Edição 224 – Presidente da JD.com (não) é julgado nos EUA por assédio
Errata: o título da newsletter dessa edição enviada no dia 03/10/2022 dizia “Presidente da JD.com é julgado por assédio nos EUA”, mas na realidade o julgamento não chegou a acontecer no caso de Liu Jingyao contra Richard Liu. As partes fizeram um acordo às vésperas do julgamento, conforme explicado na mesma edição.
Fim do mistério. Após rumores infundados sobre um suposto golpe que estaria em curso contra Xi Jinping, o líder apareceu em público a menos de uma semana do aniversário de 73 anos da República Popular da China, celebrado em 1° de outubro. Na terça (27), Xi surgiu ao lado de lideranças do Partido Comunista Chinês em uma exposição que tem como título “Avançando em direção à Nova Era”. De acordo com a estatal Xinhua, Xi reforçou os esforços para o avanço de uma nova vitória do Socialismo com Características Chinesas. O evento e a mensagem acontecem às vésperas do Congresso do PCCh, em 16 de outubro, que deve confirmar Xi em seu terceiro mandato à frente do poder. Enquanto todo mundo se prepara para acompanhar o evento tão esperado, o The Diplomat publicou um texto sobre o fim da era dos políticos seniores na China. A Chatham House publicou um guia para o Congresso.
Sem Moderna. Ao contrário do que se esperava, não está avançando a conversa entre o governo chinês e a fabricante de vacinas estadunidense Moderna. A razão do impasse, segundo revelou o Financial Times, seria que Pequim exige o compartilhamento da tecnologia da vacina de RNA mensageiro contra a Covid-19 — um tipo que ainda não foi desenvolvido localmente e que oferece proteção mais ampla e duradoura. Como explica o FT, há duas opções para fabricantes estrangeiras de vacinas chegarem ao mercado chinês: transferindo tecnologia para uma empresa local ou abrindo fábricas na China, mas mantendo sua patente. No passado, a alemã BioNTech fez parceria com a Shanghai Fosun Pharmaceutical para fabricação do seu imunizante contra a Covid-19, retendo a propriedade intelectual; já a canadense Providence Therapeutics fez acordo de transferência de tecnologia com a chinesa Everest Medicines. Em ambos os casos, as vacinas resultantes não receberam aprovação regulatória para entrar no mercado chinês.
Estados Unidos e Tik Tok se aproximam de acordo? Segundo o The New York Times, sim, mas a mesma reportagem mostra que, ainda que o caminho para um entendimento pareça mais pavimentado, as discussões ainda seguirão. Vale se desconectar das redes em que ficamos zapeando de segundo em segundo para ler atentamente sobre o debate. Aliás, o The Guardian trouxe uma reportagem sobre uma ação promovida pela Meta, empresa detentora de redes sociais como Facebook e Whatsapp, para desmantelar ações de desinformação movidas pela Rússia e pela China. Não que console, mas não é só o Brasil que enfrenta dificuldade com informações falsas em tempos eleitorais.
Hacker também precisa bater ponto e tirar folga. Saíram mais informações sobre o hack que mencionamos há algumas semanas, quando o governo chinês fez uma acusação de ciberespionagem pela Agência de Segurança Nacional (NSA, em inglês) dos EUA. As invasões teriam sido feitas pela NSA contra a Universidade Politécnica do Noroeste da China, localizada em Xi’An. Em junho, a direção da universidade anunciou tentativas de phishing para roubar dados de pesquisadores e alunos da instituição — o que eventualmente deu acesso ao sistema com dados sensíveis de diversas pessoas e à infraestrutura de telecomunicações. Uma força tarefa do National Computer Virus Emergency Response Center da China (CVERC) junto com uma empresa privada analisou os ataques, concluindo que 13 pessoas estavam envolvidas diretamente.
