Edição 320 – Aniversário de 75 anos em meio a frustrações econômicas
A República Popular da China faz 75. Apesar do feito histórico — mais de sete décadas de PCCh no poder — o clima em Pequim não pareceu muito pra festa. A data nacional da China, comemorada em 01 de outubro, chegou sem grandes festividades do governo. A agência estrangeira AP publicou uma reportagem com os grandes e principais acontecimentos desde 1949, quando os comunistas conquistaram o poder e derrotaram Chiang Kai-shek. Por outro lado, o texto fala das dificuldades do gigante asiático em recuperar a taxa de crescimento econômico ao nível pré-pandemia e muita gente vem se perguntando se a economia chinesa chegou ao “auge” e agora é só ladeira abaixo (ou achar um novo normal). Em setembro, o encontro mensal do Politburo foi sobre a questão econômica atual, como contou o Bill Bishop. A CGTN traz o hasteamento da bandeira em frente à Praça da Paz Celestial como símbolo da celebração em Pequim. Teve ainda, claro, um discurso de Xi Jinping, que focou na unidade étnica chinesa para o progresso da nação — uma sinalização de que considera que a China lida bem com conflitos com minorias étnicas. Esse clima de unidade não ressoou em todo canto: Taiwan deportou dois nacionais chineses após eles tentarem forçar a celebração da data nacional.
Retrospectiva. No sábado (28), completou-se dez anos da Revolução dos Guarda-chuvas de Hong Kong. Esse é o nome dado à ocupação de ruas centrais da cidade por ativistas que pediam o sufrágio universal. O protesto durou 79 dias e foi encerrado após uma repressão policial até então sem precedentes na Região Administrativa Especial. A data foi lembrada por ativistas em posts de redes sociais, jornalistas em veículos de mídia e pelo governo — que enviou forças policiais para cercar alguns dos principais pontos de referência dos protestos. Como contou o Hong Kong Free Press, não carecia de tanto empenho: além da polícia e de jornalistas (que tiveram de apresentar identificação), apenas um ativista apareceu. Uma reportagem do The Guardian publicou depoimentos de honconguenses que viveram a ocupação e relembrou todas as mudanças que se deram depois: os protestos de 2019 (ainda maiores e com mais repressão), a Lei de Segurança Nacional imposta por Pequim em 2020 e a Lei de Segurança Nacional local deste ano, conhecida como Artigo 23. Na terça-feira seguinte à efeméride, no dia 1o de outubro, 400 eventos espalhados pela cidade celebraram os 75 anos da República Popular da China.
Gasto verde. As empresas chinesas de energia limpa estão intensificando seus investimentos no exterior, com planos de gastar cerca de 100 bilhões de dólares em projetos de tecnologia limpa nos próximos dois anos, bem como aumentando a exportação de produtos do setor. O aumento da capacidade interna e as tensões comerciais com os EUA e Europa estão pressionando os fabricantes, levando-os a buscar novos mercados. A China já investiu 676 bilhões de dólares em sua transição energética no ano passado, mais que o dobro de qualquer outro país, consolidando sua posição como líder global em energia limpa. Com fábricas sendo construídas na Europa e além, a aposta é reduzir barreiras comerciais e exportar tecnologia de ponta para o mundo. Um resultado disso é o fato de que a China alcançou sua meta de 1.200 gigawatts de capacidade solar e eólica seis anos antes do previsto, com dois terços dos novos projetos globais sendo construídos no país. No entanto, para sustentar essa liderança e reduzir a dependência do carvão, o governo chinês tem enfrentado o desafio de modernizar sua rede elétrica e criar um mercado de energia mais competitivo.
Em meio à escalada de violência no Oriente Médio, o ministro das Relações Internacionais da China, Wang Yi, aproveitou seu discurso na Assembleia Geral da ONU para condenar ações dos EUA e para pedir o cessar fogo na região. A fala do chanceler não pareceu, até aqui, ter muito efeito, já que a invasão territorial de Israel ao Líbano se materializou, gerando reações do Irã, que disparou mísseis contra alvos militares em Tel-Aviv. O governo de Benjamin Netanyahu decidiu ainda declarar o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, persona non grata. A tentativa de uma outra negociação de paz liderada pela China e pelo Brasil — desta vez no conflito Rússia-Ucrânia — gerou outra reação em Nova York, com críticas de Volodymyr Zelensky.
