Edição 223 – Apesar de boatos de golpe, Pequim se prepara para o Congresso
Desinformação em época eleitoral. Se você é tuiteiro, não conseguiu escapar do boato infundado que chegou até o Brasil: Xi Jinping estaria sob prisão domiciliar, em um golpe militar para retirá-lo do poder. A especulação começou a circular em grande parte a partir do tweet de uma ativista ligada ao Falun Gong, no dia 23 (sexta-feira). Ela afirmava que movimentações militares no dia anterior e cancelamento de voos, que não se mostraram verdadeiros, seriam algumas das provas de que o líder chinês — que acabou de retornar de sua primeira viagem internacional — estaria em apuros. Poucos especialistas em China consideraram o rumor digno de nota e a história ficou mais concentrada na mídia indiana e no Twitter. Mesmo assim, pessoas seguiram espalhando essas afirmações, mesmo após descobrirem que era desinformação. O boato foi alimentado pela recente prisão do ex-ministro da Justiça Fu Zhenghua e pela sentença do ex-vice ministro de Segurança Pública Sun Lijun, em meio à campanha anticorrupção, bandeira da gestão Xi.
Obviamente não faltou piada e reclamação. Houve quem fizesse edição especial para dizer que não, não vai ter golpe — como o sinólogo Bill Bishop, da Sinocism. Um intrépido jornalista alemão em Pequim fez um fio jocoso que foi levado a sério por um jornal indiano. Com a chegada do Congresso Nacional em menos de um mês, boatos de golpes devem seguir aparecendo. A pauta, como esperado, não entrou na imprensa chinesa, onde o destaque dos últimos dias é a viagem de Wang Yi para a Assembleia Geral da ONU. Enquanto isso, Xi Jinping segue na lista de convidados do Congresso — embora, como lembrou Bishop, ele provavelmente não vá ser visto em público até 1º de outubro, dia nacional da RPC, já que deve estar cumprindo quarentena (como fez após visitar Hong Kong em julho). A Aline Tedeschi também comentou o boato no canal BP Money.
Mas quem vai suceder Xi Jinping afinal? A substituição muito provavelmente não acontecerá no 20º Congresso Nacional do PCCh, mas o evento vai ajudar a identificar quais membros da nova geração estão se cacifando para ocupar os cargos mais elevados do governo chinês em cinco ou dez anos. O The Japan Times publicou uma matéria comentando sobre a “geração sortuda”: políticos nascidos nos anos 1970, após o governo Mao e antes das crises de desemprego e de habitação mais contemporâneas. O texto fala sobre como pessoas deste perfil devem sair do Congresso Nacional ocupando cerca de 10% do Comitê Central do PCCh, além de indicar que essa porcentagem só deve subir nos próximos congressos. A matéria elencou cinco políticos “sortudos” que já merecem atenção, como a vice-governadora de Fujian, Guo Ningning, e o vice-secretário do PCCh em Shanghai, Zhuge Yujie. Pegue um cafezinho e leia o texto para conhecer os outros três nomes.
O clima está mesmo tenso na véspera do Congresso. Lao Dongyan, renomada professora de direito penal na Universidade Tsinghua, teve sua conta com 400 mil seguidores no Weibo apagada. Ainda não se sabem as circunstâncias, mas ela era crítica a muitas políticas públicas implementadas nos últimos anos. O sumiço de Lao das redes não veio só: são diversos os casos de comentaristas políticos que pararam de fazer críticas ao governo ou tiveram suas contas deletadas nos últimos meses, segundo noticiou o South China Morning Post. Em contraste, o principal influenciador de e-commerce da China, Li Jiaqi, ressurgiu nas redes sociais depois de quatro meses. O desaparecimento dele se deu com o incidente do bolo em formato de tanque, no início de junho, aniversário dos protestos em Tiananmen.
É prata. Cingapura ultrapassou Hong Kong como centro financeiro da Ásia, conquistando a terceira posição no ranking mundial do Global Financial Centres Index (GFCI), seguindo Nova York e Londres. Como destacou o Straits Times, Shanghai, Pequim e Shenzhen seguem no top 10. Dias depois do anúncio e do governo local admitir que deve encerrar o ano em recessão, foi declarado o fim da quarentena obrigatória para visitantes internacionais a partir desta segunda-feira (26). Com isso, espera-se uma retomada do status de hub aéreo — e da economia. O site da principal operadora de voos local, Cathay Pacific, logo teve problemas para lidar com o alto volume de acessos. Nesta manhã, alguns voos chegaram a ser deliberadamente atrasados para garantir que os passageiros pudessem se beneficiar das novas regras. Entre abril e junho deste ano, o aeroporto de Hong Kong recebeu 591 mil viajantes, enquanto 7,3 milhões passaram pelo de Cingapura.
