PIB chinês em alta e reuniões sobre o clima
O que significa o PIB chinês ter crescido 18,3% no primeiro trimestre? Sem dúvida, uma expansão econômica de dois dígitos é invejável. Mas, como mostra a Reuters, uma análise mais detalhada indica que ainda pode ser cedo para afirmar que a economia chinesa voltou ao nível pré-Covid-19. Esta análise da Caixin lembra ainda que a alta ficou levemente abaixo do previsto pelo governo central chinês e que esse crescimento não foi equilibrado. Vale considerar que a expansão do PIB conta com estímulos do próprio governo, mas Pequim acompanha com uma lupa os gastos públicos para evitar uma crise fiscal, conforme assinala o (South China Morning Post).
E falando em crescimento, você está por dentro do “novo” modelo econômico de Pequim? Aberta para o mundo, mas cultivando cada vez mais a demanda doméstica, a “dupla circulação” tem ganhado destaque em publicações na China, mas ainda é pouco discutida fora da China. Pessimista, Mark Leonard, Diretor do Conselho Europeu de Relações Internacionais, acredita que o modelo pode causar um choque na economia mundial — tal como foi a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001. Isso porque a economia bifurcada poderia ser um caminho para a China ser mais autossuficiente no desenvolvimento de tecnologias de ponta e suas partes, como semicondutores, sendo capaz de aumentar sua influência sobre “as regras do jogo” da economia mundial.
Por outro lado, Li Daokui, um dos economistas chineses mais respeitados atualmente, não vê nada de excepcionalidade chinesa na dupla circulação. Em uma entrevista recente, Li explica como Estados Unidos e Alemanha passaram por processos semelhantes desde o século XVIII. Em tempos de incertezas com a pandemia, a dupla circulação ganha um papel ainda mais importante para o desenvolvimento econômico chinês.
Chineses com mais de dois filhos? Pesquisadores do Banco Central da China recomendaram na última semana que sejam abandonadas as políticas de controle de natalidade adotadas desde a década de 1970. Embora soe estranho o órgão falar sobre política populacional, o motivo é puramente econômico: o risco de perda de competitividade. A instituição aponta que, se nada for modificado, o gigante asiático pode ficar atrás dos Estados Unidos até 2050 na relação entre idosos e trabalhadores. Essa reportagem do South China Morning Post classifica o tom adotado por quatro pesquisadores do Banco Central como “raro e franco”. Vale lembrar que, depois de anos de política do filho único, desde 2016, casais chineses podem ter até dois filhos. Nós já falamos sobre o assunto aqui, sobre como a pandemia pode ter acelerado a crise demográfica na China.
Ninguém quer ser o Alibaba, pelo menos quando o assunto é estar na mira do governo chinês na aplicação de medidas antitruste. Depois que a empresa de Jack Ma foi multada em 2,8 bilhões de dólares, como contamos aqui, todo cuidado é pouco para companhias como Tencent, Meituan, ByteDance e JD.com. Na semana passada, o órgão antitruste chinês se reuniu com representantes de 34 big techs para tratar sobre o tema e pediu que elas façam adaptações, lembrando o caso do Alibaba como exemplo.
A Tencent — desenvolvedora do WeChat — já vem se reposicionando para evitar acusações de monopólio. Ela passou a ter conversas com o Alibaba para abrir caminho para que compras em sites como o Taobao possam ser efetuadas por meio do WeChat Pay, como conta esta reportagem do Asian Times. As mudanças levaram até à renúncia do presidente da Tencent Music Entertainment. Ao menos 12 big techs se comprometeram a fazer ajustes para se adequarem à legislação e novas companhias devem emitir comunicados nos próximos dias, segundo a Caixin. Como o governo chinês demonstra estar bastante focado no tema, resta saber se essas sinalizações serão suficientes para evitar novas penalidades. O assunto mereceu destaque em um editorial do Financial Times, que discute o impacto dessa política nas multinacionais que atuam em território chinês.
