Edição 287 – Evergrande será liquidada após 3 anos de crise
A Justiça de Hong Kong determinou a liquidação da gigante incorporadora imobiliária Evergrande, pondo fim a uma crise que é pauta na imprensa — e aqui na Shūmiàn —há três anos. A empresa não conseguiu chegar a um acordo com um grupo de credores e estava tentando achar uma saída para uma dívida de US$23 bilhões. Na verdade, essa era apenas uma parcela do rombo do grupo, cujo passivo ultrapassa a cifra de US$ 300 bilhões. Apesar de parecer apenas uma crise de uma empresa imobiliária, o caso da Evergrande importa para toda a China e para o mundo. De acordo com informações do site da companhia, ela atuava em mais de 1.300 projetos localizados em mais de 280 cidades por todo o território chinês.
Há poucos anos, a empresa ostentava projetos de luxo para famílias chinesas de média e alta renda, mas isso mudou desde que Pequim apertou o cerco contra o setor, trazendo novas regras para o mercado. A política ficou conhecida como Three Red Lines e você pode saber mais lendo este documento. Por ser uma gigante no setor, a crise da Evergrande chegou a afetar outras empresas do ramo, como a Country Garden, além de trazer um risco para toda a economia do país e, consequentemente, do mundo todo. Especialistas ouvidos pela NPR, porém, explicam que apesar de ser relevante e merece atenção, a crise Evergrande não deve ter as mesmas proporções do Lehman Brothers, que desencadeou a crise financeira de 2008. Se você perdeu a novela desde seu começo, não tem problema, trazemos aqui reportagem da BBC para entender o impacto do caso na China e no mundo.
O investimento chinês em energia limpa foi essencial para o crescimento econômico do país em 2023, segundo uma análise realizada pelo pesquisador Lauri Myllyvirta para o Carbon Brief. A conclusão se baseia nos dados do PIB da China, divulgados há duas semanas, e também em diálogos com especialistas que mostraram o papel do investimento em três setores:energia solar, veículos elétricos e baterias. Segundo estimativas de Myllyvirta, sem o aumento de 40% nos investimentos em energia limpa de um ano para o outro, em meio à desaceleração do setor imobiliário, o crescimento do PIB seria de 3% em vez dos 5,2% anunciados, demonstrando a importância da estratégia chinesa — e o domínio que terá nos setores relacionados.
A hora chegou. Na última terça-feira (30), o chefe executivo de Hong Kong John Lee apresentou o primeiro documento para consulta pública sobre a implementação do artigo 23 da Lei Básica local. O texto visa proibir atos de traição, insurreição, roubo de segredos de estado e espionagem, interferências externas e sabotagens que coloquem em risco a segurança nacional, complementando a Lei de Segurança Nacional em vigor desde 2020. É a segunda tentativa de implementação do artigo: em 2003, ele foi engavetado após protestos em massa. Críticos da nova empreitada apontam que o documento apresentado nesta semana não é o texto da lei, que termos importantes – como o que seriam críticas “legítimas” e “genuínas” ao governo – não estão definidos, que o período de consulta é breve — 4 semanas, ao invés dos 3 meses de 2003 – e que grupos importantes, como a maior associação local de jornalistas, não foram convidados para a consulta com membros do governo.
Empresário britânico desaparecido na China em 2018 está preso. Ian J. Stones, morador do país asiático desde a década de 1970, não era visto desde 2018. Depois do jornal Wall Street Journal contar sua história na semana passada, o Ministério das Relações Exteriores da China confirmou que Stones foi condenado, em 2022, por atividades de inteligência para empresas estrangeiras. O governo chinês não deu detalhes sobre o processo e prazos. Stones trabalhou para empresas como Pfizer e General Motors.
A China tem trabalhado bastante para consolidar sua presença econômica no Golfo Pérsico. Recentemente o Banco Popular da China e o Banco Central dos Emirados Árabes Unidos fecharam um acordo de troca de moedas no valor de R$26,895 bilhões por cinco anos, diante de um memorando de entendimento para impulsionar moedas digitais e promover o uso do Yuan nas transações financeiras. A Arábia Saudita seguiu o bonde e também assinou um acordo de troca de moedas no valor de R$38,39 bilhões por três anos, que fez com que empresas sauditas fossem listadas na Bolsa de Valores de Hong Kong, na medida em que o país explora a possibilidade de precificar parte de suas vendas de petróleo em Yuan.
