Criptomoedas e China entre Israel e Palestina
Será o fim das criptomoedas? As notícias da última semana indicam um aumento de restrições no mercado chinês, embora os mineradores do país representem 60% do mercado de Bitcoins. Isso porque, como mostra a Caixin, medidas restritivas foram adotadas na última terça-feira (18). Uma delas se deu na região autônoma da Mongólia Interior, que lançou uma plataforma para incentivar seus cidadãos a denunciarem operações ilegais. No mesmo dia, três órgãos de autorregulação publicaram uma nota conjunta proibindo instituições financeiras e empresas de pagamentos de fornecerem para seus consumidores, direta ou indiretamente, serviços com criptomoedas. O impacto no mercado global das decisões tomadas pelo gigante asiático é motivo de especulação. Já falamos aqui sobre o tema e sobre rumores de que a China lançaria uma criptomoeda própria, o que acabou esbarrando em questões regulatórias.
Ainda na semana passada, um esquema de pirâmide financeira envolvendo criptomoedas foi desmontado na província de Anhui, como mostra a Xinhua. Para além da confiabilidade, há um debate relacionado a temas ambientais e consumo de energia num momento em que Pequim tem a meta de zerar as emissões de carbono até 2060. A relação entre a mineração de Bitcoins, a maior entre as criptomoedas, e o gasto de energia é abordado com cuidado por esta reportagem da Sixth Tone.
E a Tesla com isso? Foi justamente no mercado das criptomoedas que Elon Musk fez sua mais recente sinalização no sentido de tentar evitar a perda de mercado na China, onde vinha liderando a venda de carros elétricos. O empresário informou que a Tesla não vai mais aceitar Bitcoins na venda de seus automóveis, o que causou uma queda de 12% no preço da criptomoeda.
Esse movimento se soma a uma série de tentativas de se manter forte na China, em um ano em que a empresa estadunidense sofreu uma série de reveses. Depois de ver os carros da Tesla banidos de órgãos militares no país, o empresário disse em março que fecharia suas portas se veículos fossem usados para fins de espionagem. Em abril, uma consumidora de Shanghai apontou falha nos freios produzidos pela companhia, após seu pai ser vítima de um acidente. Com a repercussão negativa nas redes sociais e na mídia estatal chinesa, a Tesla passou a fazer propaganda de que é uma empresa segura e, inclusive, comparou-se ao Tik Tok.
“Não sou tão social assim”. Foi com essa desculpa que Zhang Yiming anunciou que deixaria o cargo de comando da empresa que criou, a ByteDance, detentora do hit das redes sociais Tik Tok, ou Douyin, em sua versão chinesa. Zhang escreveu uma carta para os funcionários da companhia anunciando sua decisão e indicando sua substituição por Liang Rubo, seu colega de quarto dos tempos da universidade, cofundador da ByteDance e, até então, chefe da área de Recursos Humanos da empresa.
Por falar em troca de cadeiras, a Caixin publicou que, depois de seis meses de cargo vago, a presidência da Huarong será ocupada por Liang Qiang, que atualmente é diretor-executivo da Great Wall Asset Management. A empresa estatal de gestão de ativos financeiros se via em meio a uma disputa de poder e envolvida em um escândalo de corrupção que resultou na execução de seu antigo presidente no início do ano. Nessa análise do SupChina, Ann Listerud argumenta que o colapso da Huarong não é inesperado, dado que a empresa surgiu com um modelo insustentável no contexto da crise asiática de 1997.
China quer estabilidade nos preços das commodities. Depois de ver produtos como ferro, carvão e minério de ferro terem uma alta repentina no mês passado, o governo chinês anunciou que vai intensificar o controle sobre o preço de commodities. A medida busca evitar que ações especulativas afetem a inflação e a cadeia de abastecimento. O anúncio foi feito após reunião do Conselho Executivo de Estado, comandado pelo primeiro-ministro chinês Li Keqiang, braço-direito e principal conselheiro econômico de Xi Jinping. Esta reportagem da Bloomberg (publicada pela Infomoney) conta sobre as dificuldades que a China terá nessa tentativa. Nesta edição aqui, falamos sobre o impacto no Brasil e na América Latina de decisões tomadas pelo país asiático em relação ao mercado de commodities.
