Newsletter 087 (PT)
Dados oficiais apontam que o PIB chinês se expandiu em 6,1% em 2019. A taxa, que certamente seria bem-vinda na maior parte dos países, é má notícia no gigante asiático. Acostumada a crescer em ritmo estratosférico, a China teve no ano passado seu pior desempenho econômico em quase 30 anos. Apesar de não agradar, o número não surpreende: a expansão da economia do país está há anos em desaceleração e, dada a guerra comercial com os estadunidenses e outros condicionantes domésticos e internacionais negativos, era de se esperar que o resultado não fosse bom.
Foi barrado de entrar em Hong Kong o diretor executivo do Human Rights Watch, Kenneth Roth. O estadunidense estava na cidade para apresentar o relatório anual da organização, com destaque para as violações de direitos humanos perpetradas pelo governo chinês. Ao chegar à imigração, Roth não ouviu nenhuma explicação das autoridades locais – apenas que não seria possível ficar na cidade. Após a repercussão do caso, Pequim declarou que a medida de impedir a entrada de Roth era condizente dado o histórico da organização de não respeitar a soberania da República Popular da China.
O governo chinês está se preparando para a fase dois do acordo comercial com os EUA (mais detalhes abaixo) e sinalizou isso com a nacionalização de 44 empresas de áreas estratégicas de tecnologia, como monitoramento e vigilância. O número veio de uma pesquisa conduzida pelo China Securities Journal, que calculou que 165 empresas mudaram de dono no ano passado, um crescimento de 60% em relação a 2018. Uma dessas 44 empresas estava, inclusive, na lista de sanções dos EUA, a Xiamen, da área de perícia forense digital. A nacionalização ocorre normalmente em empresas que estão no vermelho e são consideradas estratégicas para o país – mas não foi exatamente o caso dessa vez: das 44, apenas 11 estavam em perigo.
Na última quarta feira (15) em Washington, negociadores chineses de alto escalão assinaram, junto ao presidente Donald Trump, um acordo comercial inicial entre o gigante asiático e os Estados Unidos. Em negociação há mais de dois anos, o documento estabelece bases para a resolução das pendências por trás da guerra comercial entre as duas maiores economias do planeta. Dentre uma série de concessões, a China se comprometeu em expandir suas compras de bens e serviços estadunidenses em 200 bilhões de dólares adicionais durante os próximos dois anos. Em troca, os Estados Unidos irão reduzir pela metade a taxação de importação sobre 120 bilhões de dólares de produtos chineses.
Para Trump e seus apoiadores, o episódio sinaliza uma importante vitória para os estadunidenses. Nem todos, porém, compartilham do mesmo otimismo. No mundo dos negócios, muitos veem ganhos modestos e esperam que os próximos acordos abordem temas contenciosos como proteção da propriedade intelectual e restrição de subsídios estatais a grandes empresas. Já alguns analistas acreditam que o acordo possa reforçar o desequilíbrio econômico estrutural entre China e Estados Unidos. Outros são ainda mais céticos: as mudanças estabelecidas pelo acordo são modestas e simplesmente restaurariam as relações entre os dois países para os padrões anteriores ao início da estendida e custosa guerra comercial entre eles.
Durante o fim de semana, Xi Jinping embarcou em sua primeira viagem internacional oficial do ano. Como destino, Mianmar, que há quase vinte anos não recebia a visita de um líder chinês. Na esteira da celebração de 70 anos de relações diplomáticas entre os dois países, Xi anunciou investimentos volumosos na pequena nação sob, é claro, o esforço de expansão da One Belt One Road. Em notável vulnerabilidade política e econômica desde as sanções estabelecidas por potências ocidentais em 2018, Mianmar pode encontrar na China um parceiro importante em tempos difíceis. Se a visita serve de indicação, Pequim não desperdiçará a oportunidade.
