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Edição 358 – Pequim segue tentando lutar contra a crise demográfica

Filhos. Num esforço que revela pragmatismo populacional e engenharia social, Pequim anunciou a adoção de um subsídio nacional para crianças de até três anos, prometendo 3.600 yuan anuais (cerca de R$ 2.500) por filho. A medida, que começa a valer retroativamente a janeiro, marca a tentativa mais abrangente do governo de frear a queda vertiginosa da taxa de natalidade, que encolheu pela terceira vez consecutiva em 2024. A promessa é atingir mais de 20 milhões de famílias: em 2023, a China perdeu o posto de país mais populoso do mundo para a Índia, e as projeções da ONU indicam que a população pode despencar para menos de 800 milhões até 2100. Com casamentos em queda (foram 6,1 milhões em 2024, contra 13,4 milhões em 2013) e idade média do primeiro casamento chegando aos 29 anos, esse “subsídio por bebê” revela mais do que apenas um incentivo econômico e um alerta demográfico.
O texto da pesquisadora Alice Evans mostra que o colapso conjugal na China não se deve apenas à estagnação econômica, mas também a transformações culturais mais profundas. A queda no número de mulheres casadas (de 80% em 1990 para 67% em 2020) reflete uma reconfiguração dos padrões de formação familiar, impulsionada por fatores como o aumento da escolarização feminina, pela valorização da independência econômica e emocional, e pelo crescente apelo de uma vida solteira celebrada nas redes sociais.
Amazon fecha laboratório de pesquisa em inteligência artificial em Xangai, em um movimento sutil, a ação ecoa sinais de ajustes estratégicos impostos pela escalada da rivalidade sino-americana. A unidade, vinculada à divisão AWS de computação em nuvem, operava desde 2018 com foco em colaboração acadêmica e desenvolvimento técnico, e agora desaparece da web com a mesma discrição com que operava. Oficialmente, o corte foi parte do que tem sido chamado de “reestruturação global”. Nos bastidores, porém, funcionários da empresa mencionam “ajustes estratégicos entre China e Estados Unidos” como pano de fundo. O episódio se soma à série de recuos silenciosos de big techs estadunidenses, como Microsoft e IBM, diante de um ambiente regulatório mais restritivo e da pressão crescente para desglobalizar cadeias de inovação sensíveis.

Ataques cruzados. Na mais recente ofensiva da Casa Branca, o AI Action Plan da administração Trump coloca a exportação de chips no centro da estratégia de contenção tecnológica contra a China. Com promessas de “abordagens criativas” para rastreamento de componentes e coordenação com aliados, o plano é ambicioso na retórica, mas impreciso nos meios, ao mesmo tempo em que recua de restrições anteriores e permite, por exemplo, que Nvidia e AMD retomem vendas limitadas à China. Em Pequim, a reação não levou muito tempo e a mídia estatal lançou uma crítica à Nvidia, exigindo “provas convincentes de segurança” para dissipar temores de backdoors e espionagem digital.
As ações de ambos os países parecem refletir tanto o receio real de vulnerabilidades quanto uma tentativa de reposicionamento em um setor onde os EUA ainda dominam. Entre avanços industriais, mudanças constantes de normativas e desconfiança crônica, o mercado global de IA vive sob tensões — e isso tem se tornado rotina por aqui — onde cada chip parece carregar, cada vez menos, apenas transistores; e cada vez mais, camadas densas de cálculo político.
Desequilíbrio. Conforme combinado há alguns meses, a 25ª Cúpula China-União Europeia (UE) aconteceu em Pequim no dia 24 de julho, com a presença da presidente da Comissão Europeia Ursula Von der Leyen e o presidente do Conselho Europeu António Costa. Do lado chinês, estavam Xi Jinping e o premiê Li Qiang liderando a discussão. O encontro celebrou 50 anos de relações diplomáticas e inicialmente havia boa esperança de reconstrução do laço após o começo do governo Trump, mas o clima foi tenso – em meio à pressão dos EUA sobre tarifas impostas à União Europeia (negociadas na Escócia dois dias após a ida à Pequim), a investigação sobre o lobby da Huawei em Bruxelas e disputas comerciais sobre equipamentos médicos europeus e carros elétricos chineses. Além das relações bilaterais e do que é considerado uma parceria desequilibrada do ponto de vista europeu, a pauta também incluiu a guerra na Ucrânia e mudanças climáticas – com este último sendo o com mais potencial de cooperação. Algumas análises do resultado foram bem pessimistas, mas vale ler essa discussão no ChinaFile. No Weibo e WeChat, os chineses de modo geral viram de forma positiva o diálogo.

