Edição 165 – Variante delta chega a Pequim
Arrumando a casa. O governo chinês dá sinais de que vai continuar a expandir o movimento de regulação a vários setores da economia, o mais recente deles sendo o de educação privada. No último fim de semana de julho, foram anunciadas “medidas para diminuir a pressão sobre estudantes chineses”. Não estamos falando aqui de mudanças no sistema de ingresso às universidades, o gaokao (tema sobre o qual já escrevemos aqui). O que Pequim busca é resolver as queixas da população sobre a distorção gerada na educação de crianças e adolescentes por meio de cursos extracurriculares.
Na prática, o governo proibiu que empresas privadas obtenham lucro com a oferta de “tutores”, atividades pagas pelas famílias mais abastadas para que seus filhos se coloquem no mercado e na disputa pelo ingresso às universidades em condições mais competitivas. A China viu esse setor crescer muito nos últimos anos por meio de companhias como a New Oriental Education e a Technology and Scholar Education Group, por exemplo, que agora se veem ameaçadas de falência. A regulação ainda proíbe esses grupos educacionais de receberem investimentos estrangeiros. Se você quiser ler mais sobre o movimento regulatório na China, recomendamos esse fio do China Digital. Também vale passar um cafezinho para ler este texto do Tech Crunch sobre para quem esse movimento regulatório será bom. A aposta, é claro, é em favor dos alinhados com o PCCh. Uma reflexão interessante veio no Twitter da pesquisadora Yuen Yuen Ang, que acredita que seja mais um movimento contra a corrupção da campanha de Xi.
E por falar em baratear a educação, este movimento pode estar ligado à tentativa do governo chinês de estimular que famílias tenham cada vez mais filhos. Os custos educacionais foram um dos principais pontos apontados como dificuldade assim que Pequim anunciou a flexibilização da política de natalidade, permitindo o terceiro filho. Em julho, o governo central divulgou medidas de estímulo depois de perceber a fria adesão à nova política, anunciada no mês anterior.
Segundo a Caixin, entre as medidas está prevista a dedução de impostos com despesas para cuidados de crianças menores de 3 anos. Além disso, governos locais poderão facilitar outras medidas, como aluguéis de apartamentos públicos para famílias com mais de um filho. Um exemplo dessas medidas locais foi o anúncio da cidade de Panzhihua, na província de Sichuan, no sudoeste da China. A administração da cidade de 1,2 milhão de habitantes (pequena para o padrão chinês) vai conceder um subsídio de 500 renminbi (cerca de R$ 400) para cada criança.
Limites para as tecnologias de reconhecimento facial. A Suprema Corte Popular da China estabeleceu, na quarta-feira (28), algumas regras para o uso dessas ferramentas. Entre outras medidas, a decisão proíbe que aplicativos só possam ser acessados via reconhecimento facial — alternativas devem ser apresentadas —, e determina que apresentem um termo de consentimento específico para os usuários. Muitas lojas, shoppings e condomínios fazem a coleta desse tipo de dado sem autorização expressa dos afetados, segundo a Caixin, e muitos chineses já sofreram golpes após mau uso e armazenamento. Além da decisão recente da Suprema Corte, em abril, autoridades do governo também apresentaram um projeto de marco regulatório para a questão, o que ainda não foi aprovado. Os dilemas gerados pelo uso das tecnologias de reconhecimento facial são um tema comum por aqui. Fizemos um fio no Twitter com várias de nossas edições passadas que abordaram a questão.
Previsão de várias nuvens: falando em um mundo de transformação digital, a computação em nuvem é um mercado garantido. O setor cresceu de maneira significativa na China, 56% desde o ano passado e com previsões de gerar 150 milhões de dólares por ano lá até 2025. Assim, não é inesperado que as gigantes de tech chinesas estejam disputando fatias desse céu aberto, com Huawei, Tencent e Alibaba na frente. O ThinkChina traduziu do mandarim duas matérias da Caixin que fazem um mergulho nessa briga, começando pela Huawei Cloud (que lidera atualmente) e em seguida Alibaba Cloud e Tencent correndo atrás. E spoiler: elas não pretendem atuar só no mercado chinês.