Segundo semestre agitado. Enquanto outubro não chega, a anual Assembleia Geral da ONU em Nova York começou no dia 13 e dominou o noticiário da semana passada, quando os discursos de líderes de Estado tiveram início na terça (20). O chanceler chinês, Wang Yi, falou por 20 minutos na tribuna no sábado (24), com a temática do discurso tendo Taiwan como destaque. Não é inesperado, considerando a declaração de Biden sobre a garantia de defesa da ilha no domingo passado (18) — a quarta desde que se tornou presidente. Em Nova York, também houve uma conversa de Wang com Anthony Blinken, secretário de Estado dos EUA, que enfatizou linhas abertas de comunicação entre as duas maiores economias do planeta.
O chanceler chinês tem tido uma agenda cheia de encontros com líderes de vários países, munido com apoio de 20 nações, sobre o relatório de abusos em Xinjiang. Uma matéria de Yuan Yang e Henry Foy para o Financial Times sobre os bastidores do lançamento do documento conta da pressão que os funcionários de direitos humanos da ONU fizeram para que fosse publicado. Também chamou atenção o fato de Wang ter encontrado sua contraparte ucraniana, Dmytro Kuleba, bem como Sergei Lavrov, o chanceler russo. Wang Yi havia reforçado a posição chinesa de uma solução pacífica do conflito.
Promessa é dívida? Falando na Assembleia Geral da ONU, foi em setembro de 2021 que Xi Jinping chamou atenção do mundo com a promessa de que o país pararia de investir em usinas de carvão no exterior. Em artigo para o China Dialogue, Han Chen e Wei Shen analisam o que de fato aconteceu desde o anúncio e como isso vem sendo transformado em ações por diferentes órgãos. A velocidade do lançamento de projetos a nível operacional indica que há alinhamento sobre o que é preciso ser feito. Para o SCMP, Cecilia Springer também escreveu sobre o mesmo tema, reforçando que é preciso olhar mais para investimentos sustentáveis e energia renovável na Iniciativa Cinturão e Rota.
Nem aqui e nem na China a violência sexual deixa de se mostrar uma realidade. O mais recente caso de #metoo envolve denúncias de pelo menos 19 estudantes da Shadow Road, dedicada a preparar alunos para as melhores escolas de cinema da China. O acusado é Du Yingzhe, de 40 anos, que teria assediado sexualmente e estuprado jovens estudantes, tendo engravidado uma delas e supostamente se gabado de seu envolvimento com mais de uma centena de alunas. Ele foi preso pelas autoridades chinesas após o assunto ter vindo à tona nas redes.
Por falar no assunto, o líder do caso de violência contra mulheres na cidade de Tangshan foi condenado a 24 anos de prisão. O anúncio se dá semanas depois das primeiras condenações terem sido divulgadas pelas autoridades chinesas.
Dificuldades no mercado de trabalho viralizaram nas redes. Nas últimas duas semanas, os currículos de dois professores universitários foram um dos assuntos mais comentados nas redes sociais chinesas. Conforme matéria do SCMP, Hu Jinniu e Cheng Jing são professores da Escola de Física da Universidade Nankai em Tianjin e recontaram suas trajetórias profissionais de maneira bem-humorada, com muita honestidade e humor autodepreciativo. Por exemplo, Hu chamou atenção para a dificuldade de conseguir empregos acadêmicos e de sustentar-se trabalhando na sua área. Já Cheng comentou que só estuda o que gosta, porque não deve ser capaz de ganhar um Nobel.
O mercado de trabalho no setor de tecnologia também não foi poupado. Recentemente, a Tencent realizou demissões em massa — foram desligadas aproximadamente 5 mil pessoas, ou 5% da força de trabalho da empresa —incluindo toda a equipe de redação da Fanbyte, revista online especializada em jogos virtuais. A TechCrunch conta que o processo foi especialmente lento e cruel, mas teve desforra: a gerente de mídia sociais manteve o login das redes da revista e aproveitou a situação para apontar a injustiça e pedir apoio para a equipe demitida.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Viva a criatividade: o Festival da Lua foi no dia 10 e os bolinhos da lua ou mooncakes, uma iguaria chinesa com recheios variados, são presenteados entre amigos e familiares para marcar a data. O The China Project publicou uma matéria com fotos das caixas de presente de mooncakes mais inusitadas de 2022.
Cozinha: o livro de cozinha vegana chinesa The Vegan Chinese Kitchen e as vivências da autora Hannah Che foram assunto no Epicurious, que disponibilizou algumas das receitas no site. Bora cozinhar?
Os lanches: o podcast Nüvoices retorna com um episódio com a jornalista de gastronomia Clarissa Wei, que acompanhamos com afinco por aqui desde a série de vídeos do Eat China. O papo foi sobre cobrir histórias de gastronomia na China e a relação com comida na diáspora (Clarissa vive em Taipei).
Cinema de HK na faixa: o Global Hong Kong Studies da University of California vai realizar uma exibição do filme Keep Rolling, seguido de Q&A com o diretor Man Lim Chung. É na sexta (30), grátis, em inglês, pro mundo todo.
Mais cinema de HK: a revista Zolima entrevistou Scud, diretor conhecido por obras de temática LGBTQIA+, que anunciou sua aposentadoria.