Fotografia em cores de jato militar estacionado em uma pista de pouso em dia de céu azul.

Foto de Eirc Shi via Unsplash.

Edição 271 – Procura-se ministro da Defesa

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Sem notícias. Depois do sumiço do então chanceler chinês Qin Gang — que acabou substituído por Wang Yi —, o desaparecimento de uma autoridade chinesa voltou ao noticiário. O ministro da Defesa Li Shangfu foi visto em público pela última vez há cerca de três semanas. A Al Jazeera mostra que ele cancelou de repente um compromisso com autoridades vietnamitas há uma semana. Circulam suspeitas de que ele seja alvo de investigações contra corrupção. Com isso, como afirma a Bloomberg, começam especulações sobre a questão militar do país. E o sumiço de Qin Gang ainda não foi esquecido: nesta terça (19), o The Wall Street Journal publicou uma matéria ressoando os boatos de que o afastamento de Qin do cargo de chanceler se deu por um caso amoroso.

Sem piloto automático. Embora o hidrogênio verde possa ser uma chave crucial para alcançar as metas de descarbonização, a indústria chinesa permanece uma caixinha de surpresas até mesmo para especialistas em energia. Isso porque, mesmo sendo a maior do mundo, essa indústria depende menos do direcionamento do governo central e mais do alinhamento de diferentes atores como empresas privadas, estatais e governos locais que buscam a vanguarda na produção e no cumprimento de metas de descarbonização nacional, como explica esta reportagem de Huiling Zhou para o The China Project. O papel do governo central na criação dessa indústria é semelhante ao que aconteceu com o surgimento de painéis solares no país — deixando o setor privado tomar a iniciativa e corrigindo eventuais lacunas. Também é menos onipresente do que foi com veículos elétricos, contrariando quem pensa que Beijing assume a liderança em cada etapa de uma nova tecnologia destinada à transição energética e à mitigação de mudanças climáticas. Vale ler o artigo de Qisheng Jiang e Pengcheng Tang analisando como a redução de emissões de carbono se reflete na progressão de carreira de políticos locais no Partido. 

Vai ter bolo? Como vai a busca pela “prosperidade comum” proposta por Xi Jinping em agosto de 2021? Segundo uma análise publicada no Nikkei Asia com base em dados do governo chinês, vai mal. A desigualdade econômica atingiu uma alta recorde: a renda média dos 20% de famílias mais ricas das áreas urbanas é equivalente a seis vezes a média dos 20% mais pobres; entre os lares em áreas rurais, a disparidade é multiplicada por nove. Pesquisadores consultados para o texto levantaram hipóteses para o crescimento da desigualdade: o desemprego trazido pela política de Covid zero empobreceu os trabalhadores do setor de serviços, mais vulneráveis, e permitiu que os mais ricos economizassem; além disso, subsídios para empresas estariam deixando governos locais endividados. Com o crescimento lento da economia chinesa, a perspectiva é de menos bolo para cada vez menos bocas.

Depois de faltar ao G20, Xi também não compareceu à Assembléia Geral da ONU, que teve início nesta terça (19), em Nova York. Ele não foi o único a se ausentar: entre os líderes dos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU, apenas Joe Biden esteve lá, ao contrário de Vladimir Putin, Emmanuel Macron e Rishi Sunaki. A China foi representada por seu chanceler, Wang Yi, e antes que ele desembarcasse em Nova York, Pequim divulgou um documento com uma nova proposta para a governança global. Aliás, a reforma de órgãos da ONU, sobretudo do Conselho de Segurança, pareceu ser o único consenso entre todos os líderes que discursaram. O tema — prioridade de longa data para o Brasil — apareceu na fala de Lula, Biden e também no texto apresentado pela China. Pequim ressaltou apoiar a reforma do órgão, chamando a mudança de necessária para melhorar sua eficiência. O texto ainda fala que o Conselho não deve ser um “clube dos grandes países e das grandes economias”. 

Entre outros pontos destacados estão o conflito da Ucrânia, com um apelo para uma saída pacífica. O governo chinês também pediu pela paz na península da Coreia (na sequência da visita de Kim Jong Un à Rússia), condenou o uso de armas nucleares e fez um pedido para que regiões como a África recebam mais atenção dos órgãos multilaterais. 

Continente africano tem a menor taxa de financiamento chinês em quase duas décadas. Essa é uma constatação de estudo divulgado na terça (19) pelo Global China Initiative, da Universidade de Boston. A estimativa feita pelo centro de estudos é de que a China forneceu US$170 bilhões para países africanos entre 2000 e 2022. Desde 2016, quando os empréstimos chineses atingiram um pico, os números caíram, chegando a menos de US$1 bilhão (US$994 milhões) no ano passado. De acordo com especialistas ouvidos pela Reuters, isso seria um reflexo do alto endividamento de países africanos e também do desaquecimento da economia chinesa. 

