Newsletter 091 (PT)
Xu Zhangrun, o então polêmico professor de direito da prestigiosa Tsinghua University que foi investigado e afastado por ter escrito um artigo crítico à governança da China e à concentração de poder nas mãos de Xi Jinping, publicou uma peça viral sobre como a epidemia do novo coronavírus ressalta a urgência de se reformar o sistema político chinês. Um texto brilhantemente escrito, cheio de referências aos clássicos chineses e um apelo à insurreição da sociedade chinesa contra as “confusões organizacionais” perpetradas pelo modus operandi do Partido Comunista Chinês. Prepare aquele tradicional cafezinho e leia o artigo completo aqui. Vale cada segundo.
Algumas cabeças já rolaram: os chefes do Partido Comunista de Wuhan e da província de Hubei foram retirados dos seus cargos, uma semana depois de diretores regionais de saúde também serem removidos. O novo chefe do Partido em Hubei é Ying Yong, ex-prefeito de Xangai, e aliado político de Xi Jinping. A substituição ocorreu após uma revisão do método de diagnóstico — o que causou um crescimento no número de casos confirmados. Na última semana, o próprio Xi apareceu em público depois de algum tempo meio sumido. Outras medidas incluíram colocar mais cidades em quarentena e trazer algumas figuras importantes de Pequim para liderar os esforços de contenção.
Falando em Xi Jinping… De acordo com discurso vinculado pela Qiushi — revista publicada pelo próprio Partido Comunista Chinês —, o líder do país estava ciente da gravidade em torno da epidemia do novo coronavírus ao menos duas semanas mais cedo do que se imaginava anteriormente. No dia 7 de janeiro, Xi teria ordenado que as autoridades locais de Wuhan passassem a controlar o fluxo de indivíduos na cidade. Limites ao trânsito de pessoas no epicentro da epidemia só foram estabelecidos mais de duas semanas depois, no dia 23 do mesmo mês. Não se sabe a razão da divulgação do discurso — alguns, porém, acreditam que a intenção seja blindar o governo central chinês e reforçar a culpa sobre as autoridades locais pelos equívocos nas medidas iniciais de contenção da propagação do vírus.
Em visita a Berlim, Wang Yi, ministro das relações exteriores da China, criticou o que classificou como exagero na reação de alguns países ao novo coronavírus (nomeado COVID-19 pela Organização Mundial da Saúde na última semana). De acordo com Wang, o esforço por parte do governo chinês para conter o vírus está, apesar dos desafios, sob controle. O ministro ainda aproveitou a ocasião para rejeitar as críticas ao histórico de Pequim com a proteção dos direitos humanos, citando o apoio chinês ao povo palestino como demonstração do suporte dado pelo país a povos oprimidos.
Tanto dentro como fora da China continental, porém, os casos de contaminação pelo COVID-19 seguem se multiplicando. Ao todo, já são mais de 70 mil infectados ao redor do mundo. Os mortos pela doença, por sua vez, passam de 1,6 mil — mais que o dobro do número de vítimas fatais da epidemia da SARS, em 2003. No sábado (15), autoridades francesas anunciaram o falecimento de uma turista chinesa de 80 anos no país. O caso representa a primeira morte confirmada por infecção pelo novo coronavírus fora da Ásia. Já no domingo (16), foi a vez de Taiwan reportar a primeira morte ligada ao COVID-19 na ilha.
A Belt and Road Initiative (Iniciativa do Cinturão e Rota, em português) não tem aumentado apenas o fluxo de mercadorias e investimentos entre os países membros, mas também o tráfico de noivas oriundas do Vietnã, Myanmar, Paquistão e Laos e demais países com destino à China. As vítimas, no geral, vivem em situação de extrema pobreza em seus países de origem e são negociadas por suas famílias e agentes que as vendem a homens chineses. Essas mulheres passam por uma série de violências físicas, mentais e sexuais e muitas não sobrevivem. Apenas em dezembro de 2019, 629 meninas e mulheres paquistanesas foram traficadas para a China. Saiba mais aqui.
