Edição 166 – Discutindo o futuro da China na praia
Vai ter praia? Agosto começou e, para quem acompanha a política chinesa, é conhecido como o mês em que “secretamente” a cúpula do PCCh troca Pequim pelo balneário de Beidaihe, na vizinha Hebei. A expectativa é de que o principal tema de debate nas reuniões informais no local seja o 20° Congresso Nacional do Partido, marcado para 2022, que determina a troca de lideranças do país. Como de costume, nada foi anunciado oficialmente e repórteres se apegam a pistas como a ausência de novidades sobre Xi Jinping na imprensa estatal e a suspensão das entrevistas coletivas diárias do Ministério das Relações Exteriores entre 2 e 13 de agosto. Os debates políticos deste ano importam sobretudo porque o mandato atual de Xi termina no ano que vem e, embora tudo indique que ele deva continuar, há muitas discussões a serem postas sobre o tema. O Asia Nikkei publicou uma reflexão sobre a colônia de férias do PCCh e sobre a incerteza em relação à presença de Xi.
Ainda que Xi Jinping se aposente ano que vem, seu discurso da cerimônia dos 100 anos do Partido deve guiar o próximo centenário. Pelo menos é o que disse Wang Huning (membro do Comitê Permanente do Politburo) em um seminário dedicado a estudar o que Xi disse, de modo a unificar as ideologias, segundo o People’s Daily. Outro destaque da fala de Wang foi garantir a política “quatro-quatro-dois” (增强 ‘四个意识’ 坚定 ‘四个自信’ 做到 ‘两个维护’), como explica o china policy. O termo diz respeito a fortalecer as quatro consciências (integridade política, pensar de forma ampla, defender a liderança central, alinhar-se ao Partido); aderir às quatro confianças (no caminho, nas teorias do Partido, no sistema de socialismo com características chinesas e na cultura única chinesa); e difundir as duas garantias (a posição central de Xi e a liderança unificada do Comitê Central do Partido).
Game over? O clima esfriou na China, país com o maior mercado de jogos para dispositivos móveis e computadores, com um total de 661 milhões de usuários. Na terça-feira (3), as ações das duas principais empresas do setor, NetEase e Tencent, despencaram na bolsa de Hong Kong. Como conta a BBC, o motivo foi um artigo publicado num jornal vinculado à agência estatal Xinhua pedindo mais regulação e reclamando de vício (chamou até de “ópio espiritual”) entre a juventude chinesa e citando um dos maiores sucessos atuais, Honor of Kings. A Tencent, dona do jogo, respondeu rápido, dizendo que vai impor medidas para reduzir o tempo e o dinheiro gasto por menores de idade em suas plataformas.
Em uma reviravolta, o texto foi deletado do site e das redes sociais oficiais (depois ressurgindo sem o “ópio espiritual”). Segundo o South China Morning Post, é possível que seja pelo seu não alinhamento com a posição oficial do governo. Outro artigo no veículo Security Times reclamou dos incentivos fiscais que a indústria recebe. O setor teve regulações em 2018 e 2019, mas Pequim removeu em 2015 uma proibição de 2000 sobre a venda de consoles.
A publicação veio num momento chave, em que Pequim avança na regulação de vários setores, como escreveu Isabela Nogueira para a Valor, e como temos contado por aqui. O SupChina fez uma síntese dos principais casos e do que pode vir por aí. As autoridades chinesas prometeram ser um pouco mais previsíveis, como conta a Caixin. Enquanto isso, investidores estão caçando dicas do que esperar em textos e discursos oficiais do Xi Jinping.
Por falar em crackdown…. Semana passada falamos aqui sobre o fechamento do cerco no setor educacional. Voltamos ao tema agora com a escolha de Huai Jinpeng como novo ministro da Educação da China. O anúncio foi feito na semana passada. Aos 58 anos, o cientista da computação assume o cargo depois de ter sido chefe do partido na Associação Chinesa para Ciência e Tecnologia. De acordo com o South China Morning Post, o novo mandatário assume a pasta com o desafio de dar suporte e reter talentos na área de tecnologia, alinhado às ambições de Pequim para os próximos anos. Ao mesmo tempo, a Byte Dance — detentora do Tik Tok — tirou o pé do acelerador em investimentos no setor educacional já atenta a possíveis perdas que vêm pela frente, conforme texto do Sixth Tone.
