Fotografia em cores de apresentação em templo chinês assistida por um grupo de pessoas. Uma enorme lanterna de papel representa diferentes dragões chineses.

Foto de Vida Huang via Unsplash.

Edição 289 – O ano do dragão começa generoso

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Economia, Ano Novo Lunar e Jacaré. O feriado prolongado do Ano Novo Lunar marcou números recordes. Os dados oficiais do governo mostram que foram realizadas 474 milhões de viagens domésticas durante os oito dias de folga, um aumento de mais de 34% em relação ao ano anterior. Os gastos com turismo ultrapassaram os níveis pré-Covid, atingindo 442,89 bilhões de reais. Mas nem tudo são flores: os preços ao consumidor marcaram sua maior queda em mais de 14 anos, o que sugere uma uma pressão deflacionária na economia. A China tem registrado desafios econômicos, incluindo deflação persistente, queda nas exportações (pela primeira vez desde 2016) e pressões sobre o setor imobiliário. Entre as medidas adotadas para impulsionar a economia, estão cortes nas taxas de reserva e incentivos para injeção de investimentos no setor imobiliário.

Tá, mas e o jacaré? Uma das pautas de discussão mais quentes do ano do dragão é a tradução da palavra em mandarim (龙, lóng) que representa a criatura. Pequim acredita que seja importante diferenciar o dragão chinês de suas contrapartes em outras culturas, propondo o uso de loong. Existem evidências arqueológicas que sugerem uma conexão do loong com serpentes, enquanto o paleontólogo Yang Zhongjian defende que ele assemelha-se a jacarés. De toda forma, a mídia chinesa aderiu em peso ao novo termo, não sem escapar de críticas e memes

ChatGPTutor. A regulação de aulas extracurriculares e tutoria para crianças resultou em um novo mercado para aplacar a ansiedade dos pais com o futuro dos filhos. Infelizmente não tem a ver com pegar mais leve, mas sim usar tablets específicos para educação turbinados com inteligência artificial, como conta esta matéria da Rest of World. Esse tipo de equipamento educacional deve movimentar 20 bilhões de dólares em 2026. Apesar dos gadgets compensarem por pais que não possuem conhecimento (ou tempo) suficiente para ensinar os filhos, especialistas entrevistados questionam o impacto real dessa nova moda – como a falta de foco e baixa auto motivação das crianças e adolescentes.

Influencer, influenciador, influenzatore, 影响者. Uma pesquisa do Citizen Lab (Universidade de Toronto) revelou a existência de ao menos 123 sites de notícias chineses dedicados a publicar textos favoráveis a Pequim – porém identificados como sites regionais de 30 países e publicados nas línguas locais. Esses sites publicam conteúdos tradicionais, como press releases, curiosidades e notícias (copiadas de sites regionais reais) e, no meio disso, textos políticos, teorias conspiratórias e ataques a opositores. Os sites seriam parte de uma operação conduzida pela Shenzhen Haimaiyunxiang Media Co., Ltd., também conhecida como Haimai, uma empresa de relações públicas. Entre os domínios identificados constam sete sites voltados ao público brasileiro – veja a lista aqui. Pesquisadores expressaram preocupação com o impacto que essas operações de influência chinesa podem ter sobre as eleições estadunidenses desta ano. Procurada pela Reuters, Haimai não se manifestou; já um representante da embaixada chinesa em Washington declarou que o relatório apresentava um viés típico anti-China.

O novo governo da Tailândia, liderado pelo primeiro-ministro Srettha Thavisin, busca mudar o tom das relações com a China. Embora Bangkok e Pequim mantenham laços calorosos, o governo tailandês tem dado passos para reconhecer que é preciso diminuir sua dependência econômica da China, principalmente quando o assunto é turismo. Segundo o premiê, o conceito que guiará as relações internacionais é “omnidirecional”: a Tailândia buscará diversificar suas parcerias internacionais, fortalecendo laços com outros parceiros, como os EUA e a Rússia. Um exemplo da busca pelo equilíbrio entre parceiros comerciais essenciais para o país é a iniciativa da ponte terrestre, ou landbridge, um projeto de mais de 154 bilhões de reais que busca melhorar a conectividade entre os oceanos Pacífico e Índico, incluindo a construção de portos, rodovias e ferrovias, e que está em etapa de captação de recursos.

