Newsletter 036 (PT)
Destaques sobre política, sociedade, economia e cenário internacional da República Popular da China.
O lançamento na última sexta-feira de um relatório sobre como grupos de diferentes poderes aquisitivos gastam seu tempo formulado pelo Escritório Nacional de Estatísticas da China causou polêmica nas redes sociais. O motivo? De acordo com a definição oficial proposta pelo documento, todos com renda entre US$295 to US$740 (ou R$1113 e R$2793) são considerados membros da classe média chinesa. Para muitos, porém, os números são muito baixos e não configuram cidadãos de renda média. O assunto é particularmente sensível em um momento em que a China, em meio a um quadro de desaceleração econômica, tenta estimular o consumo de uma classe média que, enfrentando restrições e problemas financeiros, compra cada vez menos.
Na semana passada, o governo chinês divulgou a taxa oficial do PIB em 2018. O anúncio do número, de 6.6%, era aguardado com ansiedade por investidores e agentes econômicos ao redor de mundo e representa o menor crescimento do país desde o ano de 1990. Para muitos, porém, não se pode confiar nos dados oficiais divulgados por Pequim. “Os números oficiais do PIB chinês têm sido estáveis demais nos últimos anos para ser um guia confiável do desempenho econômico do país”, afirma Julian Evans-Pritchard, economista sênior no instituto de pesquisa Capital Economics. Se o cenário real for ainda pior do que os dados do governo indicam, seria esse, então, o fim do milagre econômico chinês? Para alguns, a resposta parece ser sim.
Para Pequim, entretanto, as preocupações com a desaceleração da economia chinesa são exageradas. Em discurso no Fórum Econômico Mundial em Davos, Wang Qishan, Vice-Presidente da China, declarou que o crescimento econômico do país segue sólido e que, para o Império do Meio, mais importam os cálculos de longo prazo do que as flutuações presentes. Apesar de admitir que 2019 será um ano de expectativas instáveis, Wang defendeu que o crescimento da China se sustentará. “O Partido Comunista Chinês está tentando lembrar as pessoas de, em se tratando de desenvolvimento, qualidade e eficiência são mais importantes que velocidade”, completou.
A gente sabe que o presidente Xi Jinping curte muito um discurso elaborado (como aquele de 3h30min feito em 2017 e que gerou muitos memes). Bom, as pessoas também adora fazer longas análises desses discursos. O australiano John Garnaut fez uma sobre o que a Austrália precisa saber sobre a ideologia no governo de Xi. Vale a leitura desse textão. Nem que seja para discordar.
Na próxima semana, representantes dos governos chinês e estadunidense se reunirão em Washington em um importante encontro sobre a guerra comercial, em pausa desde a trégua anunciada por Donald Trump e Xi Jinping em dezembro. A pressão para a construção de uma solução ao conflito é notória — caso um acordo não seja alcançado até o início de março, as tarifas de importações entre China e EUA voltarão a subir e o conflito, a operar a todo vapor. Se, por um lado, Pequim se vê pressionada pela desaceleração do consumo doméstico e da atividade industrial no país a solucionar o impasse, Washington também enfrenta a pressão das empresas privadas estadunidenses a resolver o atrito político-comercial.
As implicações da prisão da diretora financeira da Huawei em Vancouver seguem em plenos desdobramentos. Dias depois de declarar a uma jornalista que seria “ótimo” caso as autoridades estadunidenses desistissem de seu pedido de deportação de Meng Wanzhou do Canadá aos Estados Unidos, John McCallum, embaixador canadense na China, foi demitido por Justin Trudeau e imediatamente substituído por Jim Nickel. McCullum chegou a emitir uma nota em que retirava e dizia se arrepender de suas declarações, mas ainda assim Trudeau decidiu por desligá-lo de seu cargo.
E em uma lista com cerca de 100 nomes de renomadas figuras dos estudos de China, lançou-se um pedido aberto ao presidente Xi Jinping pela libertação dos dois canadenses presos pelo governo chinês, Michael Kovrig e Michael Spavor. Inclui figuras chaves dos Estados Unidos e Norte global, bem vistas na China e no mundo como entendedores do país, tal qual Susan Shirk, John Mearsheimer, Elizabeth C. Economy, Orville Schell, Bonnie Glaser, Victoria Tin-bor Hui, Jeffrey N. Wasserstrom, Scott Kennedy, e mais — incluindo acadêmicos, ex-ministros e diplomatas dos EUA, Alemanha, Austrália, Reino Unido, Japão, México, dentre outros.
