Fotografia em cores de portão feito de ripas de madeira e pintado com as cores azul e amarela, da bandeira da Ucrânia. Entre as duas cores, um padrão decorativo em branco.

Foto de Tina Hartung via Unsplash

Edição 193 — Rússia, Ucrânia, OTAN: e a China?

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

É hora das Duas Sessões. Na sexta-feira (4), iniciam-se as atividades da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês; no sábado (5), tem início o encontro do Congresso Nacional do Povo. Apelidadas de Duas Sessões (Liǎng Huì 两会), as reuniões parlamentares que ocorrem em Pequim são o momento de validação de uma série de rascunhos de documentos importantes lançados ao longo dos últimos meses. Em 2022, segundo o SCMP, os temas esperados são: crescimento do PIB, regulação na área de tecnologia, as políticas de tolerância zero à Covid, desemprego (também como resultado da pandemia), questão demográfica (envelhecimento populacional e menor taxa de natalidade), proteção dos direitos das mulheres, relações exteriores, Taiwan e orçamento de defesa. A chefe do Executivo de Hong Kong Carrie Lam comunicou a Pequim que não vai poder participar das reuniões, por conta do combate à quinta onda de Covid-19. Uma delegação local pró-Pequim estuda participar virtualmente das discussões — já que alguns casos de infecções foram confirmados entre eles, como mostra o SCMP

Errata: na edição da newsletter que foi por e-mail, confundimos os dias da semana, dizendo que era quinta e sexta.

Criptocrime. Na sequência do aperto do cerco contra as criptomoedas, a Suprema Corte chinesa definiu na última quinta (24) que usar criptomoedas para captação de recursos agora é crime. Esta é mais uma medida oficial no sentido de coibir o uso de criptomoedas no país, somando-se a proibições anteriores como o banimento de mineração e transações nessas moedas no país, como escrevemos aqui em setembro. Nos casos mais graves, quem for pego usando esse tipo de moeda para captar fundos pode ficar até dez anos na prisão. Conforme a interpretação da corte, a medida incluirá também atividades financeiras que possuem outros nomes, mas que forem consideradas similares à captação de fundos, como alguns empréstimos online. A decisão tomada pela corte passa a ter efeito a partir deste mês.

Na noite da última quinta (24), o exército russo iniciou um ataque à Ucrânia, chamando-o “operação militar especial”. O tema dominou as notícias, as redes sociais, as conversas de bares. Em meio aos horrores da violência, discussões sobre os motivos de Putin e as respostas da OTAN e dos EUA, nós nos perguntamos o que a China iria fazer. Nas últimas edições, trouxemos como Xi Jinping vinha respondendo à escalada da situação. Pouco mudou desde então: como de costume, a política externa chinesa tende para o discurso do não intervencionismo e do respeito à soberania. 

Na sexta (25), Xi Jinping e Putin conversaram por telefone e o presidente chinês enfatizou que é necessário “sair da mentalidade de Guerra Fria”.  Paralelamente à fala de Xi, a postura chinesa tem sido de manter vivas as críticas aos EUA (e seu histórico em guerras recentes) ao comentar o conflito. Ainda na sexta, uma reunião do Conselho de Segurança da ONU foi realizada para debater a questão. A proposta de resolução para condenar as ações russas não passou por motivos óbvios, pois a Rússia tem poder de veto. A dúvida era se a China iria vetar ou se abster: absteve-se, não fugindo muito do padrão esperado. Como é hábito da política externa chinesa, Pequim criticou a imposição de sanções.

Em discurso oficial, a China se coloca neutra. O chanceler Wang Yi publicou um texto com cinco pontos sobre o posicionamento da China em relação ao conflito. Você pode ler aqui o texto no ministério, ou esta análise do Neican. Contudo, nos últimos dias, muita gente vem questionando se de fato é isso mesmo, considerando algumas ações. É como argumenta o correspondente Marcelo Ninio ao dizer que por trás do clima de “isentona”, a China adota um apoio à Rússia. Um dos pontos de maior evidência é o fato da China ter evitado usar o termo “invasão”, o que foi destacado por jornalistas que cobriram a entrevista coletiva do Ministério de Relações Exteriores na última quinta. Dois acadêmicos chineses, Shi Yinhong e Yang Cheng, também opinaram sobre a questão nos últimos dias.

É aquela escolha muito difícil e talvez Pequim tenha questões irreconciliáveis (como escreveu Evan Feigenbaum): garantir a aliança com a Rússia, respeitar o princípio de soberania e integridade territorial ucraniano (além da parceria comercial), e não destruir as relações com a Europa (e os EUA).