O The China-Africa Project publicou um guia com as 10 questões que irão moldar as relações sino-africanas em 2020. São questões como a presença da “twiplomacy” (apesar de as redes serem proibidas na China, diversas figuras chinesas do governo estão aderindo ao Twitter e ao Facebook como parte das suas estratégias de comunicação com países africanos), a presença de hardware chinês no mercado, investimento chinês em tecnologia e em startups africanas, novos modelos de financiamento de infraestrutura (para resolver os dramas do que era chamado de debt diplomacy e reduzir os riscos chineses, principalmente das empresas privadas). As ferrovias financiadas por chineses vieram para ficar e a presença no continente deve expandir para o oeste também, mas os 54 países africanos ainda estão bamboleando em como lidar com a guerra comercial (quem não?).
O fogo que consumiu a Austrália nas últimas semanas trouxe lembranças para os chineses. A internet do Império do Meio discutiu acaloradamente um artigo da página 90’s Night no Wechat, que critica a resposta do governo australiano às queimadas. A tragédia foi comparada com o que houve em Daxinganling, em 1987, quando 200 pessoas morreram e mais de 50.000 ficaram desalojadas. O artigo trata como “milagre” o que ocorreu na China – um caso de heroísmo do governo.
O que chama mais atenção, no entanto, é a discrepância entre os tratamentos do caso Daxinganling – hoje e 33 anos atrás. Naquela época, o jornal China Youth Daily seguiu uma linha editorial diferente do “lugar-comum” que ressaltava os grandes feitos do governo chinês no combate às tragédias. Surfando na onda da abertura econômica do país, o jornal publicou o “relatório tricolor” (三色报道), dividido em três partes e que se tornou referência de como o meio jornalístico deveria relatar tragédias. A lição de investigar o que realmente aconteceu, sendo fidedigno aos fatos, pelo visto, parece ter sido esquecida.
A edição anual da conferência do WeChat, o superapp chinês que permite aos usuários fazer uma infinidade de coisas, de mandar mensagens a pagar contas, chamou a atenção para o anúncio de uma nova era de monetização. E por que isso é digno de nota? O WeChat possui mais de 1 bilhão de usuários ativos e explorou muito timidamente aumentar a receita com anúncios – uma decisão surpreendente considerando o tamanho e o nível de retenção da plataforma. Agora, com a necessidade de aumentar a arrecadação e a entrada da Bytedance como uma forte competidora por retenção de usuário, o WeChat focará na ponte entre vendedor-cliente com mais miniprogramas e anúncios de marcas.
Mineração na China é um negócio sério: o país fornece 70% do minério de ferro do mundo e 40% do cobre. De modo geral, é um dos setores mais estáveis no país, operando também na extração de carvão e metais de terras rara (que viraram até ponto de conversa na guerra comercial). São materiais essenciais para a indústria de tecnologia mundial – de celulares a motores de avião – e têm um papel importante na economia de províncias mais pobres da China. O problema é que, cada vez mais, o legado tóxico da mineração está sendo perceptível. São vilarejos com altíssimo índice de arsênico, cádmio e chumbo nas superfícies, afetando a saúde da população – e diretamente envenenando crianças que beberam água contaminada. Apesar dos avanços na legislação chinesa, ainda existe muito a ser feito, especialmente no nível local. Os mineiros e as suas famílias são os mais diretamente afetados – com acidentes e também contaminação direta.
Arte no gelo: como já é tradição no inverno chinês, a cidade de Harbin inaugurou seu Festival Anual de Gelo e Neve. Impressione-se com fotos da edição deste ano.
Podcast: 2020 vai ser o ano da tecnologia para as relações sino-africanas. A especialista Stephany Zoo falou com o pessoal do China in Africa Podcast sobre o tema.
Na estrada: o relato de um caminhoneiro chinês sobre a vida na estrada. Cortesia do excelente Chinarrative, que traduz para o inglês textos de pessoas comuns da China.
Está nos olhos de quem vê: Zhang Zipiao quer ir a fundo do que entendemos como beleza. Suas representações amorfas são convites para repensar como descrevemos as coisas ao nosso redor.