Com dificuldades para resolver a crise causada pela COVID-19, o Paraguai deve abrir as portas para a China. Contamos na nossa edição em espanhol que a relação entre Assunção e Taipei criou dificuldades para que o país latinoamericano recebesse vacinas chinesas. O Paraguai está entre os 15 países que mantêm relações diplomáticas com Taiwan, sendo o único da América do Sul neste pequeno grupo. Essa é uma longa relação que já dura mais de 63 anos. Esse cenário pode mudar agora, devido às dificuldades que o vizinho brasileiro vem enfrentando no combate à pandemia, em especial no acesso a imunizantes. Esta reportagem do New York Times faz um apanhado sobre os passos que Mario Abdo vem dando para se aproximar de Pequim como única saída. Por outro lado, o governo de Joe Biden tenta evitar que o país sul-americano abra mão das relações com Taiwan.
Na semana passada, Peru e Equador realizaram eleições presidenciais que podem ter consequências para o panorama das relações entre América do Sul e China. No Equador, o ex-banqueiro de direita Guillerme Lasso foi eleito presidente, vencendo o candidato de esquerda Andrés Araúz (que tinha apoio do ex-presidente Rafael Correa). Com relação à China, o novo presidente sugeriu em entrevista para a CNN que teria uma postura orientada pela valorização da relação com os EUA e crítica à situação de direitos humanos no país asiático. Porém, reafirmou a necessidade de pragmatismo na diplomacia, ao dizer na mesma entrevista que “é preciso estar bem com Deus e com o Diabo, tem que se estar bem com todos”. O Xi já mandou seus parabéns ao recém-eleito, segundo o portal Confirmado.
No Peru, aconteceu a primeira etapa de uma eleição marcada por incerteza e fragmentação das forças políticas. Foram para o segundo turno o sindicalista de esquerda Pedro Castillo (em primeiro lugar) e Keiko Fujimori (filha do ex-ditador Alberto Fujimori, de extrema direita). Ainda sem sinais de discussões sobre China durante a campanha, a necessidade de compra de vacinas deve trazer o tema à tona. O segundo turno ocorre em junho.
Falando em China na América Latina, o think tank Carnegie Endowment lançou um projeto chamado China Local Global, que analisa o engajamento chinês em sete regiões: África, Ásia Central, América Latina, Pacífico, Oriente Médio e Norte da África, Sul da Ásia e Sudeste Asiático. A ideia é que a iniciativa tenha artigos produzidos por pesquisadores(as) locais, e o primeiro texto é sobre a “diplomacia da máscara” no Chile, do pesquisador Francisco Urdinez. No texto, Urdinez demonstra como múltiplos atores chineses já localizados no Chile souberam dialogar com as autoridades com experiência em gestão de desastres, e indica que a tal diplomacia da máscara é menos centralizada e mais flexível do que muita gente faz parecer.
Uma boa companhia é o também recém-lançado People’s Map of Global China, um mapa colaborativo criado para identificar a atuação chinesa pelo mundo. Construído em parceria com jornalistas, ONGs, sindicatos e pesquisadores, seu objetivo é incluir perfis dos projetos internacionais chineses e seus impactos para permitir articulações locais. Boa parte do foco é relacionado com direitos trabalhistas e comunidades impactadas diretamente por essas iniciativas. É financiado por uma série de institutos e organizações, e hospedado pelo Made in China Journal, que volta e meia aparece por aqui.
Esfriando o clima? A três dias do encontro promovido por Biden para discutir meio ambiente, John Kerry, enviado especial dos EUA para o Clima, visitou a China e se encontrou com Xie Zhenhua, sua contraparte chinesa. Juntos, os diplomatas discutiram possíveis canais de cooperação para reduzir as emissões e conseguiram ter conversas produtivas apesar das crescentes tensões diplomáticas entre os dois países. Para quem não ouviu falar dele, Xie é visto como o maior diplomata especializado em questões climáticas da China, grande responsável pela política climática do país desde 2007. Além da visita de Kerry, também rolou um encontro online entre Xi Jinping, Angela Merkel e Emmanuel Macron para discutir os desafios climáticos.
Perfis e grupos feministas foram derrubados na rede social Douban, conforme alertou um perfil do Twitter dedicado ao feminismo na China. A palavra-chave “6b4t” foi uma das censuradas, chamando atenção de usuários na plataforma — que criticaram a decisão mesmo sendo contra o movimento. Como explica a matéria do What’s On Weibo, 6b4t é uma corrente feminista que se originou na Coreia do Sul, rejeita estruturas patriarcais e busca independência para mulheres, se afastando de elementos culturais dominados por homens. O argumento da plataforma para a derrubada foi de que o discurso era radical e extremista. O 6b4t defende que mulheres devem permanecer sem filhos, sem relações românticas com homens e apoiar mulheres solteiras (parte dos 6b), além de rejeitar padrões de beleza, religião e fandoms (parte dos 4t). Em protesto ao banimento, uma hashtag de apoio apareceu na rede pedindo união entre as mulheres.
