Fotografia em cores dos líderes dos países membros dos BRICS no Rio de Janeiro em julho de 2025, com o Pão de Açúcar ao fundo.

Prime Minister's Office (GODL-India), GODL-India, via Wikimedia Commons

Edição 355 – BRICS+ e possíveis novas frentes de cooperação

Política e economia

Avanço da pecuária inteligente em Xinjiang, e os BRICS+ com isso? Nos últimos anos, a região de Bortala, em Xinjiang, tem ganhado destaque devido a uma revolução silenciosa na forma como faz pecuária. Com uma criação de bovinos totalmente digitalizada, melhores práticas de manejo, nutrição de precisão e uma tecnologia de brincagem de ponta, as chamadas “fazendas inteligentes” têm se consolidado como modelo de inovação não apenas para o setor agrícola chinês, mas também como uma vitrine para o Sul Global. O impacto tem ido além da eficiência da cadeia, criando um movimento robusto de aumento na renda local, o fortalecimento da segurança alimentar e uma reorganização territorial com base em sistemas mais controlados. Hoje, plataformas digitais conectam até 200 mil fazendas em Xinjiang, permitindo aspectos como rastreabilidade em tempo real — algo que é de grande interesse do governo chinês.

Embora ainda pouco explorado, esse modelo pode abrir novas frentes de cooperação entre países do BRICS+, especialmente em áreas como transferência de tecnologia, uso de dados para gestão agropecuária e promoção de cadeias sustentáveis. Diante das metas comuns de segurança alimentar, inovação rural e resiliência climática, o avanço tecnológico de Xinjiang pode muito bem ser aquele caso concreto que pode informar estratégias conjuntas e servir como modelo de inovação. 

A busca por dominar a reserva de terras-raras trouxe sem dúvida benefícios à China, mas também deixa rastros bastante poluentes em seu próprio solo e em terras estrangeiras. Duas reportagens, uma produzida pelo The New York Times, e outra pelo rest of the world, contam como a extração de minerais considerados preciosíssimos para a produção de eletrônicos gera poluição. O NYT traz o caso de Baotou, uma cidade industrial na Mongólia Interior, que é considerada a “capital mundial da indústria de terras-raras”. Os rejeitos de mineração formaram um lago artificial chamado Barragem de Weikuang, de cerca de 10,4 metros quadrados. De acordo com a reportagem, durante o inverno, o rejeito fica seco e uma poeira tóxica sopra do lago; já no verão, com o acúmulo de água, o risco é de contaminação de lençois freáticos. 

Em outra face do problema, o rest of the world revela como a população do Zimbábue tem lidado com a extração de lítio por empresas chinesas no país— e como tem se sentido explorada. O minério é um dos mais importantes para a produção de baterias para veículos elétricos e o país africano é um dos principais fornecedores mundiais do minério. Neste caso, a reportagem vai muito além de questões ambientais e de poluição, falando sobre o favorecimento de elites locais, diferenças econômicas e exploração de força de trabalho. Por fim, se você se interessa pelo tema, vale voltar à edição 351, onde explicamos mais sobre a geopolítica das terras-raras.

Internacional

Bafo no pescoço. Na segunda-feira (07), os chefes de Estado dos agora 11 países que compõem os BRICS+ encerraram a cúpula do bloco, realizada no Rio de Janeiro. Estavam ausentes Xi Jinping (que enviou Li Qiang) e Putin (que tem um mandato de prisão internacional em aberto). A declaração dos líderes, publicada no domingo (06), destacou a solução de dois Estados para o conflito entre Israel e Palestina, e criticou os ataques ao Irã (que também faz parte do bloco agora) e a imposição de tarifas no mercado global – ainda que não tenha citado os Estados Unidos. Dentre os documentos aprovados pelos ministros, chamou atenção o de financiamento climático e o da governança da inteligência artificial. 

Mais do que tudo, o que tomou os noticiários foi o anúncio de Donald Trump, no domingo, impondo tarifas adicionais de 10% aos países alinhados ao bloco, sob o argumento de que o BRICS+ é anti-EUA. Ainda no mesmo tom, na quinta-feira (11), o presidente dos Estados Unidos também anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros importados pelo país como apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A porta-voz de Pequim criticou abertamente a decisão e a interferência na soberania brasileira. 

Aproveitando a toada da reunião dos BRICS+ no Brasil, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma série de reportagens que retrata a influência da economia do país asiático em solo nacional. Sob o nome Avanço China, os textos contam como a relação entre Pequim e Brasília tem moldado a vida dos brasileiros, incluindo a chegada massiva de veículos elétricos e os bonecos Labubu. Como a própria reportagem de abertura destaca, a China é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, responsável por 24% das importações brasileiras e destino de 28% das nossas exportações.