Botando (mais) ordem na internet: a Administração do Ciberespaço da China (CAC, na sigla em inglês) se reuniu em Wenzhou na terça (18) para discutir a construção de um sistema de cibergovernança no país. O encontro serviu para trocar experiências sobre o que tem funcionado em cada província, além de fazer um toró de ideias (o famoso brainstorming) para futuras regulações e práticas. Como avalia o China Media Project, o encontro de dois dias na famosa cidade dos negócios revela muito sobre o controle estatal da internet, ainda mais no ano de comemoração do centenário do Partido Comunista Chinês (PCCh). O encontro pode ser visto como apenas a cereja do bolo; já em 2017, Xi Jinping falou sobre a necessidade de se irradiar os valores do PCCh no ciberespaço, empregando esforços e quadros para garantir um ambiente “positivo” e “claro” em nome da segurança nacional e coesão.
O sistema de cibersegurança discutido em Wenzhou vem da necessidade de mais controle nas redes e inclui plataformas de empresas privadas como as redes sociais. Nesse ponto, cabe pensar em como fica a questão de coleta e proteção de dados. Como aborda a Protocol, ao contrário do que se poderia imaginar, leis de privacidade na China podem proteger mais os consumidores chineses da coleta desregulada de grandes corporações do que se imagina.
Toda grande potência têm grandes responsabilidades, e a China parece inclinada a adotar uma postura ainda incomum da sua política externa ao se oferecer na mediação entre Israel e Palestina. No dia 16, Pequim criticou a violência, pediu a cessação das hostilidades e propôs quatro pontos de ação. O desafio não é pouco e o discurso oficial tem sido o de pautar uma nova forma de mediar o conflito, já que a China não possui um histórico negativo na região. As relações sino-israelenses são fortes, como a DW conta: o país tem sido importante parceiro e é vital para a estratégia da Iniciativa Cinturão e Rota na região. A proatividade chinesa na resolução de conflitos vem crescendo nos últimos anos, especialmente quando falamos do Oriente Médio, e é também parte da sua postura de demonstrar ser uma “potência responsável” nos temas internacionais. A sua atuação nesse âmbito costuma ser sempre com apoio de outros atores, o que não seria diferente aqui: teria participação da Rússia, União Europeia e a própria ONU, segundo matéria do SCMP. Uma trégua iniciou na sexta-feira (21), com apoio da ONU, Egito e Qatar.
Comentamos no Twitter sobre como a China acabou de assumir a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU. Isso coloca o país na posição de pautar a agenda de discussão, e a questão Israel-Palestina não ficou de fora, mesmo com pressão dos Estados Unidos. Para analistas, a postura dos EUA (aliado de Israel) de bloqueio da resolução no órgão deixou o país isolado e é ótima para Pequim, que se vê com espaço para liderar o multilateralismo. Ainda assim, a proposta atual do governo chinês não impressionou alguns especialistas.
Desmitificando a China no continente africano. Estudo da pesquisadora Stella Zhang mostrou que as empreiteiras foram pioneiras na internacionalização de empresas chinesas, abrindo caminho para outros setores e para empréstimos do governo chinês a países africanos, ao contrário do que normalmente se supõe. Nessa toada, é preciso abandonar outro mito: o de que as empresas chinesas não criam empregos onde atuam por contratar apenas funcionários chineses. A maioria dos empregados por essas empresas é sim de moradores locais, trazendo renda e benefícios aos países onde atuam. Segundo van der Kley, o problema, na verdade, é a diferença de tratamento dado a funcionários chineses e não chineses.
Falando nisso, essa foi uma semana intensa para investimentos chineses no leste africano. Na terça-feira (18), a empresa China Road and Bridge Corporation firmou um contrato com o governo de Uganda para renovar a ferrovia Malaba-Kampala. A reforma dos 260 km da linha férrea que leva à fronteira com o Quênia exigirá um investimento de aproximadamente 2,1 bilhões de reais (327 milhões de euros). Já na quinta-feira (20), o porto queniano de Lamu, que está sendo construído pela China, recebeu seus primeiros navios. Nairóbi e Pequim pretendem que ele sirva para escoar a produção do norte queniano e de países vizinhos como Uganda e, assim, competir com outros importantes portos na região, conforme matéria da SWI. Recentemente, a China também se comprometeu com a construção de uma nova sede para o Ministério de Relações Exteriores do Quênia. Mas nem tudo são flores: a disputa entre duas empresas chinesas está atrasando a construção de uma represa no país.
