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Edição 338 – Em meio às Duas Sessões, China revida tarifas do EUA

Política e economia

Duas Sessões: mais do mesmo ou sinal de mudanças? Como de costume, aqui na Shūmiàn a gente sempre acompanha as Duas Sessões na China, que dão o tom das direções políticas e econômicas do país. O discurso de abertura de Wang Huning, membro do Politburo do PCCh e presidente do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), reforçou a necessidade de unidade partidária e o avanço das diretrizes do governo. 

Na agenda para 2025, o foco segue sendo consolidar o alinhamento ideológico, aprofundar reformas econômicas e impulsionar a modernização chinesa. Além disso, um dos pontos quentes do evento é o aumento das tensões comerciais com os EUA, especialmente após a imposição de novas tarifas por Washington. Pequim respondeu com medidas próprias, incluindo sobretaxas a produtos agrícolas americanos e a inclusão de empresas dos EUA em sua lista de “entidades não confiáveis”. Com os desdobramentos da guerra comercial e a crescente disputa pela narrativa internacional, a China vem reforçando o discurso de abertura econômica para parceiros estratégicos enquanto endurece a retórica contra os Estados Unidos.

Incidentes no Estreito de Taiwan. Na última semana de fevereiro, farpas foram trocadas entre o governo da China continental e de Taiwan. Enquanto Wang Huning, membro do Politburo do PCCh, reforçava a necessidade de Pequim manter a iniciativa com relação à reunificação do país, Taipei condenava a realização de exercícios militares aeronavais por parte da China continental a cerca de 40 milhas náuticas (cerca de 75 km) da região costeira taiwanesa com o uso de munições reais. Essa movimentação aconteceu na esteira da detenção em Taiwan de um navio tripulado por chineses do continente acusados de romper cabos de telecomunicação submarinos. Pequim negou as acusações e afirmou que o governo taiwanês está se precipitando em suas conclusões. Nos últimos meses, o número de cabos submarinos conectados a Taipei apresentando problemas ou rompidos cresceu bastante: enquanto em 2024 foram três incidentes do tipo, nos dois primeiros meses de 2025 já são cinco ocorrências.

Internacional

Na mesma moeda. A China decidiu responder com tarifas ao aumento de tarifas anunciado pelos EUA.  Como esperado, na última terça (4), os EUA dobraram para 20% as tarifas sobre produtos chineses. Em resposta, os ministérios das Finanças e do Comércio da China adicionaram tarifas a produtos agrícolas e alimentos importados dos dos EUA, com aplicação válida a partir de segunda (10). A medida foi anunciada com um tom firme e claro de que Pequim seguirá respondendo às medidas de Washington a cada vez que houver uma intensificação na guerra comercial. Entre os produtos estadunidenses  que serão afetados estão algodão, carnes bovina e suína,  frango, milho, sorgo e soja. 

Em plena madrugada, em Bangkok, no dia 27 de fevereiro, caminhões não identificados deram os primeiros sinais: ao contrário do que afirmava a órgãos internacionais, a Tailândia estava deportando para a China 40 uigures em busca de asilo no país há uma década. Poucas horas depois que um voo não programado da China Southern Airlines partiu para Xinjiang, o Ministério da Defesa tailandês confirmou a operação, afirmou que Pequim garantiu cuidar dos deportados e que o procedimento foi feito de acordo com as leis locais e princípios internacionais. As Nações Unidas e órgãos de defesa dos Direitos Humanos reprovaram a deportação.

Segundo reportagem da Reuters, Canadá, Austrália e os Estados Unidos teriam se oferecido para receber os uigures; no entanto, o governo tailandês teria receio de retaliações chinesas caso optasse por essa resolução, conforme declarou nesta sexta-feira (7) o Vice-ministro das Relações Exteriores Russ Jalichandra. As possíveis formas de retaliação não foram explicitadas. No dia seguinte à deportação, a chinesa ByteDance anunciou que investirá 8,8 bilhões de dólares na Tailândia nos próximos cinco anos.

