Edição 169 – Suprema Corte proíbe modelo de trabalho 996
O fim de uma jornada estressante? Já perdemos a conta de quantas vezes falamos aqui sobre jornadas excessivas de trabalho na China, mais conhecidas como 996 — trabalho das 9h às 21h, seis vezes por semana. Uma publicação da Suprema Corte, na quinta (26), declarou esse regime de trabalho ilegal. A medida impacta um grande leque de atividades — de pessoas com altos salários em empresas de tecnologia às em posições mais vulneráveis, como entregadores de comida e motoristas de aplicativos.
Dentre as novas medidas, destacamos: (1) empresas e trabalhadores devem assinar um contrato com claro estabelecimento de uma relação trabalhista, (2) eliminação de qualquer descriminação baseada em gênero, etnia ou idade, (3) garantia de pelo menos um salário mínimo local, (4) inspeção de algoritmos e regras de plataformas de entrega para proteger a comissão de entregadores, dentre outras. Você pode ler a tradução dessa decisão da Suprema Corte e as demais medidas adotadas na newsletter Pekingnology de Zhichen Wang.
Quem falou em Robin Hood? Depois de uma declaração de Xi Jinping sobre “prosperidade comum”, como falamos aqui, analistas se apressaram em tentar interpretar o termo. Estaria a China deixando a economia de mercado? Parece que não é bem isso. Como essa expressão deu o que falar, o PCCh aproveitou a divulgação de um documento — sobre as contribuições e missões do Partido — para voltar ao tema na quinta (26). Han Wenxiu, do comitê central para assuntos financeiros e econômicos, afirmou em entrevista coletiva que “prosperidade comum” foi mal interpretada pela imprensa ocidental e que isso não quer dizer simplesmente redistribuição de riquezas, nem “tirar dos ricos para dar aos pobres”.
A mídia não ocidental também deu seus pitacos. A agência estatal de notícias Xinhua publicou um comentário com “uma visão correta sobre prosperidade comum”. Já a Caixin trouxe este texto opinativo de Hong Hao sob o título de “O que investidores estrangeiros não entenderam sobre a meta de “prosperidade comum”? Na Folha, a colunista Tatiana Prazeres vai além e discute o tema sob a ótica de a China estar testando os limites do capitalismo.
Talvez prevendo as investigações sobre evasão fiscal, bilionários chineses se tornaram mais adeptos à caridade. A tendência cresceu no último ano, como conta a Bloomberg. Anúncios recentes de doações das empresas de tech, como Pinduoduo e Tencent, chamaram atenção. O The Guardian publicou um bom texto (com um ótimo título), de autoria de Vincent Ni, sobre a regulação e como os super-ricos da área da tecnologia estão na mira de Xi Jinping.
Sem fórmulas secretas. Na última sexta-feira (27), o órgão responsável pela administração do ciberespaço na China publicou um rascunho de uma proposta para regulação de algoritmos (aqueles mesmos que montam sua timeline nas redes sociais). Os alvos principais são, claro, empresas de redes sociais chinesas como Weibo, Wechat, Douyin (o Tik Tok chinês). A ideia, segundo o texto da lei, é padronizar recomendações geradas por algoritmos, preservar a segurança nacional, a lei e os interesses de cidadãos, pessoas jurídicas e organizações. Além de orientações gerais, o documento também traz especificidades para determinados públicos como crianças, jovens e trabalhadores de plataformas digitais.
De um modo geral, se o projeto for adiante, as empresas precisarão ser mais claras com o público em relação aos princípios básicos de funcionamento e objetivos dos algoritmos de recomendação e responder a demandas de supervisão social, inclusive mantendo um canal aberto para apelo. Além disso, o usuário deve ter a opção de interromper totalmente a curadoria feita por algoritmos.
Segundo análise da Securities Times, jornal de negócios do governo chinês, as medidas devem resolver problemas como bolhas de informação e contágio emocional. Em análise para o site Rest of World, a consultora de fundos de investimento Rui Ma indica que o conjunto recente de mudanças no setor de tecnologia busca valorizar a manufatura (ao invés da financeirização) como produtora de valor na China.