Vamos fugir deste lugar, baby. Pouco depois do fechamento do Apple Daily, Hong Kong vê a decisão do veículo digital Initium de deixar a antiga colônia britânica em busca de novos ares. Segundo anúncio feito na semana passada, o jornal vai se mudar para Cingapura. De acordo com o Hong Kong Free Press, este é o primeiro movimento de emigração feito por um veículo de mídia desde que entrou em vigor a Lei de Segurança Nacional. Em comunicado, Susie Wu, editora executiva do Initium, afirmou que o veículo “continuaria a apresentar o pulso dos tempos atuais na China continental, Hong Kong e Taiwan em nosso conteúdo aprofundado”. Fundado em 2015, o site é focado em reportagens aprofundadas sobre a China.
Esses trem de investimento. Já comentamos aqui sobre a iniciativa China Local/Global do think tank Carnegie, que congrega pesquisadores de diversas regiões para falar sobre a atuação chinesa pelo mundo. A última publicação, recém saída do forno, é sobre investimentos chineses em ferrovias brasileiras, de autoria de Adriana Abdenur, Maiara Folly (ambas da Plataforma Cipó) e Maurício Santoro (UERJ). A análise foca no projeto da ferrovia Ferrogrão, voltado para o escoamento de produção que liga parte da Amazônia e do Cerrado. Envolta em questões de sustentabilidade e passando por diversas regiões com população indígena e quilombola, a Ferrogrão ainda está em desenvolvimento. É um projeto de logística complexo, sob grande escrutínio público. De modo geral, a conclusão do artigo reflete sobre a diversificação de investimentos chineses e a sua expansão nos últimos anos no Brasil, sob a lógica dos aprendizados do lado brasileiro e chinês. Vale passar aquele cafezinho para a leitura.
Falando em investimentos chineses no Brasil, um novo relatório do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), sob autoria de Tulio Cariello, traz o mais completo levantamento do que vem acontecendo nesse âmbito desde 2007 até 2020. O webinário de lançamento discutiu os principais resultados da publicação, que também cobre histórico e tendências, por setor e regionais. As conclusões mostram que o setor de eletricidade foi o principal foco (vale recordar a pesquisa de Pedro Henrique Barbosa sobre o tema), atraindo 48% do valor dos investimentos, seguido por serviços e indústria de manufatura. O agro não é tão pop? Embora tenha totalizado apenas 3% dos investimentos no período analisado, o setor teve 50% de participação nas exportações para a China (em 2020).
O Brasil recebeu 47% dos investimentos da China no continente sul-americano, com um estoque de 66,1 bilhões de dólares. Com a pandemia, a redução de investimentos foi grande (74%), totalizando US$1,9 bilhão. Vale ouvir o nosso podcast sobre o tema para acompanhar a leitura, tomando a segunda xícara de café do dia.
Perdeu o prazo: a China não atualizou as suas metas de emissão de carbono, como pediam os Acordos de Paris. A data era 30 de julho, e a Índia também não deu as caras. Vale resgatar o artigo de Bruno Gastal para o nosso site sobre as metas para a neutralidade em carbono prometidas pela China para 2060. Também deixamos a dica do podcast da Oficina Global sobre mudanças climáticas. Aproveita e já emenda nesse aqui sobre como investidores chineses podem reduzir o impacto socioambiental das commodities.
Se um aperta, o outro afrouxa. Foi isso que cidadãos honcongueses viram na semana passada, com a entrada em vigor, em 1º de agosto, de uma determinação legal (aprovada em abril deste ano) que pode abrir margem para abusos por parte dos oficiais de imigração de Hong Kong. A região passa por um “êxodo” desde 2020, com a nova lei de segurança nacional. A determinação sobre imigração aumenta a suspeita de que, com maior poder no controle de saídas e entradas, seu uso será político. O argumento para a mudança é melhorar e acelerar os pedidos de refúgio na cidade.
