Imagem em cores de dois satélites na órbita terrestre.

Foto de Kevin Stadnyk via Unsplash.

Edição 313 – As fronteiras chinesas nos Himalaias e no espaço

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Geografia líquida. O jornal The New York Times publicou uma investigação sobre a estratégia chinesa para ocupar (e expandir) fronteiras. Comparando imagens de satélite, fotografias históricas e outros registros, a reportagem identificou o surgimento de mais de uma centena de assentamentos em quase todos os acessos dos Himalaias para Índia, Butão e Nepal. Os vilarejos são rotas de acesso militar ocupadas por civis atraídos por promessas de moradia barata, subsídios, e a oportunidade de fazer bicos patrulhando as fronteiras. Também funcionam para a assimilação de minorias: foi possível identificar 90 assentamentos criados apenas no Tibete desde 2016, uma região que vem oferecendo resistência à integração cultural promovida por Pequim. Uma pequena parte dos assentamentos ocupa áreas disputadas com os vizinhos – em 11 casos, com Butão; em um caso, com a Índia. Segundo pesquisadores consultados pela reportagem, a estratégia se assemelha à postura adotada no Mar do Sul da China. Desde 2020, China e Índia enfrentam ciclos de tensão por questões fronteiriças nos Himalaias.

Vanguarda ou seguidora? No início do mês de agosto, a China colocou em órbita a primeira leva de satélites de seu projeto G60, que visa prover internet ao redor do globo e que deve ser finalizado até 2030 – já falamos sobre ele aqui. Essa rede, que agora conta com seus primeiros 18 satélites (14 mil estão previstos), é operada pela Shanghai Spacecom Satellite Technology, empresa controlada pelo governo central chinês. A mídia na Europa e nos EUA destacaram que a iniciativa é o pontapé para a rivalização com o Starlink de Elon Musk, como esta matéria da CNBC mostra. Contudo, Mary Hui assinalou no The Asymmetric que essa é uma visão limitada do que está sendo feito: segundo ela, o projeto será utilizado pela China para assegurar seu domínio nas redes 6G, a vanguarda tecnológica no setor e vantagens competitivas no longo prazo. Então, não se trataria pura e simplesmente de “provimento de internet”.

Caso de espionagem ou Casos de Família? Em março deste ano, uma investigação contra o crime organizado encontrou vítimas de tráfico humano, quase mil trabalhadores, e evidências de operações criminosas em um terreno na pequena cidade de Bamban, nas Filipinas. Entre os donos dos imóveis, surgiu o nome da então prefeita, Alice Guo. Enquanto a ex-querida líder política é investigada por sua associação com o tráfico de pessoas (que ela nega), uma outra questão é assunto pela cidade: seria Guo uma espiã chinesa? Toda sua história de vida foi revirada: a certidão de nascimento que só foi registrada quando ela já tinha 17 anos; o nome da mãe, que não existe nos cartórios filipinos; e as digitais coletadas em sua filiação política, que foram localizadas em uma base de dados chinesa. A explicação de Guo é de que ela teria sido fruto do caso extraconjugal de um homem chinês com sua empregada doméstica filipina, e levada muito jovem para a fazenda da família da mãe em Bamban, onde foi educada. Atualmente, a ex-prefeita está foragida.

De fora para dentro e de dentro para fora. Este relatório do think tank alemão Merics discute como o controle sobre tecnologia e dados na China não é apenas o famoso barrar ou dificultar a entrada de redes sociais e produtos estrangeiros para (além de outros motivos) incentivar o desenvolvimento nacional. A pesquisa mostra que há também um regime de controle de exportações, incluindo capital, dados, pessoas com habilidades-chave, e propriedade intelectual. Isso se manifesta através da autorização (ou não) de missões científicas de especialistas para outros países e uma aplicação rígida da exportação de tecnologias de importância estratégica, baseada na lei de patentes de 2020. Assim, o governo chinês fortalece o seu peso na economia global ao mesmo tempo em que fragiliza outros países. As conclusões do relatório incluem uma análise sobre como os governos europeus podem lidar com esse cenário e os riscos envolvidos. Em meio a essa discussão, a Bloomberg fez uma matéria sobre a dependência da indústria automobilística europeia de chips chineses.