Outras plataformas, como o Zhihu (uma mistura de Quora com Wikipedia), também são palco de discussões sobre correntes e pautas do feminismo. Uma matéria do The Paper traduzida pela Sixth Tone mostra como a seção dedicada ao feminismo já sofreu mais de 3500 edições desde 2011, com diversos termos sendo retirados e adicionados, especialmente após 2018. Nos últimos anos, diversas dessas discussões evocam uma percepção de um feminismo que advoga a superioridade das mulheres e a rejeição de homens.
Dieta da água? A indústria da dieta e a pressão pelo corpo perfeito das mulheres parece não ter fim. Na China, onde o verão se aproxima, um post de uma atriz e modelo nas redes sociais foi alvo de críticas na última semana. Zhou Weitong compartilhou o resultado de 36 dias de dieta: uma redução de mais de 12 kg. Até aí, nada novo nas redes, mas o que chamou a atenção foi um infográfico compartilhado com seus mais de 10 milhões de seguidores. A dieta foi restritíssima, passando por líquidos, supressores alimentares, carnes magras e suplementos. O que mais chamou atenção foi o fato de ela ter passado 12 dias ingerindo apenas água e eventualmente alguns suplementos. Isso reabriu o debate, também muito frequente, sobre os riscos desse tipo de alimentação e o impacto na saúde física e mental de quem o adota.
Como ser um jornalista chinês na imprensa estrangeira? É um tema que surge nos círculos jornalísticos há alguns anos, como mostram textos publicados no Comitê para a Proteção de Jornalistas (2011), The Atlantic (2015) e Quartz (2017). Normalmente chamados de “heróis invisíveis”, são cidadãos chineses com conhecimento local e contatos, mas que não recebem o título de jornalistas (são assistentes) e, portanto, não contam com as proteções oficiais das empresas, caso tenham problemas com autoridades. Isso ocorre porque cidadãos chineses não podem trabalhar como jornalistas no país para veículos de comunicação estrangeiros. Em 2020, após a detenção de Haze Fan, cidadã chinesa da equipe da Bloomberg em Pequim, o tópico ressurgiu entre correspondentes estrangeiros e assistentes locais.
Na semana passada, saiu uma interessante coletânea do Chinese Storyteller de relatos de jornalistas chineses falando sobre como é reportar sobre a China em duas condições: como um repórter no exterior e como um assistente na China continental. Os relatos perpassam discussões importantes quanto à profissão, incluindo relações de gênero e de raça — como, por exemplo, alguns jornalistas não chineses da mídia estatal não terem recebido aquela famosa etiqueta do Twitter que adverte sobre afiliação ao governo.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Parabéns pra você: foram lançados os slogans para o aniversário de 100 anos do Partido Comunista da China (a ser comemorado em julho). São 80, com alguns selecionados pelo China Media Project para você explorar.
Podcast: o que pensaria Lu Xun sobre BBB? É o que discute esse episódio do podcast (em português!) BiYiNiao do Livro.
Looks clássicos: você pode não saber o que é um jundayi (军大衣), mas certamente já deve ter visto um em fotos de líderes chineses. O casaco verde de inverno do Exército de Libertação Popular, que se tornou símbolo das forças armadas e da classe operária na China, agora parece estar caindo no gosto das gerações mais novas e fazendo moda no país. Confira mais sobre sua origem e usos políticos e estéticos nesta matéria do SupChina.
E o Oscar vai para: quem conseguir burlar a censura e assistir a cerimônia em Hong Kong. Pela primeira vez em 50 anos, não vai haver transmissão ao vivo do evento nas emissoras locais. Especula-se que isso se dê pelo fato de um documentário sobre os protestos na cidade concorrer à premiação este ano (disponível aqui). Se você pretende assistir, vale conferir essa matéria sobre uma das vitórias mais racistas no Oscar, a de melhor atriz no filme Terra dos Deuses (1937).