A China pode produzir o seu próprio óleo de palma? Quem acompanha minimamente o debate ambiental sabe o quanto o óleo de palma — ou melhor, a forma como o produto é explorado atualmente — é apontado como um forte inimigo do meio ambiente. Esse óleo está na base de diversos produtos que consumimos diariamente e muitas vezes nem nos damos conta, como cosméticos, alimentos e sabões. O China Dialogue traz um texto que debate a possibilidade dos chineses, grandes compradores da commodity, passarem a produzir seu próprio óleo. Nós já falamos sobre a China e o óleo de palma em uma edição recente, vale conferir aqui

Imune, pero no mucho. A detenção temporária de um diplomata japonês em Pequim levou a um desentendimento entre autoridades dos dois países. Sem dar muitos detalhes, dirigentes chineses disseram que o representante do estado japonês estaria sendo investigado por agir de forma inadequada com a lei, sem dar detalhes. A ação de Pequim levou a protestos por parte dos japoneses. Pela Convenção de Viena, diplomatas são invioláveis.

O mês das mulheres. Março está chegando e, com ele, é reacendido o debate em torno do direito das mulheres e do feminismo no país. Na China, onde algumas organizações feministas independentes são reprimidos pelo estado, a proximidade do 8 de março lembra o caso das Cinco Feministas, no qual cinco mulheres ativistas foram detidas às vésperas da data em 2015 por planejarem uma ação contra assédios sexuais no transporte público. Parte das envolvidas já havia protestado contra violência doméstica e a falta de banheiros públicos femininos em cidades chinesas, como conta este artigo sobre a famosa publicação chinesa Feminist Voices. A detenção das cinco jovens está prestes a completar sete anos no próximo domingo (6), mas o cenário para as mulheres que buscam por igualdade não mudou muito de lá para cá e ativistas seguem sendo detidas pelas autoridades chinesas, como contamos recentemente aqui. Online, a situação também é tensa, com confrontos entre grupos feministas e nacionalistas, além de divisões internas no movimento. Já indicamos antes, mas vale lembrar que a história dessas mulheres é retratada por Leta Hong Fincher em Enfrentando o Dragão: o despertar do feminismo na China

Xiao Huamei. Esse é o nome da “mulher acorrentada” do condado de Feng, caso que explicamos na semana passada. A investigação realizada pelas autoridades da província de Jiangsu revelou que a mulher de 44 anos é natural da província de Yunnan e foi traficada três vezes desde 1998. Xiao Huamei agora está recebendo tratamento para esquizofrenia, os traficantes de pessoas envolvidos foram presos, 17 agentes do governo de Jiangsu foram demitidos e seu “marido” está sendo processado por detenção ilegal e abuso. Tudo graças à pressão popular.

Encolhendo. Enquanto Hong Kong enfrenta seu pior momento desde o início da pandemia de Covid-19, com hospitais e necrotérios lotados e dúvidas sobre a eficácia do esquema vacinal corrente, os indicadores para o futuro parecem desanimadores. Dados oficiais apontam que em 2021 a região atingiu sua menor taxa de natalidade em meio século. Soma-se a isso o êxodo que ocorre desde a implantação da Lei de Segurança Nacional, que já viu mais de 70 mil pessoas deixarem Hong Kong em apenas um ano. E mais oportunidades de emigração continuam a surgir: o Reino Unido anunciou na última semana que deve ampliar o esquema de imigração e cidadania BNO, contemplando agora jovens honconguenses nascidos após o fim do colonialismo britânico no território.

reforma electoral en Hong Kong

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

E o carnaval? Se você está querendo escapar da marchinha de carnaval ou fugir dos stories dos amigos em blocos ilegais, se conecte aqui no show de 12 minutos de indie-pop cheio de viagens psicodélicas do The Dinosaur’s Skin. 

C-dramas: o pessoal do Drama Potatoe fez um listão de melhores dramas chineses, separados por tipo e com links para sites que disponibilizam legendas em inglês.

Capitalista ou comunista: parece ser aquela pauta sem fim sobre a China. Este artigo de Andrew B. Liu no The Nation traz um apanhado recente da relação entre capital e comunismo no país.

Sorvete sabor coentro: parece bizarro, mas é verdade. O McDonald’s lançou uma promoção temporária e ofertou um sundae feito de coentro em algumas lojas chinesas. Nossa editora sênior Talita Fernandes experimentou e contou aqui o sabor da controversa sobremesa.

Imagem de fundo vermelho, com texto em branco. Caracteres chineses cujo pinyin é 乌心工作 (wú xīn gōng zuò).
Não foi só você: os netizens chineses usaram a frase 乌心工作 (wú xīn gōng zuò) para manifestar como estava difícil focar no trabalho com as notícias da Ucrânia rolando. A frase original é 无心工作 (wúxīn gōng zuò) usada para “sem vontade de trabalhar” ou “sem cabeça para trabalhar”, o caracter inicial 乌 faz referência à Ucrânia (乌克兰). Conta a Sixth Tone.
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