Edição 374 – Gastos públicos diminuem, e cresce o ceticismo sobre o PIB chinês

China diminui gastos internos. O Ministério das Finanças divulgou que o gasto público chinês despencou em outubro: uma queda de 19%, a maior desde 2021. O recuo atingiu investimentos, infraestrutura e políticas anticrise, justamente os motores que sustentam o crescimento nos momentos de vacilo econômico. A sensação entre analistas é que Pequim está guardando munição para 2026, enquanto apenas para tapa buracos de dívidas acumuladas. Em paralelo, cresce outro incômodo, ao qual o ex-membro do banco central chinês Gao Shanwen já havia dado voz há mais de um ano: a pouca credibilidade dos números oficiais. Uma reportagem do Financial Times desta quarta-feira (18) agregou as dúvidas de diversos analistas da economia chinesa a respeito da consistência do PIB, da taxa de investimento e de séries inteiras de dados que desapareceram sem explicação. A combinação é curiosa: menos gasto real, mais otimismo estatístico. Como resumiu um analista em Shanghai: “a economia esfria, mas os números continuam de camisa de manga curta”.
No fim, o Cinturão e Rota também chegava em Seattle. Ainda sobre gastos, um novo levantamento do AidData desmontou uma das narrativas mais repetidas sobre a influência global de Pequim: a ideia de que os mais de R$11 trilhões que a China emprestou ao mundo desde 2000 foram destinados sobretudo ao Sul Global. O relatório mostra que, enquanto a Iniciativa Cinturão e Rota levou ferrovias à Indonésia e portos ao Sri Lanka, o outro braço do financiamento, conduzido pelos gigantes estatais Bank of China e Agricultural Bank of China, avançou sobre setores estratégicos em países ricos: semicondutores, infraestrutura crítica, data centers, energia e até operações de fusão e aquisição de empresas de robótica e biotecnologia. Na verdade, nenhum país recebeu mais financiamento chinês do que os Estados Unidos, que somam cerca de R$1,1 trilhão em linhas de crédito para empresas como Amazon, Disney e Boeing e até projetos de infraestrutura energética. A conclusão é menos sobre “generosidade chinesa” e mais sobre estratégia.

Na década de 60, quando o Brasil vivia seus primeiros anos de uma ditadura, um grupo de cidadãos chineses foi preso de forma arbitrária e submetido a tortura. Agora, passados mais de 60 anos, o Superior Tribunal Militar brasileiro decidiu arquivar o processo. A medida tem caráter simbólico, já que as vítimas regressaram à China em 1965, um ano após terem sido detidas pelo regime militar. Porém, o assunto mereceu destaque na Folha de S.Paulo, que destacou o caráter anticomunista daquele momento histórico, e no South China Morning Post. Entre jornalistas da agência Xinhua e estudantes, os cidadãos foram investigados sob a “criativa” justificativa de que agulhas de acupuntura seriam usadas para assassinar o então governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda. De volta à China, os detidos relataram a invasão brutal da polícia à casa onde viviam e a tortura a que foram submetidos. Com o arquivamento, o STM põe fim a uma pendência burocrática a um episódio deplorável de nossa história que alguns hoje fingem não se lembrar.
Pausa no causo Nexperia. Na quarta-feira (19), o ministro das relações exteriores holandês Vincent Karremans anunciou o cancelamento da intervenção de seu governo sobre a fabricante chinesa de chips Nexperia, sediada no país. Em vigor desde outubro, a medida levou a China a interromper a exportação de chips da fabricante para a Europa, impactando a produção de automóveis europeus. A reversão foi decidida após negociações entre os dois governos, às quais Pequim se referiu como um primeiro passo na direção de uma resolução adequada para o caso. O episódio reforça o papel central da China no suprimento de componentes fundamentais para a indústria tecnológica ocidental – um cenário muito diferente do que acontecia há apenas cinco anos.
A reunião de Cúpula do G20, realizada em Joanesburgo, na África do Sul, teve como um dos pontos de destaque o aumento das tensões entre China e Japão. O histórico dos vizinhos não é dos melhores, mas um novo episódio de desentendimento começou após a recém-eleita primeira-ministra japonesa Sanae Takaichi ter falado que qualquer ameaça a Taiwan significaria uma ameaça ao Japão. A fala, no início do mês, desencadeou em uma série de pequenos incidentes. Pequim e Tóquio convocaram seus embaixadores no Japão e China, respectivamente, a China suspendeu a compra de frutos do mar do Japão e, mais recentemente, uma foto do líder taiwanês comendo sushi fez com que representantes da China e do Japão não se encontrassem durante a cúpula do G20. Como se não bastasse, quase meio milhão de passagens para voos da China para o Japão foi cancelado depois que Pequim instruiu a população a evitar voar para o país vizinho.

Quando a esmola é muita… Jovens chineses afetados pelo desemprego crônico se tornaram uma presa fácil para golpistas que prometem trabalho sem exigir experiência e com bons pagamentos, alguns até diários. Uma reportagem veiculada pela CCTV — principal canal de notícias da China — e replicada pelo Sixth Tone conta como Chengdu, capital da província de Sichuan, já contabiliza mais de 40 jovens que caíram nesse tipo de golpe. Os relatos são parecidos, ainda que envolvam trabalhos distintos; o que há em comum entre eles é que o primeiro passo para quem se candidata é o pagamento de treinamentos nada baratos, alguns chegando a quase 10 mil yuans. Depois de se submeterem aos cursos, os postulantes descobrem que a remuneração e o trabalho não se assemelham em nada com o prometido, e alguns precisam pagar dívidas antes de pedir demissão.
Gucci who? De forma não tão diferente do que está acontecendo com o café, o mercado de luxo na China vê um fortalecimento das marcas locais, e de forma semelhante é também puxado pelas novas gerações com hábitos de consumo diferentes. Análises recentes publicadas em veículos de mídia ocidentais comentaram o fato, incluindo como a identidade e a narrativa voltada ao público chinês se mostraram chave para o sucesso. As marcas estrangeiras seguem tentando algo parecido para impressionar o mercado doméstico da China, como o gigantesco navio-experiência The Louie em Shanghai. Uma das questões atraentes das marcas também é o preço – caro, mas não tão caro quanto as internacionais. Um destaque é a Mao Geping (de maquiagem), que no ano passado tornou milionário o seu dono de mesmo nome. Vale ver essa análise na Bloomberg.

Recibos: você faz parte das pessoas que pegam ou rejeitam recibos? Pois se você frequentar lojas de chás gelados da China (aqueles com leite), vale a pena pedir o recibo e ler o que tem nele. Empresas do setor começaram a imprimir fanfictions neles, e tem gente lendo!
Wong Bar Wine: um bar chinês misterioso em Hanoi junta duas paixões que, de cara, não têm muito a ver: o cinema de Wong Kar-Wai e vinho. Vale ler a resenha sobre o estabelecimento no Cha Journal e ver este vídeo no TikTok.
Arte: Jingdezhen é a capital da porcelana chinesa. Em 2023, o tatuador e Keon se mudou para lá e começou a misturar as duas coisas.
Guia: em clima de COP30, a Observa China lançou um guia sobre a China e a governança climática internacional.
Não é só de chá que vivem os chineses aficionados por cafeína: neste vídeo, é possível conhecer o parque criado na primeira plantação industrial de café do país, na cidade de Xinglong, província de Hainan. Esta reportagem da Sixth Tone explora a tradição cafeeira da cidade, fundada em 1956 para receber chineses que retornaram ao país após a fundação da República.
