Edição 327 – Mais um ministro da Defesa sob investigação na China
Mais drama com militares? Calma, não estamos falando do Brasil. O cargo de ministro da Defesa parece estar amaldiçoado. Após o sumiço e posterior demissão de Li Shangfu no ano passado e a expulsão de dois ex-ministros do Partido por corrupção em junho, o atual titular da pasta, ministro Dong Jun também está no centro de uma investigação. Segundo a Reuters, a partir de investigação do Financial Times, o caso – ainda não confirmado pelo governo chinês – teria conexões com as descobertas sobre corrupção na divisão de mísseis chineses, a mesma que levou à queda de Li Shangfu.
Sussurros econômicos. A China redesenha sua abordagem econômica, conciliando estímulos de curto prazo e sustentabilidade de longo prazo em um cenário de pressões internas e externas. Recentemente, Pequim anunciou um pacote de estímulo fiscal de CN¥10 trilhões (cerca de R$ 8 trilhões) para reestruturar dívidas de governos locais e aliviar sua carga financeira. No pano de fundo, um seleto grupo de economistas – os “conselheiros econômicos”– influencia as políticas econômicas do país, destacando estímulos de curto prazo com reformas estruturais que priorizem inovação tecnológica, estímulo ao consumo doméstico e maior abertura econômica.
Pecando pelo excesso? A China enfrenta críticas do Ocidente por seu suposto “excesso de capacidade” em setores verdes como energia solar, veículos elétricos e baterias de lítio. Enquanto Estados Unidos e União Europeia endurecem tarifas, citando concorrência desleal e subsídios excessivos, especialistas veem nesse excedente uma oportunidade para acelerar a transição energética global, com destaque para o Sul Global.
A“sobra”chinesa pode ser uma solução estratégica. Países como África do Sul e Paquistão têm importado volumes crescentes de tecnologia solar chinesa, enquanto especialistas apontam que a transferência de fábricas para o continente africano poderia impulsionar o desenvolvimento industrial e aproveitar acordos comerciais favoráveis com EUA e a UE. Além de beneficiar economias locais, a estratégia abriria novos mercados para a China.
Trabalho forçado em foco. Xinjiang segue nos holofotes internacionais, com novas sanções dos EUA e empresas chinesas acusadas de violações de direitos humanos. A mais recente atualização adicionou 29 empresas chinesas à lista de sanções sob a Lei de Prevencao de Trabalho Forçado dos Uigures, elevando para 107 o número de empresas proibidas de exportar para os EUA. Entre elas estão players dos setores de alumínio, agricultura e metais raros, acusados de colaborarem com autoridades chinesas no recrutamento e transferência de trabalhadores uigures.
Não por acaso, a Volkswagen anunciou sua saída de Xinjiang, encerrando uma presença de mais de uma década. A empresa enfrentou críticas globais por manter operações na região, considerada epicentro de repressão contra minorias muçulmanas. Além das questões éticas, fatores econômicos pesaram na decisão: a queda na demanda por veículos a gasolina e a rápida transição da China para veículos elétricos tornaram a operação financeiramente inviável.
Mais alguns capítulos na guerra contra a literatura. O site What’s on Weibo publicou uma atualização sobre a eterna disputa entre leitores chineses de textos eróticos e a censura online. A vítima da vez é o site Haitang Literature City, agregador de publicações cujo gênero de maior apelo é o romance entre meninos, e o maior público e autoria são de mulheres. Desde o início do ano, autoras vêm sendo presas e obrigadas a abrir mão do dinheiro recebido por seus textos nos últimos dez anos. Não é apenas a literatura erótica ou digital que está enfrentando dias difíceis: neste ano, apenas uma obra original de Taiwan foi publicada na China continental, como conta o South China Morning Post. Isso porque, em 2019, a Administração Nacional de Imprensa e Publicação estipulou que todo livro que reflita “assuntos econômicos, políticos, históricos, culturais e sociais de Taiwan” necessita de aprovações adicionais. Nos três anos anteriores à mudança, ao menos 70 obras haviam sido publicadas. E nenhum leitor está acima de suspeitas: membros do PCCh estão vendo sua lista de leituras usada como argumento para expulsão, como reportou o jornal britânico The Guardian.
Borboleta azul. O sucesso do que parece ser o substituto do X/Twitter tem preocupado o governo da China, conta o Semafor. O drama é que a mídia estatal chinesa investiu significativamente para fazer da rede de Musk um dos principais pontos de comunicação fora da Grande Firewall, utilizando recursos em anúncios e influenciadores. Para ter uma ideia, a conta da CGTN tem quase 13 milhões de seguidores no X (comparado a menos de 900 no BlueSky). Vale ler a análise sobre a ascensão das redes sociais para a mídia estatal, escrita por um ex-funcionário da Xinhua.
Tātātā: Este fio do pesquisador Zev Handel no Bluesky explica como a terceira pessoa do singular no mandarim ganhou e perdeu gênero ao longo do último século.
Literatura: A revista Granta dedicou sua edição de outono à Literatura Chinesa – vale passar o cafezinho e se dedicar à leitura.
Entrevista: no Made in China Journal, uma conversa com Pang Laikwan (professora da Universidade Chinesa de Hong Kong) sobre o conceito de soberania na China em suas diferentes fases históricas e as tensões com uma sociedade plural.
Do lixo ao luxo: o artista Lao Zhao era uma pessoa em situação de rua e passou a trabalhar em um centro de reciclagem – a partir daí ele decidiu fazer arte com o que aparecia de descarte, inclusive inspirado em Mad Max.
Ma Siwei, um dos maiores nomes do rap chinês, explora as raízes industriais de Henan no clipe de “工厂” (“Fábrica”). O vídeo mistura visuais impactantes com batidas marcantes, capturando as tensões entre tradição e modernidade da região.