Foto de Sergio Kian via Unsplash.

Edição 363 – Investimento chinês no Brasil mais do que dobra em 2024

Política e economia

80 Anos Depois. O presidente da China Xi Jinping propôs a criação de uma nova governança global ao lado de Vladimir Putin e Narendra Modi ao final da cúpula da Organização para Cooperação de Shanghai (SCO, na sigla em inglês). Ao propor a nova iniciativa, Xi mencionou a celebração dos 80 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação da ONU, que estabeleceu a nova ordem mundial no pós-guerra. Sem citar exemplos concretos, ele falou em ameaças, desafios e turbulências, usados como justificativa para a criação da nova ordem. 

O evento em Tianjin foi seguido dias depois por uma parada militar em Pequim, em celebração do fim da Segunda Guerra. Os brasileiros Celso Amorim, assessor especial da Presidência, e a ex-presidente Dilma Rousseff (hoje à frente do Banco dos Brics) estiveram presentes no evento. A CNN conta que Amorim aproveitou o trajeto entre a parada e uma recepção para uma breve conversa com Xi. As imagens do poderio militar chinês e como ele foi exibido, ao lado de controversos líderes como Putin e Modi, chamaram a atenção e veículos como a Reuters fizeram uma galeria de fotos. Por fim, em um momento em que Putin segue pressionado para um fim da guerra com a Ucrânia, Moscou e Pequim assinaram um acordo para a construção de um novo gasoduto na Sibéria. 

Confirmando as expectativas, dados oficiais publicados no último domingo (30) indicaram o quinto mês seguido de contração da atividade industrial na China, embora em ritmo de retomada: o índice PMI, segundo o qual valores abaixo de 50 indicam retração – chegou a 49,4 em agosto, um aumento de 0,1 em relação ao mês anterior; em abril, chegou a uma baixa de 49. Como explicamos na semana passada, o tarifaço estadunidense é um dos entraves para a indústria que, como conta a Caixin, está perdendo fábricas para o Vietnã, país sujeito a tarifas bem menores. Nesse contexto, outras áreas da economia demonstram potencial: como analisa a newsletter China Policy, o setor de serviços, que gera mais empregos do que a indústria, está em crescimento no mercado global desde 2021, embora o país importe o dobro de serviços em relação ao que exporta, principalmente nos setores de educação e turismo.

Protesto ou arte? Sim. Na noite de 29 de agosto, véspera da grande parada em Pequim, slogans anticomunistas foram projetados em um arranha-céu na cidade de Chongqing. Vídeos da ação circularam pelas redes sociais, mostrando frases como “Só sem o Partido Comunista pode haver uma nova China” e “Chega de mentiras, queremos a verdade. Chega de escravidão, queremos liberdade” (tradução da Folha de S.Paulo). Em 50 minutos, a polícia localizou o quarto de hotel onde estava o projetor e encerrou a manifestação, sem perceber sua contribuição para ela: toda a ação no hotel estava sendo filmada. Inspirado por outros protestos, o dissidente Qi Hong havia decidido usar ferramentas de monitoramento do estado (as câmeras operadas remotamente) contra o próprio. Para isso, nove dias antes, Qi havia instalado os equipamentos e se mudando com esposa e filhas para o Reino Unido, de onde ativou os eletrônicos. Embora os vídeos tenham alcançado um grande público e sua mensagem tenha sido amplificada enquanto ele e sua família imediata estavam em segurança, sua mãe e irmão foram interrogados pela polícia de Chongqing. É possível ver os vídeos de Qi Hong nesta reportagem do The New York Times, que explorou as motivações e inspirações do protesto.

Internacional

Enquanto o tarifaço de Trump azeda as relações do Brasil com os EUA, a proximidade entre Brasília e Pequim segue em alta. De acordo com novo relatório do Centro Empresarial Brasil China (Cebri), os investimentos chineses no Brasil mais do que dobraram entre 2023 e 2024. O documento, lançado na semana passada, mostra que o país asiático investiu US$ 4,2 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões) em solo brasileiro em 2024. Com isso, o Brasil é o terceiro principal destino de investimentos chineses no exterior e o mais importante fora da Europa. Também merece destaque o investimento em indústrias ligadas ao setor de transição energética, como veículos elétricos. 

Apesar dos números positivos, reportagem da Reuters sobre o relatório anual destaca que os EUA seguem sendo a maior fonte de investimento estrangeiro direto no Brasil, somando em 2024 US$ 8,5 bilhões. Vale destacar também que, historicamente, o nível de investimentos chineses no exterior está mais baixo devido à redução no ritmo de crescimento econômico do gigante asiático, somando ao plano estratégico de Pequim se voltar mais para a economia doméstica nos últimos anos. Para mais detalhes sobre o relatório, que faz um grande detalhamento dos investimentos chineses no Brasil, vale assistir o evento de lançamento e ler a íntegra do documento. 

