Fotografia da abertura da Plenária da COP30, com uma mesa branca e um painel grande ao fundo dizendo Brasil COP30 Amazônia

“20251106COP30- Apertura de Plenaria General - Joel González (7)” por Fotografía oficial de la Presidencia de Colombia, Public Domain Mark

Edição 373 – Em Belém, China busca liderar, mas deixa de lado o TFFF

Política e economia

O custo humano do desenvolvimento tecnológico não recebe tanto espaço na mídia quanto os ganhos econômicos – mas eles são muito reais. Nesta semana, a newsletter ChinaTalk publicou um relato do pesquisador Zilan Qian sobre como o foco na preparação dos futuros talentos da tecnologia chinesa impactou a infância e juventude sua e de seus colegas. A competição pelo desempenho excepcional que garante acesso às melhores oportunidades de aprendizado (ou apenas às adequadas) dependeria uma economia de escala, em que a maioria dos estudantes promissores é eliminada em nome do foco no desenvolvimento de um grupo seleto; no entanto, como a China conta com um número grande de jovens, o efeito final é de abundância de talentos. Toda essa competição tem um custo: a taxa de suicídio entre jovens chineses quadruplicou na última década, e a pressão para o alto desempenho escolar é frequentemente apontada como a razão; o problema também cresce na comunidade científica.

A reinvenção do ensino superior chinês. Wu Yan, vice-ministro da educação da China, chamou a atual reforma universitária de um “ajuste estrutural sem precedentes em escala e intensidade”. Os números sustentam esse argumento: desde 2012, 21 mil cursos de graduação foram criados e 12 mil suspensos ou cancelados; segundo pesquisadores, 90% dos encerramentos de programas se deram entre 2019 e 2024. Esses dados são parte de uma análise profunda publicada pela Caixin nesta semana; o texto coloca as mudanças atuais em uma sequência histórica de “realinhamentos” do setor às estratégias governamentais: o primeiro, com foco na engenharia, teria ocorrido na década de 1950, seguindo os preceitos da economia planificada soviética; o segundo, nos anos 1990, focou na expansão universitária; o ciclo atual seguiria a lógica de “servir a estratégia nacional, encarar as necessidades do futuro, fortalecer a integração interdisciplinar e estabelecer um mecanismo dinâmico”, como resumiu Qin Hongxia, reitor na universidade de Xiamen.

O mecanismo é mesmo dinâmico. A aceleração do desenvolvimento e oferta dos cursos, feita em parceria entre governo e universidades, muitas vezes depende da criação de currículos sem base em um número significativo de pesquisas na área; assim, doutorandos das disciplinas pioneiras passam a ter um emprego garantido como professores em suas universidades – escapando de um mercado desfavorável para recém-formados. Por outro lado, docentes das áreas consideradas não prioritárias precisam se reinventar, seja assumindo cargos administrativos dentro da universidade ou se requalificando. Uma pesquisa indicou que as cinco áreas mais afetadas entre 2020 e 2024 foram gestão da informação, administração pública, ciências da informação e computação, marketing e design de produto. Além dos custos imediatos, a atual mudança de rota representa riscos de longo prazo: homogeneização de talentos, dependência de trajetória, utilitarismo de curto prazo e falta de interdisciplinaridade são algumas delas. Se o assunto te interessa, você pode ler a análise completa, em inglês, publicada sem paywall na ThinkChina.

Para quem já visitou a China, ver um robô trazendo sua comida em um restaurante não é lá novidade. Mas o South China Morning Post traz reportagem mostrando como a cidade de Shanghai tem planejado combinar IA aos serviços de catering e restaurantes na cidade. A ideia é automatizar as cozinhas, os pedidos e o serviço. O texto, porém, problematiza o quanto isso é compatível com algo tão importante para os chineses: comer. Vale lembrar que na cultura chinesa e mesmo nos dias corridos de hoje, compartilhar uma refeição é historicamente um evento importante para famílias, seja no dia a dia ou em celebrações especiais.

Internacional

E em Belém? Nem Trump e nem Xi Jinping apareceram pessoalmente para a COP30. E a China não quis se comprometer com apoiar financeiramente o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (a sigla ficou TFFF), como apareceu no South China Morning Post. O argumento da segunda maior economia do mundo é que os países desenvolvidos deveriam arcar com essa responsabilidade e a matéria do SCMP explica bem como a China tem argumentado com o princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” a sua postura nas negociações multilaterais do clima. Mas nem tudo está perdido, já que os dias 17 e 18 incluem foco no tema de florestas – e ainda há margem para negociação.

Apesar disso, o país vem sendo elogiado por sua participação ativa no evento e pelos seus resultados domésticos no âmbito da economia verde, especialmente de energia limpa. O governo chinês divulgou um white paper logo antes do evento sobre o seu progresso nesse sentido e seu apoio a projetos na cooperação Sul-Sul. A matéria da Reuters conta sobre como os diplomatas e as empresas chinesas estão ativos na capital paraense durante as negociações e para ocupar o vazio deixado pela liderança estadunidense nas pautas climáticas. Segundo a cobertura do Carbon Brief, são 100 delegados oficiais e quase 700 outros representantes de governos locais, empresas, consultorias e afins da China. 

