Financiamento da Iniciativa Cinturão e Rota, internacionalização do renminbi e desenvolvimento financeiro da China
Por Isabelle Carvalho* & Carlos Eduardo Carvalho
A Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) é o maior projeto de política externa da China e, dentre as cinco prioridades da iniciativa, destaca-se a “integração financeira”. O comprometimento ativo da China em propagar e viabilizar a iniciativa é refletido na origem do financiamento. A maior parte vem de instituições estatais, como o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportação-Importação da China (China Eximbank), de fundos especiais, como o Fundo da Rota da Seda, e de Instituições Financeiras Multilaterais, além de instituições com forte influência da China como o Novo Banco de Desenvolvimento e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. De fato, o financiamento dos projetos da BRI representa um enorme desafio para o país, mas também abre possibilidades de avançar nos objetivos de ampliar o uso internacional do renminbi (RMB) e a atuação de seus bancos no exterior.
A internacionalização do renminbi tem sido uma das prioridades do Partido Comunista da China, em especial após a crise de 2008, e a BRI, lançada em 2013, está articulada a essa orientação. Até 2019, a China assinou acordos bilaterais de swap de moedas nacionais com 21 países da rota da BRI que incluem incentivos para o uso do renminbi, e não apenas em situações de crises cambiais. Essa internacionalização tem por objetivo diminuir a vulnerabilidade de Pequim em relação ao sistema monetário internacional existente.
A BRI tem enfrentado críticas e desconfianças. Há acusações de que seja uma ferramenta geopolítica para expansão do poderio chinês a partir de uma “diplomacia da armadilha da dívida”: atração de países pobres vulneráveis para contratos que trarão dificuldades financeiras e dívidas insustentáveis, inclusive por serem “projetos não transparentes”. Além disso, a iniciativa é criticada por financiar projetos com impactos ambientais e sociais negativos, como o caso das usinas movidas a carvão na Turquia.
Em sua defesa, a China enfatiza o discurso de que a BRI é uma iniciativa “inclusiva” e “transparente” e desenvolve iniciativas como o incentivo aos bancos comerciais internacionais e chineses e instituições financeiras dos países vinculados ao projeto a financiar atividades verdes dentro da BRI. Como resultado, notou-se o crescimento significativo de investimentos em energias renováveis.
No que diz respeito ao uso do renminbi nas trocas com os países da BRI, o Banco Central da China tem incentivado cada vez mais, por meio de medidas facilitadoras, para que empresas e instituições estrangeiras adotem a moeda chinesa como fonte de pagamento. Já no que diz respeito ao seu status de internacionalização, o uso da moeda chinesa ganhou impulso a partir de sua participação no Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês) do Fundo Monetário Internacional – servindo como opção de diversificação de reservas para alguns países -, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
O governo chinês tem escolhas importantes a fazer para avançar com a internacionalização da sua moeda. O uso do renminbi ainda está muito longe de corresponder ao peso econômico do país — especialmente se comparado à forte atuação do dólar e, até mesmo, de outras moedas que hoje são mais utilizadas do que o renminbi no sistema monetário internacional.
no longo prazo, a internacionalização da moeda chinesa poderá promover uma nova distribuição de poder da ordem monetária internacional
Ainda que no curto prazo seja precipitado afirmar que o renminbi ultrapasse o dólar, no longo prazo, a internacionalização da moeda chinesa poderá promover uma nova distribuição de poder da ordem monetária internacional, seja via uma ordem multipolar ou em uma estrutura conduzida pela liderança chinesa.
O que se verifica, portanto, é que, mesmo sendo um planejamento ambicioso e de longo prazo, a internacionalização do renminbi ainda terá grandes desafios pela frente, que irão requerer muito tato frente à sociedade internacional, e, também, reformas dentro do próprio sistema financeiro da China. A BRI, sem dúvidas, se encaixa como uma estratégia bastante útil para o governo chinês propagar a expansão do uso da moeda chinesa. Cabe analisar, portanto, os possíveis efeitos que essas iniciativas terão para o sistema financeiro internacional e se, de fato, a China conseguirá alcançar a internacionalização de sua moeda e a concretização do planejamento BRI.
*Isabelle Carvalho é Graduada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário LaSalle (UNILASALLE-RJ) e Mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP – UNICAMP – PUC-SP). Consultora de negócios Brasil-China, tendo desenvolvido projetos com grandes corporações, startups, hubs de inovação, fundos de investimentos, bancos, governos e think-tanks chineses e brasileiros. Entrevistada pelas agências de notícias da China, Xinhua e China People’s Daily. Artigos publicados pela Universidade Federal de Sergipe e Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência em Economia e em Relações Internacionais. Atua principalmente em Economia Política Internacional, Política Externa Brasileira, Política Externa Chinesa e Cooperação Brasil-China.
Este texto é fruto de uma parceria entre a Shūmiàn 书面 e o evento 5º Seminário Pesquisar a China Contemporânea, organizado pelo Grupo de Estudos Brasil China da Unicamp.