Em meio às tensões migratórias, Joe Biden não perdeu a oportunidade de dar uma resposta e, na semana passada, o governo dos Estados Unidos ofereceu prorrogação na deportação de cidadãos honcongueses. Assim, qualquer um que estiver na lista de obrigação de sair do país ganhou uma permissão de estadia de mais 18 meses em solo estadunidense. O governo dos EUA alega questões de política externa para justificar a medida. Na nota em que a decisão foi anunciada, Biden afirmou que “No último ano, o PCCh deu sequência à retirada de autonomia de Hong Kong, enfraquecendo os processos e instituições democráticas remanescentes, impondo limites à liberdade acadêmica e à liberdade de imprensa”.
Guerra por Taiwan? O governo chinês condenou duramente a mais recente venda de armas para Taipei aprovada pela Casa Branca, no valor de até US$ 750 mi, dizendo que vai tomar as medidas necessárias em resposta. A troca de farpas ocorre num momento cheio de exageros e alarmismo: a The Economist rotulou o estreito de Taiwan como “o lugar mais perigoso na Terra” (motivo de chacota para usuários do Twitter) e oficiais militares dos EUA acreditam que Pequim pode tentar reunificar a ilha à força já nos próximos seis anos. Nesse contexto, o ChinaFile perguntou a seis especialistas qual é a probabilidade de uma guerra por lá. Os motivos apresentados são variados, mas as respostas em geral acham pouco provável um conflito armado no curto e médio prazos. No Brasil, José Luís Fiori publicou um texto falando sobre o tema e argumentando que Taiwan é central para os rumos da ordem internacional. Vamos ficar de olho.
Falando em relações interestreito, não deixe de ler a reportagem de Sarah Topol com belas fotos de An Rong Xu na The New York Times Magazine sobre os laços de solidariedade (às vezes nem tanto) entre Taipei e Hong Kong e as dúvidas sobre o futuro com relação à China continental.
Colhendo os frutos. Após ser um dos carros-chefe da CoronaVac, o Chile agora deve receber investimentos Sinovac, a fabricante do imunizante. Segundo comunicado divulgado na quarta-feira (4), a farmacêutica pretende construir uma fábrica para envasamento de vacinas em Santiago e um centro de pesquisa e desenvolvimento na região de Antofagasta (ao norte, próximo ao deserto do Atacama). Isso soma um investimento total de 60 milhões de dólares (cerca de R$ 310 mi) no país sul-americano. A expectativa é que a fábrica já comece a operar em 2022, com uma capacidade de produzir 60 milhões de doses anuais da CoronaVac, entre outras vacinas, conforme o MercoPress. A notícia foi comemorada no Chile, que há 18 anos não tem produção nacional de imunizantes.
Como fica o #metoo no caso Kris Wu? Quem acompanha casos de escândalo sexual na China, sobretudo os iniciados pelo movimento #metoo, ficaram surpresos com a velocidade com que autoridades em Pequim tomaram medidas contra o ídolo pop sino-canadense. Duas semanas depois, algumas pistas começam a aparecer, como este texto do South China Morning Post, que liga os desdobramentos a uma tentativa do governo de regular o setor de agentes de superestrelas. Na mesma linha, em entrevista ao SupChina, a ativista feminista chinesa Lǚ Pín 吕频 se queixa de o movimento liderado por mulheres não merecer o devido crédito nesses casos. Ela também demonstrou estranhamento com as medidas tomadas, como bloqueio de contas no Weibo de apoiadores de Wu. Uma análise sobre a importância da pressão nas mídias sociais no caso do cantor pode ser lida nesta newsletter do Protocol.
Infelizmente, assédios não são exclusividade do meio artístico e recentemente o Alibaba se viu envolvido em um caso. Este fio conta um pouco sobre como a denúncia se deu. Após o episódio ter sido inicialmente ignorado, a empresa demitiu o gerente acusado de estupro e puniu outros executivos.
