Tiago Ferreira

Uma conversa com a sinóloga Aline Mota

Em uma conversa com a Shumian, a sinóloga Aline Mota fala sobre sua pesquisa atual — a importância dos investimentos chineses no setor agrícola de Angola —  seu interesse por China e de que forma ela enxerga a participação de acadêmicos negros na academia brasileira. E, para fechar com chave de ouro, a sinóloga compartilha dicas de filmes e livros para quem se interessa em entender mais o país asiático. Confira!

Dos primeiros passos à pesquisa

Shumian (SH): O que te motivou a se aprofundar nos estudos sobre a China? Conte um pouco para nós sobre como foi esse processo.

Aline Mota (AL): Eu cursei Relações Internacionais na UEPB (Universidade Estadual da Paraíba) e atualmente faço mestrado em Relações Internacionais na mesma instituição (PPGRI/UEPB). Durante a graduação participei de dois Projetos de Iniciação Científica (PIBIC) sobre Timor-Leste, país do Sudeste Asiático, sob a orientação da Profa. Silvia Garcia Nogueira. A partir de então meu interesse pelo continente asiático de uma forma geral foi aumentando.

Ainda na graduação, por volta de 2016, entrei no GEPAP (Grupo de Estudos e Pesquisa em Ásia-Pacífico) coordenado pelo Prof. Alexandre César Cunha Leite. Após o ingresso no GEPAP comecei a intensificar as leituras sobre China. Dentre o universo de possibilidades de pesquisa e temas relacionados à China eu tenho me dedicado aos estudos sobre China-África, sobretudo as relações entre China e Angola. Mesmo com esse recorte, a agenda de pesquisa é extremamente ampla, então em uma esfera mais específica tenho me debruçado sobre os estudos agrários. Este é o tema da minha pesquisa de mestrado, os investimentos realizados pela China no setor agrícola angolano. 

sinóloga do Aline Mota
A sinóloga Aline Mota pesquisa os efeitos dos investimentos chineses em Angola (imagem: arquivo pessoal)

No ano de 2020 o GEPAP passou a realizar as reuniões virtualmente, uma vez que com a pandemia de Covid-19, as aulas e demais atividades estão sendo realizadas de maneira remota. Assim, decidimos criar um site para divulgar a produção científica do grupo, sobretudo os boletins que consistem em publicações quinzenais sobre os mais distintos temas envolvendo países da Ásia. 

SH: A sua pesquisa foca em investimentos chineses no setor da agricultura em Angola. Fala um pouco para gente da sua pesquisa? 

AL: O foco da minha pesquisa é entender de que maneira os investimentos chineses contribuem para o desenvolvimento socioeconômico de Angola. O setor agrícola é estratégico para o continente africano que tem uma parcela significativa de sua população vivendo em zonas rurais e tem na agricultura sua principal atividade econômica. O setor é responsável pela geração de empregos e é fundamental para a superação de alguns dos principais problemas enfrentados por alguns países africanos, como a insegurança alimentar, pobreza e alterações climáticas.

Para a China, o setor também é estratégico, uma vez que o país asiático é um dos grandes produtores agrícolas no mundo e um dos países que mais importam produtos agrícolas, inclusive do Brasil. A China tem intensificado sua presença no continente africano, seja por meio de mecanismos bilaterais de negociação ou pela via multilateral, com destaque para o FOCAC que é hoje a principal plataforma política de diálogo entre a China e os países africanos. 

Um ponto relevante  nessa discussão foram as mudanças que o governo chinês promoveu na sua estrutura de produção agrícola, sobretudo após o resultado devastador das políticas que faziam parte do Grande Salto Adiante, implementadas por Mao Zedong, que resultaram na fome em massa da população chinesa. 

A partir das experiências negativas, a China começou a articular reformas na política agrícola nacional que alteraram significativamente o padrão de consumo de alimentos da população, com destaque para o maior consumo de proteínas de origem animal. Além disso, a produção e a atuação das empresas chinesas no mercado internacional também vem sendo alteradas.

SH: Pensando agora no lado de cá, o que o Brasil poderia aprender com a China no setor agrícola?

AL: No meu ponto de vista, é importante que o Brasil olhe para as políticas públicas direcionadas ao combate à pobreza extrema, insegurança alimentar e ampliação da capacidade de consumo da população, que julgo ser fundamental para o enfrentamento de alguns dos principais desafios econômicos do Brasil atualmente. É preciso ressaltar que o Brasil deve, ainda, olhar para a própria experiência, como é o caso do Programa Fome Zero que tem sido replicado em outros países do mundo e que teve resultados importantes no Brasil.

Sobre conhecer a China e a branquitude da academia brasileira

A nossa conversa com a pesquisadora Aline Mota foi além da pesquisa dela. Conversamos com a pesquisadora sobre os seus interesses pessoais pelo país asiático e como ela enxerga a academia brasileira e a construção de uma sinologia nacional. É impossível refletir sobre o futuro da educação do país sem tocar em um problema muito importante: a branquitude do ensino superior brasileiro.

SH: Aline, você gostaria de visitar ou estudar na China? Tem algum lugar específico da China que gostaria de visitar?

AL: Sim, eu provavelmente visitaria as áreas rurais, para além das paisagens acredito que nesses lugares eu conseguiria visualizar traços socioculturais que nos grandes centros urbanos talvez não estejam tão evidentes. Mas também tenho curiosidade de conhecer Pequim e Shanghai.