Sociedade

Quanto vale um diploma? O desemprego entre chineses recém-formados é um tema recorrente por aqui. Em alguns casos, a explicação para a dificuldade em se colocar na profissão escolhida seria uma formação inadequada diante das necessidades do mercado; em outros, o erro seria a aposta no diploma estrangeiro. Mas a realidade é que não existe fórmula de sucesso, como revela o caso de Ding Yuanzhao, explicado pelo South China Morning Post. Ding teve uma nota invejável no gaokao (o disputado vestibular chinês), estudou na Peking University e na Tsinghua (duas das universidades mais importantes da China), na Universidade Tecnológica de Nanyang (Singapura), e em Oxford (Reino Unido). Sua formação é em áreas demandadas pelo mercado, como engenharia de energia e química. Apesar disso, aos 39 anos, Ding trabalha como entregador de comida em Pequim, depois de ter dificuldades de se empregar em sua área e decidir que ser professor particular, uma opção confortável para alguém com seu desempenho acadêmico, não faria sentido. O caso gerou um debate questionando o valor da educação, o que poderia desanimar quem investe tempo e dinheiro em estudos; por outro lado, Ding também tem sido visto como um “motivador” para quem não se vê no topo da disputa acadêmica, porque ele afirma que seu trabalho é digno, bom, e permite que ele sustente sua família com tranquilidade. 

Falando em entregadores de aplicativos: sabe o vibrante movimento dos entregadores de Hong Kong, que mencionamos bastante por aqui? Vai vibrar menos. Como conta o Hong Kong Free Press, no final de junho, um jornal local noticiou que membros do Conselho Legislativo teriam recebido orientações para não discutir alguns temas sensíveis, sendo um deles os direitos de entregadores; alguns dias depois, na última segunda-feira (7), o Riders’ Rights Concern Group, grupo dedicado à defesa dos interesses da categoria, anunciou o encerramento de suas atividades, o que foi seguido do apagamento de suas mídias sociais (seguindo o playbook do fim das organizações civis locais). Os movimentos de entregadores vêm causando significativas mobilizações na cidade, inclusive por meio de greves, o que levou o governo a prometer desenvolver mecanismos de proteção para a categoria.

Avanço LGBTQIAP+ em Hong Kong? Em setembro de 2023, a Corte de Apelação Final de Hong Kong deu um prazo de dois anos para o governo estabelecer alguma forma de reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo registradas fora de seu território. Segundo o SCMP, o projeto de lei vai finalmente ser apresentado para avaliação pelo Conselho Legislativo nesta quarta-feira (16). O texto garantiria alguns direitos constitucionais que já existem para pessoas casadas, como visitas hospitalares, acesso a registros médicos e poder de decisão em caso de morte de um dos cônjuges. Como ressalta o governo, é um “enquadramento alternativo”, não um equivalente ao matrimônio – e só é válido para casais registrados fora de Hong Kong. O grupo Hong Kong Marriage Equality declarou que qualquer novo direito é melhor do que nenhum, mas lembrou que existem mais de 100 diferenças legais estabelecidas com base no estado civil, e que o novo enquadramento não contribui significativamente para reduzi-las. Ainda assim, alguns partidos políticos representados no Conselho Legislativo patriota já indicaram sua oposição, afirmando que as que as chances de aprovação do texto seriam muito pequenas, inclusive por “forte oposição popular” – embora, como já contamos por aqui, 60% da população apoie o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo.

Zheng He

Música: Procurando atualizar a sua playlist? Confira a lista do ChinaTalk de melhores músicas do ano em mandarim lançadas até agora. 

Tipografia: Se você for um nerd de tipografia, este artigo aqui pode te interessar. Yu Li escreveu sobre o uso do formato chop suey em tipografia e a relação disso com a representação visual da China. Bateu curiosidade sobre que formato é esse? Tente imaginar qualquer letreiro de restaurante chinês, mas se bater a dúvida, clique aqui

Mais um Lafufu: O sucesso do Labubu necessariamente leva a um farto mercado alternativo. A Sixth Tone conta como vai a guerra contra a pirataria dessas criaturinhas.

Duocoffee: Imagina ser lembrado pela corujinha do Duolingo que é hora de estudar uma língua tomando café? Essa é uma estratégia de marketing do Duolingo com a rede de cafeterias chinesa Luckin’ Coffee para te deixar “ligadão” nos estudos.

 

O filme Levados pelas Marés, o mais recente do aclamado diretor Jia Zhangke, está passando nos cinemas brasileiros. Filmado ao longo de 20 anos, mostra as mudanças na China até a pandemia.