Edição 277 – A morte de Li Keqiang e a visita de Wang Yi aos EUA
Luto. A morte do ex-primeiro-ministro chinês Li Keqiang pegou todo mundo de surpresa. Aos 68 anos, ele morreu de um repentino ataque cardíaco na última sexta-feira (27), em Shanghai, conforme anunciado pela imprensa estatal chinesa. Li foi o número dois do PCCh pelos últimos 10 anos, desde a ascensão de Xi Jinping ao poder, e foi substituído por Li Qiang no início deste ano. O economista era um forte defensor do setor privado, apesar do crescimento das empresas estatais na gestão de Xi. Pequim foi aparentemente pega de surpresa com o ocorrido: de acordo com o South China Morning Post, um obituário oficial de Li só foi publicado 10 horas depois do anúncio de seu falecimento. Também foram tomadas medidas para controlar a comoção pública, como a censura de comentários sobre a morte nas mídias sociais e o desencorajamento de demonstrações de luto organizadas por estudantes – isso porque a morte do líder reformista Hu Yaobang é considerada o estopim das manifestações de 1989 na Praça da Paz Celestial.
Outro falecimento importante que também foi noticiado na imprensa chinesa: do epidemiologista e chefe do CDC Wu Zunyou. Wu faleceu em decorrência de um câncer aos 60 anos. Ele deixou como destaque em seu legado profissional suas contribuições para o combate ao HIV e à pandemia de Covid-19.
Homem Aranha apontando pro Homem Aranha. Foi assim o processo de seleção dos pré-candidatos a vagas nos conselhos distritais de Hong Kong em dezembro. Seguindo recentes reformulações, os postulantes devem ser selecionados por um comitê – mas, segundo apuração da Hong Kong Free Press, 75% dos escolhidos para seguir para o voto popular eram parte do comitê de seleção. Nenhum candidato de partidos de oposição seguirá para o pleito que elege apenas 20% dos representantes. Os processos eleitorais da região sofreram diversas reformulações desde 2019, quando 90% dos eleitos para o Conselho Legislativo foram candidatos anti-Pequim.
E não é só na política que Hong Kong não vai bem: o PIB do terceiro trimestre teve um crescimento de 4,1% em relação ao ano anterior – um aumento trazido pelo retorno de turistas, mas ainda abaixo dos 5,2% estimados por economistas. A região deve terminar o ano com o dobro de déficit fiscal de 2022, atingindo HK$100 bilhões (R$64 bilhões).
Atividade industrial chinesa em queda. O índice de atividade manufatureira da China apresentou uma contração em outubro, contrariando a tendência de crescimento dos últimos meses. A recuperação da indústria no pós-pandemia está mais difícil do que se supunha e a recente política de estímulos ao setor não está surtindo o efeito esperado — os lucros estão aumentando, mas sem gerar o crescimento necessário. A Reuters publicou uma matéria sobre os desafios enfrentados por He Lifeng, recém-confirmado como diretor da Comissão Central de Assuntos Econômicos e Financeiros do PCCh, para reanimar a economia. Ainda sobre a indústria chinesa, vale a leitura do relatório do Merics sobre como Pequim implementou políticas industriais voltadas para tornar o país uma superpotência na produção de meios de transporte avançados, de trens-bala a navios, carros elétricos a metrôs, e os desafios que isso representa para a indústria tradicional europeia.
China e Colômbia firmaram uma parceria estratégica na última quarta-feira (25). Em visita a Pequim, Gustavo Petro, presidente do país sul-americano, encontrou Xi Jinping para estabelecer uma série de acordos bilaterais sobre comércio, desenvolvimento sustentável e tecnologia, entre outros setores. Na ocasião, os dois líderes anunciaram que as relações bilaterais se elevaram ao nível de “parceria estratégica” dado o forte e positivo intercâmbio entre os dois países. Xi também manifestou apoio ao processo de pacificação da Colômbia e convidou o país a se juntar à Iniciativa Cinturão e Rota; Petro indicou disposição de alinhar a estratégia de desenvolvimento colombiana à iniciativa em pontos vantajosos, mas não houve adesão oficial. A Colômbia, como o Brasil e Paraguai, são os únicos países sul-americanos fora do projeto chinês.
Outro tema da visita de Petro à China foi a polêmica construção da primeira linha de metrô de Bogotá. A realização do projeto foi concedida a um consórcio entre a China Harbour Engineering Company e a Xi’an Rail Transit Group, cujos representantes conversaram com a delegação colombiana liderada pelo próprio Petro. Como a oposição lembra com frequência, a presidência da Colômbia não tem ingerência sobre o projeto, dado que o contrato é entre a prefeitura da capital e o consórcio chinês. De fato, o tema ficou de fora do comunicado final sobre a visita a Pequim.
Fórum da Iniciativa Cinturão e Rota (BARF) termina e todo mundo tem opiniões. Entre os dias 16 e 18 de outubro, Pequim esteve lotada de figuras de alto nível e representantes dos países parceiros da China na BRI. Apesar das muitas participações, a edição foi mais enxuta, com menos chefes de Estado do que em anos anteriores, e o eixo parece voltado para um olhar anti-Ocidente, como sinalizou a visita de Putin segundo esta análise do CHINA POLICY. Xi falou em oito pontos prioritários nesta nova fase do projeto e prometeu que essa segunda década verá novos investimentos (no valor de 780 bilhões de yuan), treinamentos em desenvolvimento verde para parceiros, e também melhor avaliação de compliance sobre projetos — que serão menores, mas mais inteligentes e com melhor qualidade. Um resultado imediato foi a criação de um Secretariado da BRI, ainda que seu formato e todo o resto esteja incerto. O evento foi ofuscado pela situação em Gaza, tema mencionado no discurso de encerramento do secretário-geral da ONU António Guterres, que fez apelos humanitários e pediu um cessar-fogo. Diversos acordos foram assinados durante o BARF, chegando a um valor de cerca de 97 milhões de dólares, com destaque para a continuidade do (controverso) projeto para a construção da Port City Colombo, no Sri Lanka.