Amizade atômica e energia nuclear. Em encontro virtual entre Xi Jinping e Vladimir Putin na quarta-feira (19), China e Rússia deram início a dois grandes projetos de cooperação nuclear bilateral. Reatores de tecnologia russa estão sendo instalados nas usinas chinesas Tianwan e Xudapu. A ampliação do uso dessa energia faz parte dos planos de Pequim para diminuir sua dependência de carvão para gerar eletricidade. A Al Jazeera publicou uma reportagem sobre a política nuclear chinesa destacando a construção de usinas sem notificar a Agência Internacional de Energia Atômica. Conforme a matéria, teme-se que essas novas usinas tenham dupla finalidade: além de energia elétrica, seriam capazes de produzir plutônio para o arsenal nuclear do país. Elas devem ser inauguradas até 2026.
Como ficou a imagem da China desde que a pandemia começou? Um relatório novo da Federação Internacional de Jornalistas conclui que Pequim motivou uma campanha de matérias na mídia estatal chinesa e em veículos internacionais para melhorar a sua imagem no contexto da pandemia. O resultado foi positivo, na percepção dos entrevistados. A análise é resultado de uma pesquisa feita com 54 sindicatos de jornalistas em países de seis regiões (Ásia-Pacífico, América Latina, América do Norte, África, Europa e Oriente Médio-Norte da África), entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021. Em discussão no relatório também estão a desinformação em notícias e como a China soube atuar localmente apoiando nações em desenvolvimento (e divulgar isso). O documento tem três estudos de caso: Itália, Sérvia e Tunísia.
O que esperar das relações entre China e América Latina nos próximos anos? Sob uma ótica comercial, vale separar um cafezinho e ler o relatório que Tatiana Prazeres, David Bohl e Pepe Zhang fizeram para o The Atlantic Council, em que traçam quatro cenários para as relações entre as duas regiões até 2035. As possíveis conjunturas incluem: papel preponderante dos EUA na América Latina, China como maior parceira na região, fim da bonança agrícola e diminuição do ritmo de exportação de commodities para o país asiático, ou uma situação de equilíbrio entre os dois países na região. Vale ler também a análise que Margaret Myers fez na semana passada na Comissão Econômica e de Segurança dos EUA e assistir ao debate que rolou sobre o que conta mais para obter influência na América Latina — capital ou alinhamento ideológico?
Mas se você quiser expandir seus horizontes e pensar na relação entre China e América Latina sob a ótica do Direito Internacional Econômico, não deixe de ouvir o nosso episódio de podcast mais recente! Conversamos com os pesquisadores Fabio Morosini (UFRGS) e Michelle Ratton Sanchez Badin (FGV) para entender como acordos são desenhados e suas implicações para as dinâmicas regionais.
Ultramaratona termina em tragédia em Gansu com 21 corredores mortos. O evento, organizado pelo governo local de Baiyin, ocorreu no sábado (23) e contou com 172 participantes em corridas de até 100 quilômetros. Após algumas horas do início da corrida, chuva forte e ventania derrubaram a temperatura rapidamente — o que levou muitos à hipotermia. Uma equipe de resgate composta por 1200 pessoas iniciou as buscas ainda no sábado, mas não foi suficiente para impedir que a corrida entrasse na história como um dos eventos de esporte ao ar livre mais mortais já visto na China. Milhares de chineses repudiam o evento online e demandam explicações da organização do evento e do governo da cidade. O caso está sendo investigado e eventos esportivos ao ar livre estão temporariamente suspensos em diversas localidades.
Vacina chinesa em dose única? A novidade da vez é o início da aplicação em civis da Convidecia, vacina de dose única desenvolvida pela CanSino em parceria com as forças armadas da China, que começou a ser usada em militares chineses ainda em junho de 2020. Com 65,7% de eficácia global, o imunizante passou a ser inoculado em moradores de pelo menos cinco cidades chinesas e teve seu pedido de uso emergencial já apresentado à Anvisa, no Brasil.
Por que as plataformas de streaming viraram um problema na China? Como acontece no mundo todo, o sucesso desse segmento também é uma realidade na China. A expansão gera uma competição pelo o público que antes prestava atenção apenas nas cadeias de TV, que têm forte controle estatal. Com isso, Pequim tem cobrado que as plataformas de streaming cumpram seu papel ao influenciar jovens com as mensagens de seus programas levando em conta os valores do Estado. Sobre o tema, recomendamos este texto do Protocol, sobre como o assunto foi tratado em uma entrevista coletiva no último dia 8. Um aperto de cerco do governo central em torno do streaming também se deu por conta da relação dos provedores de conteúdo com e-commerce, como mostram a Xinhua e o South China Morning Post.