O prazo para comentários públicos no rascunho é 26 de setembro. Se você se interessa pelo assunto, pode ler aqui a proposta integralmente traduzida para o português, a partir do inglês, pelo Laboratório de Design e Inovação em Serviços Legais da UEPB.
Com a busca pela neutralidade em carbono, como ficam as companhias nacionais de petróleo da China? Tema de um artigo do pesquisador Ben Cahill para o Center for Strategic & International Studies, o assunto dá muito pano pra manga. O próximo plano quinquenal do setor ainda não foi publicado, mas as três maiores do ramo de petróleo no país — China National Petroleum Corporation (CNPC), China Petroleum & Chemical Corporation (Sinopec) e China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) — já estão traçando algumas estratégias. Um exemplo é a captura, utilização e armazenamento de carbono (técnica conhecida como CCUS em inglês) e a produção de hidrogênio, um dos assuntos do nosso último Cafezinho. Para Cahill, é possível que o governo central incentive essas empresas a investir mais em outros setores de vanguarda, como baterias e energias renováveis, ou que as direcione para expansão de seus investimentos no exterior na cadeia produtiva de hidrogênio ou outros recursos estratégicos. A pesquisadora brasileira Karin Vazquez publicou recentemente um texto no SCMP sobre o impacto econômico caso a China consiga zerar as emissões de carbono, vale a leitura.
Governo local de Pequim anuncia novas regras de aluguel na cidade — um alívio para quem busca um lugar para morar no metro quadrado mais caro da China. Quem já morou no país asiático já deve ter se acostumado com os depósitos de segurança de três meses de aluguel. Mas, em breve, isso pode se tornar coisa do passado (tomara), com o depósito reduzido para apenas um mês adiantado. E tem mais: toda propriedade deve oferecer condições básicas de moradia, como acesso a água e eletricidade. A municipalidade de Pequim vai passar a monitorar o valor dos aluguéis, com poder de restringir aumentos abusivos e evitar possíveis bolhas imobiliárias, assunto que já abordamos em edições passadas. As novas regras — 81 no total — estão em fase de apreciação popular (não foram implementadas ainda) e podem ser encontradas aqui (em mandarim).
Vietnã não quer ficar contra China. Isso ficou evidente às vésperas da chegada da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, ao país do sudeste asiático. O primeiro-ministro vietnamita, Pham Minh Chinh, afirmou que o país não firmaria qualquer aliança que tivesse como objetivo confrontar Pequim. A visita de Harris a países do Sudeste Asiático é vista como uma tentativa de aproximar o governo estadunidense de nações da região que têm forte influência chinesa. No Vietnã, Harris falou sobre a importância do fornecimento de vacinas para o país. Já em Singapura, ela mandou um recado para os chineses sobre as disputas no Mar do Sul da China ao defender a “liberdade de navegação”na região. Se você quiser uma leitura mais detalhada sobre essa viagem, o The Guardian publicou uma análise sobre os limites da estratégia dos EUA.
E por falar em EUA e China, a semana começou com nova conversa por telefone entre o ministro das relações exteriores chinês, Wang Yi, com o secretário de Estado estadunidense, Antony Blinken. O assunto foi a crise do Afeganistão, sobre a qual os dois já haviam se falado há pouco mais de uma semana. O South China Morning Post escreveu recentemente que as preocupações com o que vem acontecendo em Cabul são tema central da agenda dos militares dos dois países, que devem manter conversas.
Não foi só com os estadunidenses que os chineses conversaram. No fim da última semana, o presidente Xi Jinping fez uma ligação para o russo Vladimir Putin. Este texto do SCMP fala um pouco sobre a conversa entre os dois líderes, em que o Afeganistão foi tema central. Para quem quiser se aprofundar, recomendamos a leitura deste texto sobre como a mídia chinesa está cobrindo o tema. Neste outro texto, o autor vê como inevitável o reconhecimento do Talibã por Pequim. Por último, um enviado chinês a Cabul relata com otimismo o futuro das relações bilaterais.