Renminbi é pop. A moeda chinesa tem gerado interesse no mundo todo: 30% dos bancos centrais dizem que pretendem aumentar suas reservas da unidade monetária entre um e dois anos, o que a tornaria uma das mais influentes no sistema financeiro global, segundo a Reuters. O dado vem do relatório “Global Public Investor 2021” do think tank Official Monetary and Financial Institutions Forum (OMFIF, da sigla em inglês), que também evidencia que os países africanos são os mais interessados em aumentar suas reservas de renminbi. A pesquisa mostra que esse crescimento é acompanhado por uma diminuição das reservas em euro e em dólar estadunidense. Matéria do Asia Times contrasta essa maior aceitação da moeda chinesa com uma rejeição crescente da moeda dos EUA desde o governo Trump e cogita que o renminbi possa tornar-se a terceira moeda mais usada globalmente até o fim da década. Aproveitando, indicamos aqui um texto do SupChina sobre o assunto traduzido para o português pelo Observa China.
Haja óleo. Na última sexta-feira (30), Leon Tong Ying-Kit tornou-se o primeiro condenado pela nova lei de segurança nacional de Hong Kong. Ele se destacou nas manifestações de 2020 ao pilotar uma motocicleta portando uma bandeira preta com o slogan “Liberte Hong Kong, a revolução do nosso tempo”. Condenado por incitação à secessão e terrorismo, Tong Ying-Kit deve passar nove anos na prisão, conforme notícia do El País, e deve perder sua licença de moto por dez anos, como pode ser lido nesta thread de um repórter local, que esmiúça a sentença.
No mesmo dia foi declarada a abertura de uma investigação contra insultos ao hino nacional. Segundo a BBC, o público que assistia à cerimônia de entrega da medalha de ouro para o esgrimista Cheung Ka-Long encobriu o áudio do hino nacional chinês com gritos de “Nós somos Hong Kong”. Para reforçar a mensagem de que, sim, música também é política, o órgão local responsável pelo combate à corrupção prendeu neste domingo (01) o cantor Anthony Wong Yiu-ming e o político Au Nok-hin. A acusação se deu pela apresentação do artista em um comício do político em 2018.
Nesta semana, também saiu o julgamento de sete dos cerca de 100 homens que atacaram passageiros em uma estação de metrô durante as manifestações de 2019. Os condenados ficarão presos entre 3,5 e 7 anos — mas, como indicado em análise de Nicolle Liu para o Financial Times, o desfecho está longe de apaziguar as partes envolvidas. O “ataque de Yuen Long” é um episódio marcante na história política de Hong Kong pela sua violência e pela inação da polícia diante de uma agressão que visava intimidar manifestantes e coagir a opinião pública a não mais apoiá-los.
Hora de tentar consertar a relação? Na semana passada, contamos da visita de Wendy Sherman, a vice-secretária de Estado dos EUA, a Tianjin. Ela falou para a NPR sobre a viagem, a complexa relação entre os dois países e a construção de alianças para pressionar Pequim. Na reunião, o vice-cônsul chinês teria dito que a deterioração das relações vem do fato de alguns estadunidenses tratarem a China como um inimigo imaginário, segundo a CNN. Os resultados do encontro acabaram sendo pouco sólidos, mas analistas consideraram importante a reabertura desse diálogo bilateral, conforme explica Brian Wong.
Dois dias depois, o Ministério das Relações Exteriores chinês confirmou o novo embaixador do país para os Estados Unidos. O cargo foi para Qin Gang, que aos 55 anos (e com 33 de serviço diplomático) substitui Cui Tiankai, que era embaixador há oito anos. Uma série de perfis de Qin foram publicados na mídia estrangeira e chinesa, e todos destacam a proximidade dele com Xi Jinping. O diplomata também já foi porta-voz do Ministério e tem um certo ar de celebridade nacionalista pelos seus comentários. Apesar da experiência diplomática, Qin é novato em questões ligadas aos EUA, o que gerou certa especulação sobre a sua indicação (conforme conta o SupChina em um bom perfil). Antes de sair da China, Qin aparentemente se encontrou com uma série de empresários dos EUA, incluindo representantes da Johnson&Johnson, da Disney e dos estúdios da Universal. Enquanto isso, o cargo de embaixador dos EUA na China segue vazio desde outubro.
O Ministério das Relações Exteriores da China trabalha tanto que parece regime 996. A cadeira em que Wendy Sherman sentou nem esfriou e já estava ocupada de novo, mas dessa vez por uma figura mais controversa: Abdul Baradar, representando a liderança do Talibã. O encontro da delegação talibã com Wang Yi foi realizado na quarta (28), e o principal tema da discussão foi a retirada das forças militares dos EUA do Afeganistão. Também entrou na pauta o enfrentamento ao Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM, na sigla em inglês), um grupo extremista uigur. Como já apareceu aqui, a participação chinesa nessa movimentação ainda está para ser definida, mas é um sinal importante de preocupação com a estabilidade local.