Dois homens que são almas gêmeas, mas não de maneira romântica: para quem acompanha discussões de representação na mídia, soa muito como queerbaiting — quando se sugere que personagens possuem interesses por pessoas do mesmo sexo, mas nunca nada se concretiza. A estratégia, amplamente considerada marketing para atrair a comunidade LGBTQIA+, tem ganhado discussões na China com adaptações audiovisuais de literatura danmei, gênero que foca em amor e sexo entre dois homens (boys’ love ou BL) — muito popular entre netizens na China, mas que também possui contrapartes na Coreia do Sul e Japão. Exemplos na telinha chinesa são as incrivelmente populares séries de fantasia Word of Honor e The Untamed (O Indomável), que tiraram os elementos explícitos de romance existentes nas obras originais. Viola Zhou e Koh Ewe para a Vice discutem essa tendência e como o sucesso dessas produções desafia a censura local (que não vê homoafetividade com bons olhos nas telas), mas também que elas são ferramentas de influência da cultura chinesa dentro e fora do país — como o próprio governo reconhece. A discussão foi parar no podcast Loud Murmurs (em mandarim).
É uma discussão importante para a gente lembrar, mesmo que o Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia já tenha passado. Vale ver o que rolou na data (17), com alguns relatórios e posts de apoio nas redes sociais.
E um pouco mais sobre demografia chinesa. Segundo dados divulgados pelo Ministério de Assuntos Civis da China, o número de divórcios no país caiu 72% no primeiro trimestre de 2021 em comparação com o último de 2020. Já com relação ao primeiro trimestre de 2020, a queda foi de 52%, de 612 mil divórcios no ano passado para 296 mil este ano. Conforme matéria publicada pela CNN, os divórcios vinham ocorrendo com cada vez mais frequência por causa da maior autonomia das mulheres e da perda do tabu na sociedade. No entanto, essas separações vinham preocupando as autoridades, que as relacionam com a queda na taxa de natalidade no país. Assim, entrou em vigor este ano o novo Código Civil na China: a lei prevê uma espera de um mês após o pedido de divórcio, dando tempo para o casal desistir da medida antes que seja concretizada, o que pode estar relacionado com a recente queda em separações.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Para ler com um café: recentemente, mostramos aqui um texto do Chinese Storytellers sobre o papel fundamental dos assistentes locais para imprensa estrangeira na China. Agora recomendamos essa reflexão: afinal, o que é escrever sobre “temas domésticos”?
Cabiam dois na porta: já pensou em passar uma noite no Titanic? Por 2000 yuan, cerca de 1700 reais, você pode. Essa é a promessa do Romandinsea, parque de diversões na província de Sichuan que está construindo uma réplica em tamanho real do navio famoso por seu naufrágio e cultuado na China.
O sertanejo é pop (e tem um pé na China): esse fio do Marcos Queiroz conta a história incrível e inesperada de como a famosa dupla sertaneja Milionário e José Rico fez sucesso na China nos anos 80. E hoje em dia, tem essa canção de Bruno e Marrone sobre falar “eu te amo” em mandarim.
Luto: morreu Yuan Longping, considerado um herói no combate à fome na China e no mundo. Yuan desenvolveu o arroz híbrido em 1970, variedade altamente produtiva, capaz de alimentar mais 70 milhões de pessoas por ano — um tema que ele adorava falar sobre. Yuan faleceu em Changsha aos 91 anos.
Podcast: queridinha da Shūmiàn, a plataforma NüVoices conversou com Sophie Beach, editora executiva do China Digital Times (CDT), sobre censura e resistência na China. Beach fala sobre as origens do CDT, mudanças no país desde 1989 e algumas táticas utilizadas por netizens chineses para burlar o pente fino do Estado.
Stickers do WeChat, uma arte pouco estudada: o pessoal da Chaoyang Trap comenta o papel sociocultural dos stickers em uma das maiores redes sociais da China e a indústria pos trás dos gatinhos fofinhos (ou maldosos) que mandamos em conversas online.
Leitura: a publicação SFRA incluiu na sua última edição uma tradução do mandarim para o inglês de uma noveleta chinesa de cyberpunk escrita por Tang Fei, chamada 1761. Ela conta uma história de amizade com representação queer e merece a sua leitura.
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