o cineasta Luiz Ferraz, também morto na queda do avião. Os dois estavam gravando um documentário sobre as “cidades-esponja”, conceito criado por Yu para denominar cidades que conseguem absorver grandes quantidades de água, uma solução para evitar enchentes e desastres por excesso de chuvas. O falecimento de Yu e dos demais passageiros gerou comoção e condolências, inclusive do presidente Lula.

Zheng He

Canetaço: a caligrafia na China é levada bem a sério e, por isso, muita gente se juntou para reclamar do drama de ter letra feia em um fórum online. Mas eles foram além das lamúrias: em 2023, o grupo virou um espaço para compartilhar e decifrar garranchos escritos por parentes e amigos doentes ou que já faleceram. 

Historicamente incorreto: Wuchang: Fallen Feathers tinha tudo para repetir o sucesso absoluto de Black Myth: Wukong. Mas, como conta a SixthTone, o jogo recebeu uma atualização que substituiu a disputa política daquele momento histórico, entre as dinastias Ming e Qing, por uma infecção sobrenatural que levou ao fim dos Ming. Jogadores internacionais ficaram sem entender a mudança no comportamento dos personagens e muitos chineses ficaram irados com a manipulação da História.

É a renda, estúpido: em uma conversa em podcast do SCMP, Dong Yu, vice-presidente do Instituto China para o Planejamento do Desenvolvimento, da Universidade Tsinghua, explica por que todos planos quinquenais chineses focam em renda. E por que outros países querem fazer o mesmo.

 

A sociedade de observadores de pássaros de Hong Kong organizou seu primeiro concurso de imitadores do canto das aves. A iniciativa buscou conscientizar os cidadãos sobre a importância da preservação dos habitats naturais das aves, ameaçados pelo desenvolvimento imobiliário, e revelou alguns talentos impressionantes. Dá para apreciar mesmo sem entender cantonês.