O governo do Afeganistão divulgou em uma breve nota oficial estar ciente das tratativas, além de ter afirmado que espera que a China possa ter um papel construtivo na paz e consenso regional.
Também teve fórum (27) com 13 embaixadores latino-americanos e caribenhos discutindo cooperação com a China, focando na Iniciativa Cinturão e Rota.
Falando em visitas, o pessoal do Lowy Institute parou para contar quantos líderes mundiais visitam Pequim em comparação com Washington. Desde 2013, a China é um destino mais atraente — a comparação vai até 2019, antes da pandemia, quando 79 lideranças foram até a China e apenas 27 até os EUA. A mudança também se deu em representação regional, com aumento significativo de viagens oficiais à China por parte de líderes asiáticos a partir da década de 2000 e de africanos na década de 2010. Outro destaque curioso é que, nos últimos anos, o país recebeu mais visitas de vários aliados dos EUA do que os próprios estadunidenses. Considerando a expansão da presença chinesa na economia mundial e os investimentos de Xi em diplomacia (como o próprio Lowy aponta para esta análise do Merics), isso não é inesperado. Vale conferir.
Nada de leis estrangeiras serem cumpridas em solo chinês. Pois é, a Lei Antissanções, sobre a qual já falamos aqui, deve ser estendida para Hong Kong e Macau e pode trazer impactos ainda mais severos no comércio e nas finanças internacionais. Conforme reporta o South China Morning Post, o Congresso Nacional Popular deve discutir em sua próxima reunião, no final de agosto, a possibilidade de incluir nas Leis Básicas de Hong Kong e Macau mecanismos que visam retaliar sanções internacionais contra a China. Segundo texto do Asia Times, a medida, que já existe na China continental, parece ser uma reação à última reunião com a representante dos EUA Wendy Sherman. Vale lembrar que, se a medida for aprovada, empresas de alcance global teriam de escolher se respeitam os termos oferecidos pelos mercados estadunidenses e europeus, abrindo mão do mercado chinês, ou vice-versa. Segundo análise do Asia Nikkei, o impacto seria substancial em Hong Kong, que é um hub para diversos bancos internacionais que operam na Ásia.
O Chile e a eficácia da CoronaVac em xeque. Já falamos sobre o quanto países do sul global ficaram dependentes das vacinas chinesas. O Chile é um exemplo sul-americano em que o governo se antecipou em firmar parceria com a China. Hoje 60% da população está vacinada, sendo a maioria com a CoronaVac. Este texto do South China Morning Post faz uma reflexão sobre se a queda no número de novos casos no país latino-americano é resultado apenas da vacinação ampla ou da combinação de outros fatores, como medidas de restrição de circulação. Há ainda o debate sobre a chegada da variante Delta ao país e se o resultado de relativo sucesso será mantido. Sobre este ponto, o Sixth Tone volta a discutir a necessidade da aplicação de uma terceira dose da CoronaVac, com base em um estudo feito por cientistas chineses.
A China vive seu pior surto de coronavírus desde janeiro. Falamos há algumas edições sobre o alerta gerado com a chegada da variante Delta em solo chinês. Da última semana para cá, o país teve mais de 320 novos casos em 18 províncias apenas no mês de julho — isso segundo o Global Times, mídia alinhada ao discurso estatal, mas que agora parece ter adotado um tom mais alarmista, falando em pior momento desde Wuhan. Pela primeira vez em quase seis meses, a capital Pequim também viu novos pacientes de Covid-19. O surto mais recente teve início no leste do país, em Nanjing, em Jiangsu. De lá, os casos passaram a se espalhar pouco a pouco, e um dos mais recentes epicentros detectados foi na cidade turística de Zhangjiajie, na província de Hunan. As autoridades alegam que esses casos teriam sido importados da Rússia.
A China continua com fronteiras fechadas e os poucos casos de entrada autorizada no país exigem uma rigorosa quarentena de 21 dias. Mesmo com a vacinação em alta — e com autoridades dizendo que a imunização é suficiente —, o governo tem se mostrado receoso. Ainda que viagens não estejam proibidas em locais de baixo e médio risco, o governo recomendou que apenas deslocamentos emergenciais sejam realizados e as autoridades regionais passaram a exigir a realização de testes e lockdowns nos locais mais afetados.