Viver com medo é o plano declarado de Hong Kong para seus exilados políticos há pelo menos dois anos. E está dando certo, como revelou um episódio recente no Reino Unido, no município de Maidenhead, onde mora a ativista Carmem Lau: seus vizinhos receberam envelopes com uma foto de Lau, uma descrição de sua aparência, a informação da existência de um prêmio de um milhão de Hong Kong dólares (ou em torno de 160 mil libras) por sua captura e os meios para contatar a polícia da região administrativa especial (RAE) – ou a embaixada chinesa local. Lau afirmou para a estadunidense NBC News que tem receio de retornar ao seu endereço em Maidenhead e que considera mudar-se. Segundo outra reportagem sobre o caso, da britânica SkyNews, o ativista honconguense Tony Chung também teria sido vítima da mesma operação em seu bairro. Ainda segundo a matéria, um grupo de parlamentares ingleses estaria buscando apoio político para oferecer proteção adequada para os exilados da ex-colônia britânica. Como contamos há duas semanas, Pequim tem usado diferentes estratégias para pressionar ex-ativistas vivendo em outros países. Segundo declaração de um representante do governo de Hong Kong, não são enviadas cartas anônimas, mas todos os meios legais serão explorados para retornar os fugitivos à RAE.

Sociedade

Predominância do Mandarim. Nós amamos um tema linguístico por aqui e por isso recomendamos esta edição da revista digital Global China Pulse, que traz uma reportagem sobre a predominância do Mandarim. O debate é extenso e rico em detalhes: o mandarim vai predominar outras línguas faladas na China? Qual a extensão do poder que o governo tem para influenciar o uso da “língua comum”? — numa tradução direta da palavra putonghua, como mandarim é chamado em mandarim. Se você também se interessa pelo tema, segura nossa mão e pode entrar na toca do coelho. A gente resgatou ainda esta memória da newsletter para você lembrar de outras vezes que o tema linguístico apareceu por aqui. 

Até que as tarifas nos separem. Conhecida como um dos principais polos mundiais na produção de vestidos de noiva, a cidade de Chaozhou enfrenta um cenário econômico cada vez mais desafiador. O trabalho artesanal de bordado manual, tradicionalmente passado de mãe para filha, está em risco à medida que a nova geração de mulheres busca oportunidades fora das fábricas. Para piorar, com 90% da produção voltada para o mercado externo, a indústria local tem agora que lidar também com as tarifas crescentes dos EUA e a concorrência acirrada do Sudeste Asiático. Enquanto algumas fábricas tentam se manter apostando no segmento premium, outras veem na migração para o mercado doméstico uma saída — ainda que tenham que enfrentar Suzhou, referência na produção de vestidos para o público chinês. No fim, o futuro do setor dependerá de como as políticas comerciais e a economia global vão se desenrolar nos próximos anos.

Novas gerações sob a lupa. O autor do livro Rethinking China’s Rise (Repensando a ascensão chinesa), Xu Jilin — um dos mais proeminentes pensadores chineses — publicou recentemente sua nova obra, o livro 前浪后浪 (“Ondas do passado e do futuro” em tradução livre) sobre a evolução do pensamento de intelectuais chineses entre 1860 e 1940 e a origem e desenvolvimento de escolas de pensamento modernas do país. Xu traça paralelos com as mudanças daquela época com a atual e, em entrevista para o Tencent Research Institute, analisou as gerações Z e Millennial chinesas. Segundo o autor, as novas gerações são fundamentalmente diferentes de seus predecessores, na medida em que sejam mais individualistas e não demonstram interesse nas “grandes narrativas” da China nem em políticas — seria uma geração composta por indivíduos apáticos e com um sentimento de vazio. Entretanto, Xu ressalva que as novas gerações não colheram os frutos do crescimento econômico chinês e provavelmente serão as primeiras a enfrentar condições sociais e econômicas iguais ou piores a de seus pais e que, por isso, merecem compreensão e apoio. A entrevista foi disponibilizada em inglês pela Sinification e vale um bule de chá.

Zheng He

Promessas: este post da Sixth Tone conta sobre seis empresas promissoras da área de tecnologia de Hangzhou – os “pequenos seis dragões”.

Premiação: o chinês Liu Jiakun recebeu o Pritzker, maior prêmio da arquitetura mundial, por um projeto conhecido como Vila do Oeste, em Chengdu. Confira outros projetos importantes de Liu. Ele é o segundo chinês a receber o prêmio (o outro é Wang Shu). 

Xenofobia: a edição mais recente da The New Yorker resgatou uma história de 1885, quando habitantes da cidade Rock Springs, no Wyoming, mataram dezenas de vizinhos chineses.

 

Um recado da bailarina Tan Yuanyuan neste 8 de março.

 

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