
Foto de Owen Farmer via Unsplash.
Edição 340 – Execuções abalam a relação entre China e Canadá
Dois pra lá, dois pra cá. Acabaram as Duas Sessões, aquele momento-chave em que a China define os rumos políticos e econômicos do ano, e o China Briefing publicou um resumo das principais conclusões. O foco segue firme na combinação entre estabilidade econômica e inovação tecnológica, com a palavra de ordem sendo “modernização”. O planejamento orçamentário de 2025 prevê aumentos significativos nos investimentos em ciência, indústria e educação, com destaque para os New Quality Productive Forces — um conceito de origem marxista que ganhou ainda mais tração neste ano como aposta para destravar o crescimento via tecnologia. Na área legislativa, o foco está nas reformas de leis estratégicas como a de cibersegurança, comércio exterior e até uma nova Lei de Promoção da Economia Privada, voltada a criar um ambiente mais justo para empresas nacionais e estrangeiras. Xi Jinping insistiu na necessidade de alinhar educação, talento e inovação para transformar a base produtiva do país. Em resumo: o discurso é de abertura e modernização, mas com o Partido sempre no centro.
Mais baixa nas tropas do topo. A campanha anticorrupção de Xi Jinping no alto escalão militar chinês fez mais uma vítima: o general He Weidong, membro da poderosa Comissão Militar Central, foi detido por “crimes não especificados”. Antes dele, o almirante Miao Hua já havia sido afastado por “graves violações de disciplina”. As investigações se somam a uma série de medidas administrativas envolvendo até figuras-chave do setor de aviação – como os designers do caça J-20, símbolo da modernização militar chinesa. Embora o objetivo seja garantir uma liderança leal ao Partido, as sucessivas caças às bruxas são vistas com preocupação, uma vez que podem inibir a capacidade de iniciativa dos comandantes e abalar a prontidão das tropas.
Execução. Quatro cidadãos canadenses foram executados pelo governo chinês no início deste ano. Eles tinham dupla nacionalidade e receberam a pena de morte pois a legislação chinesa impõe “zero tolerância” a crimes relacionados com drogas. Criticando a execução, o Ministério das Relações Exteriores do Canadá afirmou que o caso já havia sido até levado ao alto escalão do governo, o primeiro-ministro Trudeau, e que o governo segue tentando resolver ocorrências similares.
O ex-diplomata Michael Kovrig comentou a execução e a complexidade dessa relação bilateral em aparições na mídia Canadense. Se esse nome não te é estranho, você provavelmente acompanhou o drama do “caso dos dois Michaels” (Kovrig eSpavor) que ficaram presos por quase 3 anos na China, condenados por espionagem no mesmo período da prisão de Meng Wenzhou (herdeira da Huawei) no Canadá. Segundo Kovrig, as relações bilaterais não melhoraram desde que ele foi solto em 2021.
Desastre ambiental. Na Zâmbia, no final de fevereiro, rompeu uma grande barragem de uma mina de cobre pertencente à Sino-Metals Leach Zambia, empresa controlada pela estatal chinesa China Nonferrous Metals Industry Group. Cerca de 50 milhões de litros de dejetos, incluindo ácido concentrado e metais pesados, contaminaram parte da bacia do rio Cafué e foram detectados a mais de 100 km de distância do local do acidente, preocupando ambientalistas e o governo zambiano, que temem uma catástrofe para o país, onde 60% da população depende do rio para sua subsistência. Nos últimos anos, empresas chinesas, que dominam a mineração no país africano, vêm sendo criticadas por sua atuação devido a acusações de graves violações de direitos trabalhistas e ambientais. Os problemas da mineração também são sentidos em outros cantos do mundo: no Camarões, o avanço de um projeto de extração de minério de ferro em larga escala está acendendo muitos alertas na população local.
A Origem. A controvérsia sobre a origem da Covid-19 voltou com força. No sábado 16 de março, um artigo no New York Times da socióloga e colunista Zeynep Tufekci argumentou que fomos induzidos ao erro: novos documentos, investigações e até revisões de agências como a CIA e o Departamento de Energia dos EUA indicariam que a hipótese de vazamento laboratorial nunca foi tão plausível. O foco recai sobre o Instituto de Virologia de Wuhan, que teria conduzido experimentos arriscados sob padrões de segurança questionáveis — incluindo testes com vírus de morcegos em células humanas, sob condições classificadas apenas como “BSL-2+”. O artigo causou muitos novos debates, é claro, mas a hipótese de que o vírus teria surgido naturalmente em um mercado em Wihan ganhou reforços ainda no final de 2024.
Músicos ou influenciadores? O prêmio de Melhor Músico de Rock concedido ao rapper Lil Ghost em 2024 pelo Chinese Music Center gerou polêmica entre os fãs de rock, que não consideram o som do artista rock, mas sim algo mais próximo do pop. Essa controvérsia reflete uma mudança mais ampla na cena do rock na China, onde bandas famosas na internet, impulsionadas pelas redes sociais e reality shows, ignoram fronteiras entre gêneros musicais. Essas novas bandas — frequentemente criticadas por priorizarem a imagem e a comercialização ao invés da qualidade de sua música (algumas sequer lançaram álbuns completos) — tornaram-se extremamente populares, dominando os principais festivais (que estão se tornando cada vez maiores) e atraindo um público jovem influenciado pela cultura idol. Essa comercialização tem marginalizado os artistas de rock tradicionais, já que casas de show e gravadoras passaram a priorizar músicas grudentas que fazem sucesso em plataformas de vídeos curtos. Lá como cá, à medida que as raízes alternativas do rock se desgastam, surge um conflito geracional, com fãs mais antigos lamentando a perda de autenticidade, enquanto o público mais jovem abraça uma versão mais polida e mainstream do rock. Essas mudanças na cultura e indústria musicais chinesas foram assunto na reportagem de Moren Mao para a Radii — e a leitura vale um chazinho.
Filmes: com o fim das locadoras e a dependência dos streamings, é difícil achar alguns clássicos do cinema chinês moderno. Mas fique com esta lista de cinco filmes do diretor Lou Ye que são imperdíveis. No ano passado, o Festival do Rio exibiu duas obras de Lou. O filme Suzhou River (Os Amantes do Rio) está disponível no Mubi Brasil.
Literatura: é de 2012, mas ainda vale conferir a série de conversas e textos (de ficção ou não) que o Words Without Borders publicou de autores chineses que têm trabalhos banidos no país, incluindo uma entrevista com Yan Lianke e um texto da professora da Beijing Film Academy Cui Weiping.
Moda: talvez também estejamos obcecados por aqui com a jaqueta da Adidas lançada na China para o Ano Novo Lunar. Feita para imitar o estilo da jaqueta Tang, um tipo de roupa tradicional que tem inspiração de origem manchu (e não da Dinastia Tang), ela está sendo vendida exclusivamente na China.
Conheça Shi Wei, a primeira chinesa a competir na F1 Academy, um campeonato criado em 2023 com o objetivo de preparar pilotas iniciantes para níveis mais altos de competição.