Come to Bāxī! Parece que o Norte Global não quer mais aprender mandarim. Na falta de dados oficiais sobre o assunto, é possível observar a perda de interesse pelo idioma nos números de matrículas em cursos nas universidades: nos Estados Unidos, houve uma queda de 25% no total de inscritos na comparação entre os anos 2013 e 2021; já na Grã-Bretanha, 2023 registrou 25% menos alunos de mandarim em comparação com 2016. Em outros países da Europa onde o crescimento das matrículas continua, como França e Alemanha, observa-se uma desaceleração. As razões para a perda de interesse, segundo especialistas, seriam o encolhimento do crescimento econômico chinês, que diminui a percepção de oportunidades de negócio, e um problema de imagem causado pela Covid-19. Tudo isso vai meio que na direção contrária da relação entre Brasil e China: segundo uma reportagem do jornal Valor Econômico, que conversou com diversos profissionais do ensino do idioma no país, o interesse brasileiro pelo mandarim só cresce, tanto pelo reforço dos laços comerciais entre os dois países quanto pelo crescimento do soft power chinês no Brasil por meio de produções culturais como os c-dramas, que fazem sucesso por aqui.
A História que não foi. Documentos confidenciais tornados públicos nesta terça-feira (29 de julho) revelam planos criados pelo governo de Margaret Thatcher à luz da inquietação política chinesa que culminou com os acontecimentos da Praça da Paz Celestial em 1989. À época, a coroa britânica estava preparando a transferência da soberania de Hong Kong para a China, a ser realizada em 1997, de acordo com a Declaração conjunta sino-britânica, assinada em 1984. Os planos, traçados para antes e depois de 1997, tratam de possíveis cenários de crescente gravidade que poderiam causar um êxodo em massa, desde a deterioração da percepção pública sobre o quanto Pequim respeitaria os termos da declaração de 1984 até um ataque militar chinês sobre o território. Foram avaliadas rotas de evacuação marítima utilizando todos os então 143 navios de cruzeiro não-chineses do mundo, que levariam os refugiados para Taiwan, Filipinas e Austrália. Também havia planos de evacuação aérea e de recepção e povoamento de refugiados no Reino Unido.
Nada tão extremo ocorreu e os planos nunca precisaram se concretizar – relativamente poucos honconguenses decidiram abandonar o território: como reportou o Hong Kong Free Press, entre 1985 e 1997, 576 mil pessoas emigraram da ex-colônia, muitas delas utilizando um passaporte britânico BNO, para nascidos durante o período colonial. Em 2021, o direito a esse documento passou a ser estendido aos filhos de seus portadores, e desde então mais de 163 mil honconguenses imigraram para o Reino Unido. Em 2024, a população local chegou a 7,5 milhões de pessoas.
A China sofre mais uma vez com enchentes e fortes chuvas. Nos últimos dez dia, Pequim sofreu com uma quantidade de chuva em menos de semana equivalente à média do ano – o que causou a morte de ao menos 44 pessoas e levando mais de 80 mil a deixarem suas casas, além de diversos danos materiais. Boa parte da destruição se concentrou em áreas rurais na região montanhosa perto da Muralha da China, especialmente no distrito de Miyun, com os dias mais chuvosos ocorrendo na segunda-feira (28) e enchendo os rios próximos. Este texto no Dialogue Earth alerta para o fato de que a gestão de recursos hídricos de rios menores – como esses em Miyun – são responsabilidade do governo local, mas que melhores resultados viriam de uma coordenação de gestão de toda a bacia.

Podcast: no O Assunto, a discussão são os minerais terras rara, essenciais para entender a tensão entre EUA e China – e o Brasil.
Mudanças: este texto no The Diplomat discute como a “ofensiva cultural” da China mudando a Coreia do Norte, aliado a políticas econômica e de integração.
Livros: Colin Marshall analisa dois livros recentes sobre o sistema de escrita chinês, as discussões e a influência no leste asiático.
Você já ouviu falar em Lan Lao (ou 攬佬SKAI ISYOURGOD)? O rapper chinês é um fenômeno – derrubando o consagrado Jay Chou do topo das paradas em mandarim nos streamings, conta o South China Morning Post.