SH: Enquanto pesquisadora, como você vê a participação de acadêmicos(as) negras no cenário acadêmico brasileiro? E nos estudos sobre China, como você vê a participação/produção de pessoas negras na academia?

AL: A minha percepção é de que o corpo de acadêmicos(as) negros(as) no Brasil está muito distante do ideal. O campo científico, de uma maneira geral, é composto majoritariamente por homens brancos e o Brasil não foge a esse padrão. Essa composição é fruto de um processo histórico, colonial e eurocêntrico, que pode ser visualizado em todas as áreas de conhecimento, não apenas nas Relações Internacionais ou nas ciências humanas.

É evidente que na primeira década dos anos 2000 o Brasil conseguiu ampliar o número de alunos negros em instituições de ensino superior públicas e privadas, averiguamos o aumento também em programas de pós-graduação stricto senso. No entanto, acredito que o contexto ainda é muito assimétrico. Na minha turma de pós-graduação sou a única pessoa negra, por exemplo. 

Não há como um país avançar sem ciência e não há como a sociedade avançar sem igualdade racial, principalmente em um país como o Brasil.

Esta é uma questão complexa e que precisa ser enfrentada. Quando pensamos em uma seleção de mestrado, por exemplo, é avaliado se o(a) candidato(a) domina uma língua estrangeira. Ora, no Brasil, uma parcela muito pequena da população consegue estudar um idioma estrangeiro e frequentemente essa pessoa tem a pele branca. Este é um dos gargalos que podem dificultar o acesso de pessoas pretas aos programas de pós-graduação. 

Se fizermos um recorte por gênero, renda, região do Brasil, por exemplo, acredito que encontraremos assimetrias ainda maiores. Isto precisa ser mudado urgentemente. Não apenas nas ciências humanas, mas em todo e qualquer campo científico. Não há como um país avançar sem ciência e não há como a sociedade avançar sem igualdade racial, principalmente em um país como o Brasil. É preciso forjar bases sólidas, através de políticas públicas, que possibilitem o aluno(a) negro(a) a não apenas chegar em um programa de graduação, mas permanecer nele e alcançar postos de trabalho da mesma forma que um pesquisador(a) branco(a) consegue.

Para ir além

Para encerrar a conversa com chave de ouro, pedimos recomendações para a pesquisadora Aline Mota. Ela foi generosa o suficiente para

SH: Quais pesquisadores(as) você acha importante seguir para entender bem a China atualmente?

AL: No Brasil alguns nomes são: Alexandre César Cunha Leite (UEPB), Marcos Costa Lima (UFPE), Javier Vadell (PUC-MG), Walter Belik (UNICAMP), Fabiano Escher (UFRRJ), Ana Garcia (PUC-RJ), Anna Carletti (UNIPAMPA / UEPB), Paulo Menechelli (UNB), Laura Trajber Waisbich, Esther Majerowicz (UFRN).

Destaco, ainda, os grupos de pesquisa/estudo: GEPAP (UEPB), RBCHINA, Instituto Asia (UFPE). Entre os pesquisadores fora do Brasil, posso citar: 

Deborah Brautigam, Chris Alden, Ian Taylor (ele faleceu no mês de fevereiro mas deixa uma obra fundamental, sobretudo sobre China-África), Tim Zajontz, Lucy Corkin. 

A Aline foi super bacana e separou algumas recomendações para quem quer entender melhor a China. Dá uma olhada!

Documentário: “China’s war on poverty” que retrata a luta contra a pobreza na China. Está disponível no canal da CGTN no YouTube.

Livros: Para as indicações, priorizei as publicações envolvendo pesquisadores nordestinos e/ou que trabalham no NE.

Perspectivas Asiáticas (2016), organizado pelo Prof Marcos Costa Lima (UFPE).

Estrangeirização de Terras e Segurança Alimentar e Nutricional: Brasil e China em Perspectiva (2019), organizado por Prof. Marcos Costa Lima e Eduardo Oliveira (UFPE).

“Desglobalización y análisis del sistema de cooperación internacional desde una perspectiva crítica” (2020). Este, em especial, tem um capítulo escrito por mim em parceria com meu orientador, Prof.  Alexandre Leite e outra orientanda, Polianna Almeida. Você pode fazer o download aqui.


Acompanhe a Aline Mota nas redes sociais

Para quem quiser seguir a Aline Mota nas redes sociais, você pode encontrá-la no Instagram (@alinecrmota), Twitter (@alinecrmota) e LinkedIn. Além disso, você pode encontrar a produção acadêmica da Aline no site do GEPAP:

Segurança alimentar chinesa em tempos de pandemia: como a china sobrevive ao COVID-19

A China e o regime alimentar contemporâneo

“DEBT-TRAP DIPLOMACY”: A DÍVIDA COMO FERRAMENTA DE POLÍTICA EXTERNA CHINESA?

 

Esta entrevista faz parte do projeto Vozes Negras na Sinologia (VNS), o primeiro e único diretório online, aberto e gratuito que divulga pesquisadores negros que estudam China no Brasil. Temos como objetivo tornar a discussão sobre China e o ramo da sinologia brasileira mais inclusivo e representativo. Criado pela Shumian em 2020, você pode encontrar mais informações sobre o VNS aqui.

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