Estimulada pela crescente demanda global por soja e carne bovina, a agropecuária brasileira avança impiedosamente sobre a Amazônia — maior floresta tropical do planeta e símbolo internacional de biodiversidade. O maior cliente do setor? A China. Por um lado, a história da destruição da floresta no Brasil passa pelos insuficientes mecanismos de proteção ao meio ambiente no país. Por outro, a ascensão do gigante asiático e sua decorrente estratégia de segurança alimentar têm implicações diretas notáveis sobre o fenômeno, cuja dimensão representa um dos maiores desafios aos esforços mundiais de combate ao aquecimento global.
Como falamos em edições passadas da Shūmiàn, a epidemia do COVID-19 reascendeu a discussão no país sobre o consumo de animais selvagens. Além do debate do aspecto cultural e econômico da prática, há a questão legal: afinal, a legislação chinesa é imprecisa quanto à definição de “animal selvagem” — podendo ser qualquer animal que não seja uma ave domesticada ou gado, ainda que o animal em questão já esteja sendo consumido há décadas e com uma indústria robusta por trás. O consumo de animais selvagens alimenta movimentações bilionárias no mundo todo e representa uma parcela considerável da renda de muitos agricultores. Como alcançar o ponto de equilíbrio entre saúde pública e esse setor?
Duas das maiores plataformas online de aluguel imobiliário da China deram o que falar nesta semana por práticas abusivas em meio à epidemia do COVID-19. Acontece que a Danke e a Ziroom — gigantes no mercado imobiliário chinês — começaram a aumentar o aluguel da casa de pessoas que estão em quarentena, e a suspender os pagamentos aos proprietários de apartamentos, enquanto ainda arrecadavam o aluguel dos inquilinos. Estima-se que pelo menos 70.000 proprietários tenham sido afetados, espalhados por cidades como Pequim, Xangai e Chengdu.
Após inúmeras ameaças de boicote, as duas plataformas pediram desculpas e se comprometeram a criar políticas especiais às pessoas mais afetadas pela epidemia, com destaque a Wuhan.
Com a crescente xenofobia interna sobre Wuhan, diversos cidadãos — dentro e fora da quarentena — decidiram começar a contar histórias da sua cidade. O objetivo é valorizar a história de Wuhan, a sua população e promover uma imagem para além de epicentro do vírus. Um bom exemplo é o podcast NüVoices desta semana, que entrevistou Rui Zhong, originária de Wuhan e funcionária do Wilson Center, em Washington, para falar sobre a sua cidade natal e a xenofobia crescente.
Além da xenofobia, a situação em Wuhan colocou na vitrine também questões de gênero. As mulheres estão na linha de frente do combate ao vírus — são 90% das enfermeiras e também maioria nas equipes vindas de fora de Hubei. Contudo, parece que os homens do time de logística não perceberam ou até negaram a urgência de acesso a itens sanitários para menstruação, especialmente em consonância com o uso dos macacões de proteção. Um grupo de 47 pessoas, com apoio de empresas de absorventes e uma campanha de financiamento coletivo, enviou cerca de 170 mil itens para Hubei — apesar da dificuldade em entregar.
Peste na Manchúria: entre 1910 e 1911, a peste bubônica atacou a região da Manchúria, noroeste da China. Foi a primeira crise de saúde pública da China moderna e causou 60 mil fatalidades. Pode ser um bom momento para revisitar essa história e os seus aprendizados — alguns copiados até hoje.
Fique à vontade, dor: como amadurecer em uma sociedade que tem fobia a sentimentos negativos? Pei-Hsin Cho vê no sofrimento um aceno à reflexão e à cura, e mostra isso por meio de suas animações melancólicas.
Entrevista: a especialista em relações internacionais e saúde pública Deisy Ventura falou com o Nexo jornal sobre o COVID-19 e como isso se relaciona com a globalização e a ascensão da China.