Mais mulheres no mercado de trabalho? Em meio às dificuldades para manter a taxa de crescimento populacional, o governo chinês parece estar lançando mão de algumas medidas para apoiar as trabalhadoras. Esta reportagem do Sixth Tone mostra um debate ainda bastante inicial sobre a autoridade fiscal da China estar estudando dar incentivos fiscais para empresas que tiverem mais mulheres contratadas. Já sobre incentivos mais direcionados à taxa de natalidade, além dos que comentamos aqui, Pequim avalia estender a licença de mães e pais que tiverem o terceiro filho.
Filhas da mãe sim! Uma pesquisa do sociólogo Xu Qi, da Universidade de Nanjing, mostra que vem crescendo na China o registro de crianças com o sobrenome da mãe, ao menos em cidades mais prósperas. Tradicionalmente, apenas o pai dá o sobrenome à criança — para aqueles apenas com filhas significa ver o nome familiar desaparecer na geração seguinte. No campo, isso às vezes gera herança apenas para os filhos, como já falamos por aqui. A pesquisa de Xu indica que o motivo para as novas práticas — de usar apenas o sobrenome da mãe ou dos dois progenitores — é difícil de explicar. Ao mesmo tempo em que pode indicar progresso, na forma de mais igualdade dentro do lar, também pode ser um reflexo da manutenção de valores familiares: filhas únicas de famílias importantes podem manter a linhagem viva ao dar seu sobrenome aos herdeiros. Vale a pena ler mais detalhes no artigo do pesquisador para a Sixth Tone.
Que venha o frio de Pequim. Chegou ao fim a Olimpíada de Tóquio, e a China leva para a casa muitas medalhas no total, sendo 38 de ouro, 32 de prata e 18 de bronze — o segundo país com mais medalhas de ouro. Aliados ao governo chinês tentam usar o feito para chamar atenção para os Jogos de Inverno de Pequim em 2022, ameaçados de boicote diante de denúncias de descumprimento de direitos humanos em Xinjiang. O jornal Global Times é um exemplo desse otimismo e celebrou em seu editorial do último sábado (8) o sucesso e o esforço dos atletas. Com ar nacionalista, o tabloide também destacou o papel do público em apoiar seus atletas.
Foi Mao! Mas como comentamos aqui e aqui, os jogos também despertaram sentimentos menos nobres entre as nações — e não foi só com o seu rival histórico, o Japão, que houve atritos. Além de problemas com a mídia estadunidense e britânica por conta de questões como Hong Kong, Taiwan e Xinjiang, a China despertou consternação coletiva após dois atletas subirem ao pódio usando um broche com a efígie de Mao. Mesmo em casa, a comissão chinesa encontrou críticas A imprensa estatal local foi alvo de críticas após, de forma preconceituosa, questionar uma atleta sobre sua forma física e feminilidade, despertando a simpatia de muitos netizens pela atleta Gong Lijiao. Por outro lado, alguns espectadores usaram a internet para demonstrar suas insatisfações com medalhas de prata.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Rompendo padrões: para o mundo ocidental, assistir a uma ópera de Pequim é uma disruptura de sons, padrões e escala musical. Os chineses também são criativos na arquitetura de óperas, como mostra esta lista que traz as cinco casas de ópera “mais bizarras” do país. Será que são mesmo?
Um balde de frango, por favor: você já imaginou um fast food como o KFC (肯德基 Kěndéjī) ser um grande sucesso na China? Pois é isso que este texto do Radii conta. A paixão nacional passa por memórias de infância e pela popularidade de um drama coreano, levando a uma hashtag com 19 bilhões de visualizações.
Juventude é a cor mais quente: há quem compare as fases da vida a estações do ano. A juventude seria o verão, quente e vívido. Este ensaio do Neocha traz belos retratos sobre as cores que representam a juventude chinesa.
E os Brics? Em sua segunda década de existência, os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não escapam do debate sobre o futuro do multilateralismo. Vale passar um cafezinho (ou uma água quente, como recomendam os chineses) para ler este artigo sobre o tema de Karin Costa Vazquez.
Fotografia: vamos a la playa? Os registros da fotógrafa Sim Chi Yin sobre a cultura de veraneio nas praias e piscinas na China estão imperdíveis.
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