Aproximação cautelosa. Pela primeira vez em oito anos, as lideranças do Canadá e da China se encontraram durante a reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) na Coreia do Sul mês passado. Em meio às tensões com seu vizinho superpotência, os canadenses buscam uma tentativa de reaproximação, conta o The New York Times. Talvez você lembre da treta bilateral de 2018, quando dois canadenses foram presos logo após a herdeira da Huawei Meng Wanzhou ser presa em Vancouver. A situação se resolveu em 2021, mas a relação ficou abalada. 

Um país que pode estar indo na direção oposta da aproximação é a Bolívia. O centrista recém -eleito Rodrigo Paz inaugurou sua política externa com visitas à Washington e ao Panamá. Paz é filho do ex-presidente Jaime Paz Zamora, nasceu no exílio durante a ditadura no país e estudou nos Estados Unidos. Este texto no Americas Quarterly aventa que a reaproximação com os EUA após anos de relações tensas será uma prioridade para Paz. Ele prometeu revisar acordos sobre lítio assinados com a China e a Rússia, mas não fez nenhuma fala negativa sobre o país. Por enquanto, sinais foram dados, mas a dinâmica parece de cautela.

Sociedade

A luta de mulheres por mais representatividade não é nova. A escritora e cientista Yangyang Cheng escreveu para o Made In China Journal sobre a história de mulheres pioneiras na ciência na China e os seus questionamentos sobre papeis de gênero nas suas profissões. Uma delas foi Wang-Xie Changda que na virada do século XIX para o XX, fundou uma associação contra a tradição de enfaixamento de pés de meninas e fez parte de um movimento que via a libertação das mulheres como parte da identidade de uma nova China. Outros exemplos incluem a física He Zehui, a geologista Liu Jinmei e a astrônoma Ye Shuhua, que tinha 68 anos quando discursou no Fórum de ONGs da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, organizada pela ONU em 1995, na China. Ye, conhecida como a “Mãe do Tempo de Pequim”, aproveitou a ocasião para conclamar outras mulheres a romperem o teto de vidro e desafiarem os limites colocados a elas. Em meio a recursos limitados, Ye e sua equipe conseguiram medir o Tempo Universal com precisão inédita, o que lhe rendeu o seu apelido. A conferência de 1995 foi um marco global para os direitos das mulheres, incorporando a igualdade de gênero às agendas nacionais e produzindo a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, adotada por 189 países, que denunciava preconceitos de gênero nos currículos de ciência e exigia maior acesso das mulheres e meninas à educação científica. 

A vida da comunidade LGBTQIA+ sofreu mais uma amarga mudança na China. Os dois aplicativos de relacionamentos homossexuais mais famosos do país foram abruptamente deletados da Apple Store na China. De acordo com a Apple, a retirada se deu para o cumprimento de exigências do órgão regulador do gigante asiático. Desde que isso aconteceu, na semana passada, criou-se um temor de que novas reprimendas podem estar a caminho da comunidade gay na China. De acordo com o The Guardian, desde terça passada (11), os aplicativos Finka e Blued estão indisponíveis em lojas da Apple no país e também em diversas plataformas Android. A notícia gerou rápida reação na imprensa e entre os integrantes da comunidade, que aguardam com cautela e atenção o que pode estar vindo por aí. Ainda que ser homossexual seja legal na China, nos últimos anos temos observado — e noticiado aqui — o recrudescimento de regras que têm reduzido os direitos LGBTQIA+ no país.

Zheng He

Chega: você cansou de propagandas em todos os elevadores? O Kong Junyou também. O estudante em Shanghai comprou um controle universal e desligou mais de 100 telas dessas e postou o vídeo fazendo isso como forma de protesto nas redes sociais. O plot twist é que originalmente era uma tarefa da faculdade sobre fazer vídeos virais.

Academia: um dos centros de pesquisa da City University of New York reuniu os pesquisadores Yong Cai, Qin Gao, Rongbin Han e Branko Milanovic para falarem sobre as mudanças sociais e econômicas nas últimas décadas, cobrindo as pautas de desigualdade, demografia, política digital. 

Exposição: Uma exposição no IMS Paulista permitirá ver a China (e outros países também, é verdade) pelos olhos de Agnès Varda. São 200 fotografias tiradas entre 1950 e 1960, em diálogo com sua obra cinematográfica. A exposição abre 29 de novembro.

Na fronteira: relato publicado na Elephant Room sobre uma visita à cidade de Enhe, na Mongólia Interior, e que faz fronteira com a Rússia. O texto explora migração em vários sentidos: a permeabilidade com as tradições russas, as questões da minoria mongol, além de conversas com os outros chineses de fora que ela conheceu em um acampamento.

Nada grandioso: no Reading the China Dream, Xu Jilin mostra como as gerações nascidas após os anos 1990 abandonaram grandes discursos históricos e preferem focar em direitos individuais concretos. Ele analisa como o mundo público se contraiu e o privado se expandiu — e o que isso revela sobre sociedade, juventude e futuro.

 

Um visual espetacular e uma meditação sobre o bem, o mal, e o perdão a partir do budismo. Isso é Another World, uma animação do diretor Tommy Ng Kai-chung. Lançada em festivais internacionais em junho, ela acaba de chegar aos cinemas de Hong Kong. Esperamos que chegue por aqui em algum momento.