Brasileiros na China pedem ajuda ao Itamaraty. Se em janeiro de 2020 quem estava em Wuhan pediu por resgate ao governo brasileiro com medo do coronavírus, agora a solicitação de ajuda é para quem quer entrar na China. Reportagem publicada pelo correspondente do O Globo, Marcelo Ninio, mostra como os brasileiros enfrentam dificuldades para entrar no país asiático. Há de tudo: quem não consiga voltar, familiares separados e mesmo gente que está há tempos em solo chinês, receoso de ir ao Brasil e não conseguir voltar para casa. Como já falamos algumas vezes, desde o primeiro semestre de 2020, a China segue com fronteiras fechadas e apenas alguns casos específicos são autorizados a entrar. Entre as queixas apresentadas por brasileiros entrevistados na matéria está a falta de objetividade de critérios para quem pode aterrissar no país. O pedido ainda não foi formalmente levado ao Ministério de Relações Exteriores do Brasil, mas o Itamaraty já está ciente do pedido, segundo a matéria.
A China está de olho. Pequim fez reclamações formais ao governo japonês após a realização de uma reunião, na última sexta-feira (27), entre membros dos partidos que governam Japão e Taiwan, o Partido Democrático Liberal (PDL) e o Partido Progressista Democrático (PPD) respectivamente. Entre os assuntos discutidos, cooperação militar, supercondutores e a China continental foram os mais relevantes — essa foi a primeira vez em que temas securitários foram tratados bilateralmente. Vale lembrar que correntes do PPD defendem a independência da ilha, o que é considerado por Pequim uma afronta à soberania e à integridade territorial da China, como assinala a análise do Asia Times sobre a reunião e sua repercussão no continente. O The Japan Times também publicou um texto que se aprofunda no que está em jogo nessa tentativa de aproximação com Taiwan para o Japão, que em julho pela primeira vez incluiu a estabilidade taiwanesa em seu livro branco de defesa.
A propósito, no sábado (28) Pequim também protestou a passagem de navios da marinha e da guarda costeira dos EUA no Estreito de Taiwan, medida considerada uma provocação por parte de Washington.
Lost in translation. Como é o mercado de traduções de clássicos estrangeiros para o mandarim? Já falamos uma vez sobre o caso do livro A Trégua, de Mario Benedetti, muito criticado no Douban por sinais de tradução automática. Uma recente discussão trazida por Jeffrey Ding da ChinAI newsletter explica os condicionantes desse mercado, que vão de pagamentos baixos para tradutores profissionais — cerca de 40 a 70 reais por 1000 palavras — à dificuldade de encontrar pessoas especializadas em determinados assuntos e bom domínio de mandarim e inglês. Nas palavras de um editor chinês, “Os tradutores que a editora se concentra em desenvolver devem ser aqueles com boa força física e muito dinheiro”, já que traduções pagam mal e não contam como publicações para acadêmicos.
Mas nem tudo está perdido: para você que valoriza o importante papel de traduções, reserve um cafezinho e leia o artigo de Siwei Wang sobre as trocas literárias (e revolucionárias) entre Brasil e China de 1952 a 1964, com destaque para Jorge Amado e Ai Qing. Está interessantíssimo.
Aproveitando o gancho: você sabia que a Shūmiàn tem um Clube do Livro? É gratuito e online. O próximo encontro é sobre O problema dos três corpos, de Liu Cixin, dia 13 de setembro. Se ainda tem dúvida sobre ler literatura chinesa, leia essa entrevista do professor Maurício Santoro (UERJ) para o Observa China sobre literatura chinesa.
É censo ou vai ser censura? O vazamento de um documento da Universidade de Shanghai causou tensão na comunidade LGBTQIA+ ao exigir que faculdades informem quem se identifica como parte dessa minoria. Conforme matéria do SupChina, o pedido é realizado sob a ordem de um censo, mas a finalidade dessa requisição ainda não está clara, o que gerou preocupação de que certos estudantes possam ser convidados para “aconselhamento”. A postagem com a informação recebeu muitos comentários sob crítica de violação de privacidade. O caso acontece menos de dois meses após o banimento do WeChat de mais de 20 grupos estudantis chineses dedicados a estudos de gênero e a apoio LGBTQIA+.