O governo chinês respondeu logo em seguida, afirmando que a carta é um ataque à soberania chinesa. E colocou a pesquisa dessas pessoas em questionamento, dizendo que demonstraram desrespeito pela China e falta de honestidade. A resposta dos signatários foi de que nos círculos fechados em Pequim, a carta está sim causando desconforto.
Começou com o setor aéreo, agora a ordem se alastrou por mais de 66 multinacionais e gigantes como a Nike e a Apple: não dá mais para tratar Taiwan como um país independente em formulários de cadastramento, sites, e descrições de operações internacionais. A medida manda uma mensagem clara para jovens taiwaneses e grandes empresas quanto à Taiwan ser uma parte indiscutível do território chinês.
O famoso escritor Yuval Noah Harari (de “Sapiens” e “Homo Deus”) escreveu para Foreign Policy sobre o futuro da Inteligência Artificial e a disputa pelo topo na corrida pelo domínio da tecnologia, encabeçada por China e Estados Unidos. Ele avisa dos perigos de uma era de colonialismo através do controle de dados.
Você se lembra de He Jiankui, o famoso cientista chinês que teria criado bebês geneticamente modificados com sistema CRISPR no ano passado? A investigação preliminar do caso apontou que o médico teria falsificado os relatórios da comissão de ética para autorizar o experimento, tudo com o intuito de “buscar fama pessoal”, conforme apontado recentemente pela Xinhua. O médico será punido por violar as leis chinesas e, quanto aos bebês, receberão acompanhamento médico com prazo ainda indefinido.
E se relações poliamorosas fossem a solução para diminuir rapidamente o grande desequilíbrio demográfico por gênero da China? Essa ousada sugestão foi dada por um professor de economia da prestigiada Universidade de Zhejiang frente ao fato de que, no país, há muito mais homens (34 milhões a mais!) do que mulheres.
Para Xie Zuoshi, autor do artigo, a descriminalização da poligamia também ajudaria como contrapeso ao rápido envelhecimento da população. O professor fora duramente criticado por ativistas feministas por discutir “a melhor alocação de mulheres na sociedade como se fossem uma commodity”, como dito por Zheng Churan, uma importante ativista pelos direitos das mulheres do país.
Na China Imperial a poligamia era vista como uma prática comum e razoável para aumentar as chances de ter um herdeiro homem, com menções muito específicas a isso em ensinamentos de Confúcio. A poligamia se tornou ilegal na China Continental em 1950.
Mais de uma década após o escândalo do leite adulterado em que cerca de 300.000 bebês foram envenenados (e seis morreram) por leite em pó que continha melamina, as famílias chinesas ainda têm dificuldade em dar credibilidade às marcas locais. Além de simbolizar a baixa confiança popular às instituições responsáveis por fiscalizar a segurança alimentar de produtos em circulação, é um sinal preocupante para a indústria multibilionária de leite em pó da China: estima-se que em quatro anos este mercado deverá movimentar mais de 30 bilhões de dólares.
O judiciário chinês está testando o uso de inteligência artificial para julgar casos semelhantes, de modo que tenham um julgamento similar. É uma das maneiras de tentar reduzir a carga de trabalho de um judiciário sobrecarregado.
FP Global Thinkers: a revista Foreign Policy anualmente indica 100 pessoas como os pensadores e pensadoras do ano. Alguns nomes chineses entraram na lista, como Jack Ma (que ficou na seção Top 10 dos Últimos 10 Anos), a ativista feminista Yue Xin (jovem liderança do #MeToo na China), o especialista em IA e autor Kai Fu-Lee (imperdível neste podcast), Yi Gang (do People’s Bank of China), dentre outros.
Arte comunista de raiz: divulgamos com frequência na Shūmiàn a produção artística independente que não costuma alcançar o grande público. Desta vez, vamos mostrar exatamente o contrário: arte comissionada pelo Partido nas maiores cidades chinesas. Trata-se de uma das estratégias de divulgar os pensamentos de Confúcio e Mao pelos muros do país. Vale conferir aqui.
10 anos depois: já pensou no #10yearchallenge de cidades? O pessoal da Goldthread fez um de cidades chinesas, que mudam consideravelmente em um ano, que dirá em dez.