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Edição 365 – Mais consumo doméstico, menos chips estadunidenses

Na terça-feira (16), o governo chinês anunciou um pacote de medidas para aquecer o consumo. Resultado do trabalho conjunto de nove agências do governo, o projeto foca, conforme esperado, no setor de serviços. Em foco estão as áreas de internet e cultura, telecomunicações, saúde e educação. Também há planos para atrair mais visitantes internacionais e aumentar seu consumo no país, expandindo a lista de nacionalidades que não precisam de visto para entrada, e facilitando o acesso a hospedagem, comunicação e formas de pagamento. Investimentos estrangeiros nas áreas de saúde e lazer também estão na lista de desejos do governo. Como temos comentado, a indústria chinesa vêm em retração há meses, e especialistas já apontavam o consumo interno de serviços como um caminho a ser explorado.
Obrigado, não. Na última quarta-feira (17), o CAC, órgão regulador do ciberespaço chinês, proibiu as empresas de tecnologia nacionais de comprarem chips de IA da Nvidia – tanto os H20, que o governo Trump tinha liberado para venda há menos de um mês (sob taxação de 15% dos lucros das transações), quanto o RTX Pro 6000D, um flop desenvolvido especialmente para o país. No mesmo dia, as ações da Nvidia perderam 4,2 trilhões de dólares – afinal, a China representou 13% das vendas da companhia em 2024. Dias antes, o órgão responsável pela regulação do mercado chinês havia anunciado que uma investigação preliminar indicou que a Nvidia violou suas leis antimonopólio.
Nunca antes na história desta ZEE. O think tank estadunidense Jamestown Foundation publicou no início de setembro uma pesquisa que, pela primeira vez, mostra a presença de navios chineses explorando petróleo e gás na Zona Econômica Especial (ZEE) de Taiwan. De acordo com os pesquisadores, as estruturas petroleiras pertenceriam à estatal chinesa China National Offshore Oil Corporation (CNOOC). A pesquisa detectou a presença de ao menos 12 navios e plataformas dentro da ZEE taiwanesa entre os meses de julho e agosto, incluindo atividades em uma área localizada a apenas 50km da fronteira marítima restrita das Ilhas Pratas, controladas por Taiwan. Uma reportagem do Guardian sobre o relatório chama atenção para os possíveis efeitos dessa presença na relação Pequim-Taipei: especialistas ouvidos pelo jornal britânico comparam o caso às chamadas “táticas de área cinzenta” aplicadas por Pequim no Mar do Sul da China, região de intensa disputa territorial com Filipinas, Indonésia, Malásia e Vietnã.

O vídeo de um acalorado debate sobre a situação na Faixa de Gaza entre um acadêmico chinês e um adido militar israelense lotado na China viralizou nesta semana. Na quarta-feira (17), durante um fórum em Pequim, Elad Shoshan argumentou que a razão para o conflito persistir é o fato do Hamas manter reféns israelenses, ao que o reitor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Tsinghua, Yan Xuetong, respondeu apontando que o exército israelense deveria ter atacado terroristas e não civis. Diante da insistência de Shoshan em seu argumento, Yan reforçou a legitimidade da solução de dois estados, defendida pelo governo chinês, e afirmou que o discurso do interlocutor é propaganda na qual ninguém mais acredita. Desde os ataques do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, cerca de 48 reféns seguem sob a custódia da organização; Gaza vive um cenário de fome, bloqueio de ajuda humanitária e constantes ataques, que já causaram a morte de mais de 60 mil pessoas, sendo mais de 80% civis (segundo dados internos do Exército Israelense). Para o acadêmico chinês, ao atacar crianças e mulheres, Israel teria perdido a legitimidade. Vale ver o vídeo aqui.
A 80a Assembleia da ONU vem aí, e a China deve consolidar sua relevância para o órgão. O crescimento do prestígio chinês na Organização das Nações Unidas é resultado de seu trabalho progressivo em defesa do multilateralismo, o qual começa a entregar frutos: durante uma conferência de imprensa nesta terça-feira (16), o secretário-geral da ONU António Guterres afirmou que as iniciativas globais propostas pelo país são totalmente compatíveis com a Carta da organização. Por outro lado, como conta o The New Times, é inegável que esse esforço ganhou muito impulso recentemente, com o processo de afastamento dos Estados Unidos sob o governo Trump. O tema do encontro deste ano é “Melhores juntos: 80 anos e mais pela paz, desenvolvimento e direitos humanos” e, além de todas as pautas previstas para a Assembleia, também devem haver conversas paralelas sobre o sucessor de Guterres, que ocupará o cargo até o final de 2026. Não é pra qualquer um: o escolhido precisa ser aprovado pelos 15 membros do Conselho de Segurança, entre os quais cinco detém poder de veto – Grã-Bretanha, França, Rússia, Estados Unidos e China.

Sashay away. O caso recente da “Red Sister” ou “Irmã Hong” – um homem vestido e maquiado de mulher que foi preso em Nanquim por filmar e divulgar sem autorização seus encontros sexuais com outros homens – jogou uma luz indesejada na comunidade LGBTQIAP+ chinesa. Por isso, vale conferir a edição da newsletter Elephant Room que conta sobre como é a vida das pessoas que fazem drag na China. Acompanhando performers como Blue e Mia, o texto narra a rotina de treinamento, preparação de maquiagem e figurino e apresentações (que podem correr o risco de serem canceladas por denúncias preconceituosas) das pessoas que seguem essa carreira em tempo integral ou não. Como a cena é recente e pequena, não é incomum que drags precisem complementar a renda, às vezes como influenciadoras. O entretenimento abertamente focado em minorias que tratam de gênero na China não é comum, como demonstram as histórias contadas.

Telinha: já contamos sobre os dramas super curtos que estão fazendo sucesso na China e além. Está matéria da Sixth Tone mostra como jovens chineses recém formados em busca de uma carreira em Hollywood estão sendo contratados para escrever essas micro narrativas.
Defumado: pesquisadores na Austrália publicaram um estudo revelando como alguns povos antigos na região da atual China e Sudeste Asiático teriam antecipado em milhares de anos um processo de mumificação conhecido no Chile e no Egito: usando fumaça, cadáveres foram preservados por até 10 mil anos, apesar do clima tropical da região, menos favorável do que o clima desértico das múmias no Chile e no Egito.
Lançamentos: a newsletter Cold Window explora as melhores publicações de contos chineses do ano (ou pelo menos, até agora) e já analisa também o cenário literário de ficção no país. A lista destaca ficção especulativa e textos sobre abuso doméstico, e boa parte das oras foi escrita por mulheres.
Este vídeo da britânica BBC World Service explora (em inglês), com a ajuda do especialista Tom Lam, a diferença entre o que o Partido Comunista da China diz e o que é entendido ao redor do mundo.