O ambiente hostil na China também transformou a atuação da BlueCity, empresa que possui os famosos aplicativos de relacionamentos gays e bissexuais Blued e o Lesdo (para lésbicas). Esta matéria do Rest of World conta como a BlueCity atuou com serviços voltados para a comunidade LGBTQIA+, incluindo prevenção de HIV. Contudo, para navegar o ambiente, decidiu se reposicionar como uma health tech (empresa de tecnologia voltada para o setor de saúde) para homens, focando agora em produtos de saúde sexual para esse público e tirando a sinalização de ser voltada para a população gay.
Enquanto fechávamos a edição de hoje, o Protocol China publicou notícia de que termos LGBTQIA+ estão bloqueados em apps da Tencent — ao buscar por esses termos, vê-se uma mensagem sobre “dizer não a informações maliciosas”.
Cancelaram as celebridades. Na edição da semana passada, falamos como a cultura em torno das celebridades estava sendo alvo de Pequim após a prisão do idol Kris Wu. A Administração de Ciberespaço da China emitiu 10 novas medidas na sexta-feira (27) pedindo a governos locais para avançarem no enfrentamento de influências negativas como idolatria e bullying em fóruns dedicados a fãs. A situação ganhou maiores proporções com a remoção de nomes em créditos e cancelamento de exibição de obras com pessoas do alto escalão do entretenimento chinês, como as atrizes Zhao Wei e Zheng Shuang. Ainda que pareça que o foco são os supersalários e a evasão fiscal, os casos chamam atenção pela multiplicidade de motivos.
Zheng Shuang, que recentemente se envolveu em outro escândalo, foi multada em 46 milhões de dólares por evasão fiscal, também na sexta-feira. Muita gente lembrou quando a famosa atriz Fan Bingbing sumiu em meio a um caso parecido. A situação de Zhao Wei (que também é empresária) ficou ainda misteriosa, com rumores de vínculos com Kris Wu e até de que ela teria fugido para a França. Outros casos também envolveram o ator Zheng Zhehan, cujas fotos de 2018 visitando o Santuário Yasukuni no Japão, controverso memorial que simboliza o militarismo japonês no século passado, motivaram boicotes.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Mulheres gordas: apesar de opressões semelhantes, ser plus-size na Ásia não é o mesmo que em muitos países do Ocidente. Você pode ler aqui a experiência de algumas modelos asiáticas no mercado da moda e ver esse ótimo vídeo da Goldthread sobre o tema na China.
Solos de guitarra vão me conquistar: hora de aumentar o volume e ouvir o rockzão das mulheres do 薄荷葉樂團 the Peppermints!
O que significa “ser chinês”? Com frequência contamos aqui histórias sobre identidade, sobretudo sob o ponto de vista da diáspora chinesa pelo mundo. O The China Story traz uma reflexão sobre o tema.
Ganbei! A China é a maior consumidora de cerveja do mundo. Levinhas, as opções por lá vão muito além da famosa Tsingtao. Essa é para ler tomando “aquele cafezinho”.
Facekini: quem se depara com facekini, sobretudo nós brasileiros, costuma se espantar com o porquê de os chineses esconderem tanto o rosto na praia. Mas, qual a origem desse acessório? Confira neste texto recheado de fotos do Neocha.
Coisa de ficção científica: essa semana a China divulgou que estuda construir uma estação espacial quilométrica. O Asia Times publicou um texto falando das principais dificuldades técnicas e políticas.
Acadêmico: a relação da China com a ONU é tema de dois textos recém publicados. Neste blog, Courtney Fung e Shing-hon Lam analisam a presença de funcionários chineses na organização. Já a participação do país em operações de paz é assunto do artigo de Renan Montenegro na Contexto Internacional.
Cinema: Começa nesta quarta-feira o festival CPFL de filmes chineses. Gratuito e online, confira!
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