Falando em África, o presidente da Zâmbia, Hakainde Hichilema, esteve na China para uma visita de seis dias com o principal objetivo de finalizar a negociação sobre a reestruturação da dívida com o país. O tour encerrou na sexta (16), com conversa com Xi Jinping e promessas de colaboração na Iniciativa Cinturão e Rota. A viagem de Hichilema coincidiu com outra visita – mas latinoamericana, com o venezuelano Nicolás Maduro chegando no dia 8 e viajando pela China durante uma semana, como conta a Folha. Os dois países firmaram acordo para treinamento e envio de astronautas da Venezuela para a Lua com a missão chinesa. O documento final da visita também demonstra o interesse venezuelano em entrar nos BRICS.

Diálogo. Na segunda-feira (18), a União Europeia e a China realizaram a segunda reunião de alto nível sobre políticas digitais, em Pequim. Os temas incluíram questões sobre uso e regulação de plataformas e de inteligência artificial, transferências de dados internacionais para a indústria, padronização no setor de tecnologia e informação, e e-commerce. Neste último ponto, foi firmado um plano de ação para a venda de produtos online de forma segura. O contexto da reunião era tenso: a presidente da Comissão da UE, Ursula von der Leyen, anunciou na semana passada uma investigação sobre os custos extremamente baratos da venda de carros elétricos chineses na Europa.

Em mais uma vitória para a comunidade LGBTQIAP+ de Hong Kong, um casal de lésbicas conquistou na justiça o direito de ambas serem legalmente reconhecidas como genitoras de seu filho. A criança foi gerada por meio de fertilização recíproca, método em que o óvulo de uma das mulheres é inseminado com material de um doador e a outra mulher gesta o óvulo fertilizado. A decisão é especialmente importante pois Hong Kong adota a Common Law, em que precedentes estabelecidos por juízes influenciam as decisões sobre casos semelhantes no futuro. Apesar disso, ainda não é claro o impacto sobre outras crianças de casais homoafetivos, geradas por diferentes métodos: em sua decisão, a juíza Queeny Au-Yeung afirmou que a lei atual discrimina o menino, privando-o de ter uma segunda pessoa genitora “geneticamente ligada” a ele. Mas o veredito também ressaltou que pessoas constroem famílias de diferentes maneiras, não apenas dentro de um “casamento ou relação heterossexual”. Como já comentamos por aqui, a comunidade LGBTQIAP+ honconguense vêm acumulando vitórias na justiça e a opinião pública está a seu favor.

Fiscal de roupa alheia. Imagina o governo estabelecer uma lista de roupas proibidas ou ofensivas? Essa possibilidade vem incomodando chineses, como conta esta reportagem do The New York Times. O texto relembra recomendações de vestimentas que deveriam ser evitadas no país nos anos 1980, como calças flare e jeans. Agora, um novo projeto de lei teria como alvo roupas, símbolos e peças que possam ofender a imagem do país – mas não sem críticas dos cidadãos e discussões acaloradas. Já dá pra ter alguma ideia do que poderia ser banido: no começo do mês, uma mulher foi expulsa de um parque em Wuhan quando suas vestimentas tradicionais da Dinastia Tang foram confundidas com um quimono japonês; e o estilo “bebê picante” despertou discussões sobre os limites da sensualidade de roupas infantis, valendo até editoriais nos veículos de mídia estatais. 

As contradições sobre casamento. De olho na queda demográfica, o governo chinês vem lançando um incentivo atrás do outro em busca de mais casamentos (e mais crianças nascendo). As iniciativas não têm dado muito resultado e os impactos não se restringem aos interesses governamentais, mas também da indústria do matrimônio, estimada em US$500 bilhões, como mostra a Reuters. Ainda assim, tem gente que tem dificuldade em casar, mesmo querendo. Circulou no Weibo o caso de um homem da província de Henan que teve o pedido de casamento negado pelas autoridades. O motivo é o fato de sua noiva não ter completado requerimentos educacionais, o que a permitiria deixar claro que deseja se casar: ela é surda, muda e não aprendeu a se comunicar em linguagem de sinais ou de forma escrita. O episódio despertou discussões sobre consentimento e os direitos e dificuldades de pessoas com deficiência na China, um assunto delicado que comoveu a sociedade em 2022 durante a investigação do caso Xiao Huamei.

reforma electoral en Hong Kong

Rodinha punk: aumenta o volume que a dica musical da semana é da banda punk de Taiwan Lucky-Riri!

Gente: falando em Taiwan, vale ler este texto do jornalista Brian Hioe lembrando que mais do que uma peça de xadrez no tabuleiro da geopolítica, Taiwan é a casa de um povo. 

Saluton: comentamos como a China possui uma das maiores comunidades de estudiosos de esperanto do mundo. Este texto (e vídeo) da Sixth Tone elabora a questão e os desafios de manter o idioma circulando.

Lista: a Confederação Empresarial da China junto com a Associação de Diretores de Empresas do país publicou uma lista das 500 principais empresas chinesas em 2023. Em primeiro lugar está a State Grid, de energia.

 

As florestas de chá na montanha Jingmai em Pu’er, sudeste chinês, foram tombadas como patrimônio da humanidade pela UNESCO em setembro. Vale conferir também a galeria de fotos e, quem sabe, planejar uma próxima viagem.

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