Revisão por pares. Pela primeira vez em seis anos, a China passou pela Universal Periodic Review (UPR, ou revisão periódica universal) de direitos humanos. A sessão, ocorrida na terça passada (23), durou 3,5 horas. A UPR é aplicável a todos os países que fazem parte da ONU, e é organizada pelo Conselho de Direitos Humanos em ciclos de 4,5 anos. Nesse processo, os países submetem relatórios e recebem recomendações de outros Estados. Ainda que a China já estivesse sob o governo de Xi Jinping da última vez, algumas coisas mudaram: como as denúncias sobre Xinjiang e a criação da Lei de Segurança Nacional em Hong Kong (de 2020). Ambos os temas apareceram na conversa. A nova revisão demonstra também parte de uma ascensão da influência chinesa da ONU, conforme avalia este texto de Anouk Wear, que cobre as três UPRs pelas quais Pequim já passou (2009, 2013 e 2018). Segundo relatos explicados neste artigo do China File, o governo chinês exerceu pressão em aliados para que peguem leve nas críticas, façam perguntas elogiosas e recomendações vagas, dentre outras coisas.
Norvana. É bem verdade que a série Expatriadas (Expats) não ia ser bem recebida em Hong Kong, onde é ambientada: Nicole Kidman e sua equipe foram poupados do rígido esquema de combate à Covid-19 durante a filmagem; a diretora Lulu Wang demonstrou ignorância sobre a orgulhosa tradição cinematográfica local; a ambientação da série pesou na orientalização; e a tensão política local foi ignorada, o que segundo críticos seria positivo para o governo. Mas o lançamento da série uniu ainda mais tribos à irritação: quem achou que Expatriadas divulgaria algo da cultura local viu Wang assassinar o cantonês, ignorando os aspectos políticos envolvidos no uso do mandarim na cidade, e cenas de divulgação muito fora da realidade. De quebra, o programa sequer está em exibição em Hong Kong – o que pegou mal pro governo, que esclareceu não ter envolvimento. A série está disponível no Brasil para quem quiser conferir.
Superstições ou ideologias? Na última semana, uma análise comparativa sobre as ideologias de jovens de diferentes países revelou uma tendência: mulheres cada vez mais liberais, homens cada vez mais conservadores. Embora a pesquisa não tenha avaliado chineses, o resultado da Coreia do Sul levou a especulações sobre a importância da coesão ideológica para o número de matrimônios e nascimentos na China – extrapolação que especialistas como Leta Hong Fincher criticaram. No entanto, cientistas sociais já identificaram uma crescente adoção de valores de gênero igualitários entre as mulheres chinesas – sem que ocorresse o mesmo entre os homens. A força da diferença ideológica entre chinesas e chineses vai ser posta à prova neste ano: segundo Yuan Xin, vice-presidente da Associação da População da China, casais supersticiosos preferem dar à luz no ano do dragão, o que tornaria seus bebês mais espertos e bem-sucedidos. Não deve ser suficiente para interromper a atual sequência de queda demográfica, mas é mais animador do que o cálculo da Academia de Ciências Sociais de Xangai de que a população pode cair para 525 milhões até 2100.
Literatura: a newsletter Broad and Ample Road publicou um trecho do próximo livro da taiwanesa-estadunidense Grace Loh Prasad. Nele, a autora descreve o clima político em um festival de ano novo lunar no ano 2000, a primeira eleição de Taiwan. Vale o chazinho.
Mais literatura: anunciamos nesta semana os dez livros escolhidos para 2024 pelos participantes do nosso Clube do Livro de Literatura Chinesa. Confira os títulos, leia as obras e venha conversar com a gente na última segunda-feira de cada mês.
Para entrar no clima do clube: Babel está na nossa lista. Antes de lê-lo, aproveite para saber mais sobre a sua autora — R. F. Kuang — ouvindo o que ela tem a dizer sobre ficção científica neste episódio do podcast Conversations with Taylor.
A vida como ela é: o documentário This is life acaba de ser lançado na China. O filme consiste em cenas cotidianas de pessoas comuns extraídas de pequenos vídeos da plataforma Kuaishou. A Sixth Tone falou por telefone com o diretor.
Se liga: este texto de Carolina Souza e Iago Sousa para a Observa China discute a relação Brasil-China do ponto de vista da cooperação técnica no campo das telecomunicações e da assinatura de um Memorando de Entendimento entre os governos dos dois países.
CFP: a revista História da Historiografia está recebendo artigos para o dossiê “Tradições, temporalidade e narrativa na historiografia chinesa”. Até o dia 07 de abril.
China-Latam: acaba de sair o relatório anual do The Dialogue sobre como andam os investimentos chineses na região. A atuação chinesa é relevante há 20 anos, mas algumas coisas vêm mudando, como mostra o documento. Vale um cafezinho para ler.
Uma ilha de gatinhos: Laogang Town recebe felinos de rua de Shanghai.