Mensagens vazadas na última semana trouxeram esclarecimentos para os autores excluídos do Hugo Awards 2023, um dos maiores prêmios literários de ficção científica e fantasia. Em e-mail de junho do ano passado, o diretor do júri Dave McCarty pediu que os avaliadores identificassem obras com foco em assuntos “politicamente sensíveis” na China (sede do evento daquele ano), dando como exemplos China, Taiwan e Tibete . O objetivo declarado era definir quais textos não deveriam ir a votação – como de fato aconteceu com livros de autores como Neil Gaiman, R.F. Kuang, Xiran Jay Zhao e Paul Weimer. Nos e-mails também é possível acompanhar as discussões dos jurados sobre o que seria sensível. McCarty renunciou de seu cargo na organização após os primeiros indícios de adulteração de resultados virem à tona em janeiro. Os responsáveis pela próxima edição pediram desculpas aos autores à comunidade, reforçaram não saber como as decisões foram tomadas em 2023 e se comprometeram a adotar medidas para aumentar a transparência da premiação deste ano, em Glasgow, na Escócia.

Talarico. A proteção da santidade da instituição “casamento” é essencial em um momento de tensão social sobre a união, divórcios e – mais importante – filhos. Um caso recente de adultério envolveu prisão: um homem foi detido por 10 meses por arruinar um “casamento militar” – o traído era soldado no Exército chinês e a legislação prevê prisão por até 3 anos para quem coabitar ou casar com o cônjuge de um(a) militar. A punição, baseada na ideia de que seria imoral se aproveitar da distância quando os militares estão em serviço, repercutiu nas redes, conta o SCMP. Apesar do drama do declínio populacional e da falta de novos pimpolhos, a China está vendo o crescimento no número de casamentos em algumas regiões, revertendo uma tendência dos últimos anos. A ver se isso continua e também se as políticas de incentivo para ter filhos terão efeito.

Polêmicas na ciência. O governo chinês está conduzindo a primeira revisão nacional de retratações e má conduta em pesquisa. As universidades devem apresentar uma lista abrangente de todos os artigos acadêmicos publicados em inglês e chinês por seus pesquisadores nos últimos três anos. A iniciativa foi desencadeada pelas numerosas retratações de artigos de autores chineses e o impacto negativo que elas têm sobre  a reputação acadêmica do país. Uma análise revela que, desde 2021, ocorreram mais de 17.000 retratações envolvendo coautores chineses. 

Já que o assunto é polêmica no mundo acadêmico: o filósofo chinês Li Zehou, falecido em 2021, teve seu cérebro congelado, conforme seu último desejo. Segundo um amigo próximo, Li desejou que seu cérebro fosse preservado por trezentos ou quinhentos anos para testar sua teoria estética, ji dian, de que a estrutura cerebral de cada pessoa é afetada por sua exposição à história e à cultura. Esse pedido gerou polêmica porque a cultura chinesa prega que os cadáveres sejam enterrados íntegros.

Templos do futuro: o crescimento da IA está intrinsecamente ligado ao aumento da coleta e análise de dados. Assim, os data centers se tornam cada vez mais presentes como infraestrutura dos países – causando um grande impacto ambiental. Este texto de Andrew Stokols analisa como a China está apostando na vibe high-tech para criar não apenas prédios funcionais, como também fascinantes obras arquitetônicas.

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E um Ano Novo também: chegou a época da famigerada Gala do Festival de Primavera da CCTV, com seus mais de 1,6 bilhão de espectadores, 5h de duração e sempre pauta nas redes chinesas (por piadas questionáveis ou completamente erradas). O de 2024 parece que foi o melhor dos últimos anos. E acaba sendo um bom jeito de “sentir” as mensagens passadas para o público chinês.

Que seja feliz quem: a Radii China compartilhou esses registros do Ano Novo Lunar em 1946, tiradas pelo estadunidense George Lacks.

Tibete: buscando uma leitura? Em homenagem ao Losar (o ano novo tibetano), Words Without Border resgatou textos de autores tibetanos, como este conto de Pema Bhum e este poema da autora Tsering Woeser.

Entrevista: o pai do rock Cui Jian marcou uma geração rebelde na China. A sua música Nothing to My Name foi o hino na Praça da Paz Celestial na primavera de 1989. Nesta entrevista para o The Wire China, ele fala sobre o poder do rock’n’roll.

 

Urumqi Middle Road é um documentário sobre os protestos em Shanghai após o incêndio que matou 10 pessoas em um prédio em Urumqi, em 2022, durante a política de Covid Zero.

 

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