Não bastassem as destruições pelas enchentes, a província de Henan também se vê afetada por casos de Covid-19. Seguimos acompanhando e torcendo por dias melhores para a população. Na edição passada, destacamos as destruições causadas pelas chuvas torrenciais na China, que causaram mortes e desaparecimentos, além de milhares de pessoas desabrigadas. Uma das principais atingidas foi Zhengzhou, capital da província. Agora, depois de mais de 300 mortes pelas chuvas, foram reportados 32 novos casos no último sábado (31), segundo o South China Morning Post. As autoridades intensificaram as testagens em massa e 14 milhões de pessoas devem passar por checagem.
Ainda sobre as enchentes, já falamos que a cobertura da imprensa internacional foi marcada por ameaças de locais. Por outro lado, houve críticas nas redes sociais chinesas à atuação governamental e à forma como as destruições foram retratadas em homenagens. O China Digital Times fez um texto interessante sobre como diretivas tentaram fazer da tragédia uma propaganda das ações governamentais. Também teve um cartum que apresenta uma tigela de uma sopa típica de Henan em meio aos afetados pelas inundações, gerando reações no Weibo: “eles são seres humanos, não pratos de sopa”.
Ah, o espírito olímpico… Não foi só no Brasil que surgiram volumosos questionamentos de decisões controversas da arbitragem na Olimpíada de Tóquio. Nas redes sociais chinesas, a primeira semana do evento esportivo foi palco de diversas polêmicas. Vista grossa a descumprimento de protocolos sanitários por parte dos adversários no tênis de mesa e a falta de clareza dos critérios na ginástica artística serviram de combustível para a rivalidade com o Japão, adversário direto nessas modalidades, conforme relatam o Sixth Tone e o What’s On Weibo. Com direito a vários memes, obviamente. A pegada nacionalista da competição sobrou para a atleta chinesa Wang Luyao, que não conseguiu se classificar para a final do tiro com pistola de ar: Wang foi duramente criticada online por sua postura após a derrota, levando à suspensão de diversas contas no Weibo, segundo o The Independent.
No lado mais esportivo dos jogos olímpicos, a nadadora Zhang Yufei foi destaque por ter conquistado o ouro nos 200m borboleta e no revezamento 4x200m livre no mesmo dia, com direito a quebra de recorde mundial. No mundo todo (exceto nos EUA), a China lidera o quadro de medalhas com 29 ouros.
Fã de skate desde criancinha. O Brasil vibrou com a jornada de Rayssa Leal até a Olimpíada, mas não somos os únicos. Esta matéria da Sixth Tone conta a história do time chinês feminino de skate que competiu em Tóquio, desde a busca por atletas e formação da equipe, até o investimento governamental pesado em centros de treinamento. Como lidar com o espírito rebelde associado ao stakeboarding frente à disciplina exigida para os treinamentos no estilo adotado por Pequim? Nem todas as skatistas se deram bem com a metodologia. Acompanhe essa leitura com o texto da Radii sobre como a urbanização e abertura chinesa na década de 2000 foram o início de uma cultura de vídeos virais e manobras radicais de skate pelas ruas das grandes cidades.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
O ABC do Pinduoduo: a jornalista Lillian Li escreveu na sua newsletter quase tudo o que você precisa saber para entender mais sobre uma empresa chinesa que bombou em 2021, o e-commerce Pinduoduo.
Indústria e proteção climática combinam? Parece ousado, mas vale a leitura deste texto do Macropolo sobre como o desenvolvimento de tecnologias pensando em clima pode se beneficiar de políticas industriais. E a China é citada como exemplo.
Não, eles não estão te ouvindo: o The Wall Street Journal fez um experimento e chamou cientistas para explicar como o algoritmo do TikTok te conhece tão bem. Vale a pena ver o vídeo.
Podcast: o Asian Peace Talks conversou com George Yeo, ex-ministro das relações exteriores de Singapura, a respeito das percepções dos EUA sobre a China, tentando separar fatos de mitos e preconceitos. Vale dar uma conferida.
Eu quero uma casa no campo: após anos de êxodo rural, o governo chinês passou a criar estímulos para que jovens voltem para o campo. Espontaneamente, alguns passaram a acreditar no sonho idílico de uma vida mais tranquila longe das megalópoles. Mas isso veio para ficar? O Sixth Tone traz um texto com histórias saborosas sobre o tema.
Música: adoramos a recomendação da Radii da “Música de abertura” (é o nome mesmo: 开场曲) do álbum da banda de Wuhan ROMO, de post-punk.
Pesquisa: a professora Ana Qiao, diretora da parte chinesa da Sala de Aula de Confúcio da UFF, lançou formulários para mapear pesquisadores(as) e instituições do Brasil que estudam China.