Cadeia crítica e desaceleração. A China segue mantendo sua liderança na cadeia de suprimentos de minerais essenciais, como o grafite — essencial para tecnologias de baterias. O controle da cadeia de produção desses materiais tem afetado diretamente indústrias que buscam diversificar fornecedores, mas encontram obstáculos devido à capacidade única da China de oferecer produção em larga escala e a preços competitivos. Apesar da alta competitividade, as vendas de veículos elétricos (EVs) chineses na Europa caíram 48% em agosto, resultado das tarifas da União Europeia sobre EVs chineses. Para deixar tudo ainda mais nebuloso, nesta sexta-feira (04), os países da União Europeia aprovaram, dentro do Comitê de Defesa Comercial, tarifas de até 36,3% sobre carros elétricos chineses, alegando que os subsídios ao setor têm prejudicado a concorrência dos países membros.
Como se preparar para o pior? Apesar da frequência de eventos climáticos extremos na China, o número de pessoas e empresas que possuem seguro contra catástrofes é ainda pequeno no país. Para quem faz a conta na ponta do lápis, o cenário pode causar surpresa: De 1989 a 2018, a China teve perdas no valor de 1,7 trilhão de dólares (cerca de 9 trilhões de reais) em razão de enchentes, terremotos e secas, sem contar as milhares de vidas perdidas. Então por que os seguros não são tão comuns? As barreiras se encontram tanto do lado do consumidor quanto das seguradoras. Da primeira parte, muitas pessoas não podem bancar o seguro ou sequer sabem da existência deles. Já das seguradoras, há uma dificuldade de cobrir eventos extremos que causam grandes perdas financeiras. Mas nem tudo está perdido: como conta Niu Yuhan para o Dialogue Earth, diversos governos locais estão entrando na equação e adquirindo seguros catástrofe em nome da população, ao invés de esperar contratações individuais. Mais de 270 milhões estão seguradas via esse método.
A semana de ouro. Como sempre, a Golden Week (que pega o feriado do dia 01 de outubro) é motivo para pauta de viagem por ser um raro momento de férias para muitos chineses, que também aproveitam para migrar para suas cidades. A Sixth Tone trouxe um texto sobre os destinos mais procurados por viajantes de cidades menores, que agora somam 40% daqueles fazendo viagens internacionais longas — processos de vistos facilitados ou até o fim de exigência de vistos ajudaram o pessoal, que indica ter uma flexibilidade maior para se organizar e faz reservas com antecedência. Um relatório da Goldman Sachs também mostra um interesse por explorar destinos fora da Ásia, como Europa e América Latina.
Tons Terrosos: A nova tendência de moda na China, inspirada nas formações geológicas dos yardangs do Deserto de Gobi, está conquistando milhões com seus tons terrosos e o estilo 雅丹风 (Yardang Style).
IA: as preocupações do governo chinês com a segurança ligada ao desenvolvimento de Inteligência Artificial é cada vez mais crescente, como mostra esse texto do Carnegie Endowment.
Dilma: Xi Jinping entregou à Dilma Rousseff a Medalha da Amizade, a mais alta honraria da China para estrangeiros, destacando-a como uma “velha amiga” da China, durante a cerimônia que celebrou os 75 anos da República Popular.
Livro: falando em minorias étnicas, a Dissent Magazine publicou uma crítica sobre três livros recentes que falam da situação em Xinjiang, inclusive a partir de vozes de uigures.
No Brasil, o (cada vez mais difícil de achar) orelhão foi criação de uma arquiteta chinesa, a Chu Ming Silveira. Este vídeo da Sixth Tone conta sobre a última cabine de telefone público de Shanghai (mas não é um orelhão).