O plot twist é que a acusação veio principalmente do fato de que os hackers teriam invadido e mexido no sistema apenas durante os dias de semana, no horário das 9h da manhã até 16h da tarde do fuso da costa leste dos Estados Unidos. Além disso, eles teriam tirado “folga” coincidentemente nos mesmos dias de feriados importantes do país americano, como o 4 de Julho. Zichen Wang do Pekingnology explicou a história.
Me too. Ativistas que acompanham os processos de assédio sexual na China passaram os últimos dias atentos ao que se passava em Minnesota, nos Estados Unidos. Em 2019, Liu Jingyao acusou de estupro Richard Liu (ou Liu Qiangdong), presidente da JD.com. A violência teria ocorrido após um evento de networking da empresa, um ano antes, para o qual a estudante fora convidada. O julgamento estava previsto para se iniciar nesta segunda-feira (3) — no entanto, o processo foi resolvido com um acordo fora da corte no sábado (1). A expectativa era de que o caso pudesse ser mais favorável a Liu Jingyao nos EUA do que seria na China, onde processos do tipo são frequentemente arquivados. Especula-se que o acordo tenha se dado pela pressão enfrentada por Jingyao, que sofre de estresse pós-traumático — a opinião pública nesses casos não costuma favorecer as vítimas.
Tatuagens como identidade de gênero. É o que o The China Project (novo nome do Sup China) traz em texto que explica o projeto da tatuadora Língméng 灵濛. Ela convidou mulheres chinesas a contar suas histórias de crescimento e experiências de vida e condensou essas narrativas em imagens que as participantes poderiam registrar em seus corpos. Além do simbolismo das ilustrações, as tatuagens também representam a autonomia corporal dessas mulheres, já que a cultura chinesa desencoraja essa arte de um modo geral, mas o estigma é mais forte contra as mulheres que se tatuam.
Novo velho. O que é homonormatividade? E o que seria uma “homonormatividade neo-confucionista”? Este artigo acadêmico publicado pela The China Quarterly traz um interessante trabalho sobre histórias homossexuais dentro das famílias chinesas e como elas se relacionam com os valores confucionistas. O estudo foi conduzido em Shenzhen, megalópole próxima a Guangzhou. Olhando para um grupo completamente diferente e nas cidades do interior, esta reportagem da Sixth Tone mostra as dificuldades que mulheres chinesas enfrentam para encontrar parceiros e corresponder às ideias de família heteronormativas. Vale passar um bom cafezinho, abrir a cabeça e ler sobre como temas ligados a família, tradições e homossexualidade se encontram na atual sociedade chinesa.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Jogo: o The China Project escreveu sobre o Sheep a Sheep (yánglegèyáng 羊了个羊), jogo de celular integrado ao WeChat que conquistou mais de 60 milhões de jogadores nas duas primeiras semanas após seu lançamento em setembro.
De dar água na boca: há quase 20 anos, o restaurante Yongfoo Elite procura fazer o nexo entre moda, estética e alta gastronomia combinando a culinária local com ingredientes ocidentais (e vice-versa) em Shanghai.
Podcast: o episódio sobre governança global chinesa e Sul Global do The Belt and Road Podcast trouxe uma entrevista com Jeffrey Qi, que explicou sua pesquisa sobre a influência chinesa no multilateralismo ambiental. A pauta também é relevante ao Brasil.
É hit: conheça Marvellous Rose!, influenciadora ugandense que mora na China e se tornou celebridade no país asiático após gravar vídeos ensinando receitas tradicionais chinesas.
Cinema: a 7ª Mostra de Cinema Chinês ocorre no Centro Cultural São Paulo (CCSP) entre os dias 4 e 15 de outubro. Os filmes são obras contemporâneas e se dividem nas categorias de Paisagem Humana e Histórica, Paisagem Urbana Contemporânea e Paisagem Étnica e Regional. Gratuito.
Mais cinema: ainda em São Paulo, até 14 de outubro, o cinema da USP exibe a mostra “Taiwan: Raízes e Horizontes”.
Xizang: o China Media Project identificou que, nos últimos meses, a mídia estatal chinesa passou a se referir ao Tibete pelo seu nome em mandarim, Xizang. Vale ler a análise.