Apesar do foco no Sul Global, o Fórum teve baixa presença da América Latina, como aponta este texto do China Dialogue. Mas o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, Arthur Lira, foi para o evento e se encontrou com Xi Jinping. Nesta segunda (30), o embaixador da China em Brasília reforçou o interesse do país asiático em ter o Brasil na BRI, como relata Igor Patrick para o SCMP.
Diplomacia a todo vapor. As relações entre China-EUA foram tema de diversos encontros na última semana. O chanceler Wang Yi viajou aos Estados Unidos na semana passada, onde se reuniu com o presidente Joe Biden e o seu contraparte estadunidense, Anthony Blinken. Os encontros foram vistos como “progresso“: o secretário de Estado disse brevemente que espera que as conversas sejam produtivas. Já nesta semana, o Politico publicou uma análise pouco animadora, dizendo que Pequim tem deixado os EUA e a Europa em compasso de espera. Ainda não há uma estimativa de quando Xi deve se reunir pessoalmente com Biden e com a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen. Por falar nos europeus, Wang Yi pediu a eles pragmatismo, durante reunião com o principal conselheiro para assuntos internacionais francês Emmanuel Bonne.
Solteira sim, sozinha sempre. O governo chinês segue firme tentando reverter a baixa histórica no número de casamentos e nascimentos no país. Os incentivos não estão dando resultados — houve uma queda de 10,6% nos registros de matrimônio no último ano. Então a nova estratégia parece ser mais discursiva: durante um encontro com líderes da federação de mulheres da China na última segunda-feira (30 de outubro), Xi Jinping afirmou que os avanços da causa feminina vão além do desenvolvimento individual das mulheres, promovendo também a “família e a harmonia social”. Ele destacou a necessidade da federação fomentar bons modelos familiares e guiar as mulheres a cumprir seu “papel único” na promoção de “virtudes tradicionais da nação chinesa”. Também foi destacada a necessidade de orientar as perspectivas dos jovens sobre o casamento e a reprodução. As declarações refletem as expectativas do governo, mas parecem desalinhadas com os desejos das mulheres chinesas, que muitas vezes querem ser mães solo, ter o próprio imóvel e viverem bem — sozinhas.
Xô consumo, bora curtir a cidade. Um grupo de jovens chineses vem pregando contra a cultura de consumo, forte no mundo capitalista como um todo e bastante comum em cidades como Shanghai. A ideia é estimular cada vez mais pessoas a se preocuparem em ocupar e usar os espaços públicos em vez de gastarem suas energias, tempo e dinheiro comprando coisas. De acordo com a Sixth Tone, essa mensagem tem sido bastante bem recebida por lá. A divulgação desta ideia tem se dado de uma forma bem interessante: a publicação de uma revista que traz mais de 100 coisas para serem feitas gratuitamente em grandes centros urbanos.
Mais um dia de glória para a ficção científica chinesa com a vitória do escritor Hai Ya no famoso prêmio Hugo, na categoria de melhor noveleta, entregue durante a Worldcon — que ocorreu pela primeira vez na China, em Chengdu (com participação brasileira), de 18 a 22 de outubro.Com 33 anos de idade, Hai é de uma nova geração de escritores e recebeu reconhecimento pela obra The Space-Time Painter, inspirada em uma pintura de Wang Ximeng do século XII. Ele se tornou o terceiro chinês a receber o prêmio — Liu Cixin sendo o primeiro (em 2015, por O Problema dos Três Corpos) e Hao Jingfang (em 2016, por Folding Beijing) — ambos já foram leitura do nosso Clube do Livro. Liu entregou o prêmio para Hai, que fez um discurso sobre como é escrever no tempo livre do seu emprego muito normal no mercado financeiro. O designer gráfico Zhao Enzhe também foi contemplado, com o prêmio de Melhor Artista Profissional.
Alvo por engano: uma música inocente, sobre um erro no amor, acabou virando alvo da censura depois de ter sido usada de forma “crítica e criativa” por jovens sobre a “morte de um líder errado”.
Doce ou travessura: as ruas de Shanghai foram tomadas durante a última semana para celebrações de halloween. O pessoal se empolgou com as fantasias — teve Ursinhos Puff, trabalhadores de branco icônicos da pandemia (alguns levados pela polícia), e nem Lu Xun escapou.
Arte na pele: a Convenção Internacional de Tatuagem de Xiamen vai acontecer entre os dias 3 e 5 de novembro. Aqui você pode conferir artistas que estarão por lá.
A história de uma indústria: o debate sobre a sobrevivência de pessoas e negócios ligados ao mercado editorial chama a atenção de todo o mundo, e na China não é diferente. Se você quer saber como livrarias, editoras e escritores têm lidado com isso por lá, vale ouvir este podcast.
Arthur Miller in Mandarim: que tal reviver a experiência de Arthur Miller, de dirigir sua peça “A morte de um vendedor” na China de 1980? A The New Yorker conta sobre uma apresentação bilíngue da obra do dramaturgo que está em cartaz. Spoiler: tem trechos hilários sobre problemas de tradução e falha de comunicação.
Confira este interessante vídeo explicando o que é uma quilou: estilos romanescos arquitetônicos da década de 1920.