Tchau, Paris. A Olimpíada de 2024 acabou no domingo, com a China no segundo lugar: atletas do país conquistaram 40 medalhas de ouro, 27 de prata e 24 de bronze, empatando com os EUA no ouro. Porém, sempre dá pra dar um jeito de ficar na frente: apesar de ter ganho somente 40 ouros, o hino chinês foi tocado 42 vezes — como o Copa Além da Copa explicou, por causa de Hong Kong. Além disso, muitos chineses no Weibo comentaram que a China, na verdade, teria ganho 44 medalhas de ouro, somando os dois ouros de Taiwan e os dois de Hong Kong. Agora é você quem decide: foi empate ou não? 

Troças à parte, os jogos também renderam controvérsias sérias sobre questões de gênero. A boxeadora medalhista de ouro Lin Yu-Ting, de Taiwan, sofreu uma campanha de ódio de ativistas contrários aos direitos de pessoas transsexuais (mesmo sem ser uma mulher trans), caso semelhante ao da medalhista de ouro Imane Khelif, da Argélia. Donald Trump, J. K. Rowling e Giorgia Meloni foram algumas das personalidades que atacaram Lin e Khelif sem qualquer base na realidade. Em Taiwan, a reação da maior parte da sociedade foi de exaltar a atleta — inclusive entre representantes dos principais partidos políticos taiwaneses — e milhares se reuniram para ver sua luta final durante a madrugada. Ao retornar à ilha, Lin aceitou convites para se tornar professora universitária e embaixadora nacional contra o bullying. No entanto, ao contrário de Khelif, a boxeadora anunciou que não pretende processar seus detratores.

Pois é: além de todo o trabalho que é virar atleta, as mulheres que decidem por essa carreira ainda passam sufoco por causa do machismo. Este texto do The World of Chinese conta a trajetória da “Sereia Chinesa”, a nadadora Yang Xiuqiong (1919-1982) — a primeira atleta olímpica da então República da China, que competiu na Olimpíada de Berlim em 1936. Yang virou garota propaganda do regime aos 11 anos e foi constantemente objetificada, sofreu na mão dos tabloides e passou por um casamento abusivo. Ela saiu do cenário público depois da guerra, mudou-se para a Tailândia e depois para o Canadá. O livro Sporting Gender:Women Athletes and Celebrity-Making during China’s National Crisis, 1931–45 de Yunxiang Gao (2013) conta a história dela e de outras atletas chinesas. 

Até onde vai a vontade do governo chinês de aumentar a população? Pelo visto, o limite é o empoderamento da mulher solteira. Há seis anos, Teresa Xu teve o procedimento de congelamento de óvulos negado em um hospital por uma equipe médica que afirmou que ela deveria “se apressar em casar e ter filhos”. No começo deste mês, uma decisão da Corte de Pequim entendeu que ela não pode mesmo preservar sua fertilidade. Em transmissão ao vivo, a escritora freelancer de 36 anos disse não ter ficado surpresa com o veredito, ainda que não tenha deixado de lamentar.

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50 anos: a FUNAG lançou uma publicação comemorativa dos 50 anos da relação Brasil-China, compilando 7 artigos e documentos oficiais. O livro tem download gratuito e foi feito em parceria com a UFRJ.

Entrevista: o SCMP entrevistou Yan Xuetong, um dos mais renomados acadêmicos de Relações Internacionais da China, para saber o que ele pensa sobre as eleições nos EUA, as implicações para a questão de Taiwan e os rumos da ordem global. Vale um chazinho.

Leiturinhas: o Paper Republic publicou uma série de contos, poemas e ensaios traduzidos do mandarim para o inglês sobre família e amor.

 

Vídeo do The Paper + Sixth Tone sobre o esforço de um homem em preservar um templo budista do século X em Shanxi

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