Hackers chineses. Depois de mais de um ano de investigações, especialistas concluíram que o ataque conhecido como Salt Typhoon atingiu mais de 80 países. Hackers chineses tiveram acesso a redes de governo, transporte, hospedagem e infraestruturas militares. Uma análise conjunta feita por órgãos de segurança de países como os EUA, Reino Unido, Canadá e Japão classificou a operação como ampla e “indiscriminada”. Algumas fontes oficiais chegaram a sugerir que dados de um número muito significativo de cidadãos dos EUA podem ter sido coletados. Entre os alvos, estariam redes que suportam ligações telefônicas e SMS não criptografados, o que, se confirmado, ampliaria a capacidade de rastrear comunicações e deslocamentos de autoridades, diplomatas e ativistas. De acordo com reportagem do The New York Times, os ataques são associados por analistas a empresas de tecnologia baseadas na China com supostos vínculos a órgãos de inteligência. Pequim não comentou as conclusões da análise. Em termos estratégicos, especialistas ouvidos pelo NYT interpretam o episódio como mudança de patamar, onde menos exfiltração pontual de segredos corporativos e mais persistência em camadas críticas da infraestrutura global. Também notam que a resposta ocidental divulgada até aqui prioriza exposição e dissuasão, o tal do  “name-and-shame”, enquanto eventuais medidas técnicas ou operacionais permanecem fora do holofote.

Sociedade

村BA, masculinidade, esportes e TV na China. O basquete vem ocupando um espaço curioso no imaginário chinês nos últimos anos. De um lado, ganha contornos de virilidade juvenil nos dramas de TV, onde protagonistas carismáticos conquistam status com enterradas e jogadas decisivas. De outro, floresce em arenas rurais improvisadas como em Guizhou, que ficou conhecida como o “NBA das vilas”. Nessas competições comunitárias, o esporte se torna veículo de identidade coletiva, orgulho local e até política pública, ao ser incorporado ao discurso da “revitalização rural” de Xi Jinping.

Como mostra este texto do Made in China, o fenômeno revela como a masculinidade chinesa contemporânea é negociada entre a versão “militarizada”, promovida pelo Estado e outra mais próxima da perseverança, do trabalho duro e da paixão pelo jogo. Nesse cruzamento de quadras escolares, plataformas de streaming e vilarejos lotados, o basquete acaba virando mais do que um esporte, mas torna-se uma discussão sociológica profunda de um espelho que reflete tensões de gênero, juventude e identidade na China de hoje.

Despoluindo águas: O aniversário de 10 anos do Plano de Despoluição das Águas trouxe balanços extremamente positivos, mas também novos desafios. Hoje, mais de 90% das águas superficiais são consideradas próprias para uso humano, contra 63% em 2014, e o número de rios “impróprios” caiu quase a zero. Mas, como mostrou o caso recente de contaminação no rio LeiShui, em Hunan, a preocupação agora recai sobre os chamados “novos poluentes”, antibióticos, fertilizantes e substâncias emergentes que escapam dos métodos clássicos de monitoramento. O contraste fica evidente entre cidades e campo: enquanto 98% do esgoto urbano é tratado, nas áreas rurais menos da metade recebe o mesmo destino. E é justamente aí que a questão hídrica se cruza com a agrícola, já que 99% do fósforo nos rios vem da produção e das lavouras.

Não são apenas os jovens que aplacam a solidão com o “apoio” de inteligências artificiais. A revista digital Rest of World publicou nesta semana uma reportagem feita pela repórter Viola Zhou a partir de sua experiência pessoal: a mãe de Zhou sofre de graves problemas renais e busca conselhos na IA chinesa DeepSeek. O texto explora as contradições do sistema de saúde público chinês, no qual apenas 10% dos recursos vêm do governo, de modo que médicos são pressionados a atender o maior número possível de pacientes para gerar lucro – o que se traduz em conversas rápidas e frias com os pacientes. Assim, mais do que conselhos de saúde, pessoas como a mãe de Zhou encontram nas IAs a sensação de serem ouvidas em suas aflições, mesmo quando têm consciência de que as recomendações que recebem podem estar erradas.

Zheng He

Máquina de escrever em chinês: se você fica fascinado sobre como é codificar uma língua em caracteres, ou quebra a cabeça tentando como seria uma máquina de escrever com caracteres chineses, esse episódio é para você. 

Transgênero na China imperial: a história da China imperial nunca acaba e novos detalhes seguem sempre sendo explorados. Em um livro, o pesquisador de Stanford Matthew H. Sommer conta a história de transgêneros neste período. 

Espíritos: Os portões entre os vivos e os mortos estão abertos para o tradicional Festival dos Espíritos Famintos. O South China Morning Post explica a mitologia em torno do festival e a Macao News explora as especificidades locais sobre o assunto.

 

Para lidar com queda nas receitas, hoteis chineses vende comida mais barata para não hóspedes.