Desde o anúncio das novas sanções dos Estados Unidos à Huawei, tem crescido a preocupação de uma ação de Pequim em Taiwan para ter o controle da TSMC, empresa com a tecnologia mais avançada em microchips e semicondutores do mundo. Com as novas medidas, não é apenas a Huawei de Ren Zhengfei que fica em uma situação difícil; a China não possui uma indústria robusta de microchips e semicondutores —  instrumentos essenciais para a quarta revolução industrial.

A apreensão aumentou nessa semana após fotos de satélite mostrarem réplicas do prédio presidencial de Taiwan como um campo de treinamento em uma instalação militar chinesa. A Base de Treinamento de Zhurihe — localizada na Mongólia Interior — foi criada em 1957 pelo PLA (Exército de Libertação Popular) e hoje é conhecida como uma instalação destinada ao aperfeiçoamento em batalhas “hi-tech”.


E as Duas Sessões se encerraram na quinta-feira passada. Reunindo 5 mil pessoas em Pequim, muitas de máscara (a alta liderança não tanto), o evento trouxe grandes novidades para o país. Como já contamos por aqui, o governo não estabeleceu uma meta para o PIB, mas outros pontos importantes surgiram: ênfase no desenvolvimento socioeconômico das províncias e regiões ao oeste e nordeste de Pequim, facilitar o investimento estrangeiro na China, e colocar a redução da pobreza no centro da discussão, enfatizando alcançar a erradicação da pobreza antes de 2030, a data estipulada pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. O primeiro-ministro Li Keqiang anunciou, no encerramento, um pacote de 4 trilhões de yuan para empresários e fábricas, de modo a garantir geração de empregos nesse período de pós pandemia.

Outro grande destaque foi o lançamento do primeiro código civil da China moderna, que entrará em vigor no dia 1 de janeiro de 2021, e está em elaboração desde 2014. Ele incorpora legislação sobre direitos individuais, direitos de propriedade, direito à privacidade, casamento e divórcio, herança, dentre outros. Muitas das leis já estão de fato vigentes, mas é um passo importante para o país.

A controversa legislação de segurança nacional para Hong Kong apresentada pelo governo central também marcou a ocasião, e o assunto segue rendendo. Dessa vez, a Casa Branca informou o congresso estadunidense de que, em seu entendimento, a região administrativa especial perdeu sua autonomia frente à China continental. A decisão, para além de agitar ainda mais os ânimos entre as duas superpotências, desperta o temor quanto a possíveis sanções por parte da administração Trump tanto contra Hong Kong quanto contra o restante da China.

A despeito da pressão, porém, é improvável que Pequim recue. A nova legislação é fruto de um longo processo histórico agravado pelas turbulências políticas em Hong Kong no ano passado. Sua aprovação, mais do que mero sinal de força, sinaliza com clareza a mensagem de que contestações à soberania chinesa sobre a cidade não serão toleradas — mesmo que essa postura mais rígida custe a Hong Kong sua posição de proeminência econômica e financeira mundial.

Em uma conferência de imprensa, Trump anunciou a saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), em consonância com as acusações de que a organização estaria auxiliando o governo chinês a encobrir a pandemia. A crítica, cada vez mais popular, também é parte do questionamento geral sobre as instituições multilaterais que surgiram no pós Segunda Guerra e cuja importância a China tem enfatizado, inclusive nas Duas Sessões. A saída reacendeu o debate sobre a presença chinesa no sistema ONU (tópico que já cobrimos no nosso site) e como esse vácuo estadunidense, durante uma das maiores crises de saúde pública vistas desde a criação da OMS, será espaço para a China, que deve fortalecer o seu posicionamento como uma potência responsável e preocupada com questões globais.

Fica a recomendação dessa discussão entre John Mearsheimer (famoso teórico pessimista das Relações Internacionais), que acredita que a China não conseguirá fazer a sua ascensão como potência de maneira tranquila, e o ex-embaixador de Singapura na ONU, Kishori Mahbuban (que acabou de lançar um livro chamado Has China Won?).


Após anunciar no início do ano que aceitaria a participação da Huawei em parte da infraestrutura da tecnologia 5G no país, o Reino Unido voltou atrás nesta semana e excluiu a empresa chinesa da grande empreitada. Como alternativa, Boris Johnson está buscando a criação de uma aliança —  já batizada de “D10” —  formada por dez países vistos como democráticos, como os integrantes do G7, mais Austrália, Coreia do Sul e Índia.


Na última quarta-feira (27) autoridades chinesas anunciaram o estabelecimento de uma proibição à importação de porcos da Índia. Oficialmente, a decisão representa o esforço para prevenir uma nova onda de gripe suína e proteger o rebanho chinês. Tendo em vista, porém, o recente tensionamento das relações entre os dois países (conforme já comentamos aqui na Shūmiàn), há quem veja na medida uma retaliação de Pequim aos indianos. Enquanto isso, relatos de incidentes na região do Lago Pangong, fronteira entre o dois países, multiplicam-se pelas mídias sociais tanto da China quanto da Índia.

Para alguns, o acirramento dos ânimos entre os vizinhos não é um episódio isolado, mas sim expressão de uma importante transição pela parte chinesa. Na última semana, Wang Yi, ministro das relações exteriores do país, afirmou que a China passará a defender resolutamente sua “honra e dignidade nacional”, não admitindo insultos deliberados contra si. A declaração se alinha com a percepção da adoção de um novo perfil de relações exteriores em Pequim: a diplomacia de guerreiro lobo (ou wolf warrior diplomacy), caracterizada por posturas mais ágeis e agressivas no âmbito internacional. O termo é originário de uma série de filmes chineses que retrata, em tom patriota, as façanhas de guerreiros enfrentando inimigos dentro e fora da China em defesa dos interesses do país.


Falando em tensionamento entre relações, mais um novo capítulo das relações sino-brasileiras parece estar sendo inaugurado. Um deputado brasileiro do PSL (partido com o qual Bolsonaro se elegeu) denunciou no Twitter que a Embaixada da República Popular da China teria enviado uma carta para a Câmara dos Deputados, pedindo que os representantes não dessem parabéns para Tsai Ing-wen, recém empossada para um novo mandato. Desde então, apoiadores do presidente Bolsonaro têm colocado bandeiras de Taiwan nos seus nomes no Twitter — normalmente com a bandeira do Brasil, EUA, Israel, e até Hong Kong, junto com a hashtag #VivaTaiwan. Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, apareceu numa live essa semana também com a bandeira ao fundo.

Os famosos códigos de saúde que ajudam a rastrear as chances de uma pessoa estar infectada ou não podem continuar a ser usados mesmo depois do controle da COVID-19. Importantes para o controle epidêmico do novo coronavírus no país, os códigos de saúde preocupam pela ampla coleta de dados e controle de privacidade. Em Hangzhou, cidade de origem da ferramenta, autoridades locais estudam a elaboração de um “ranking saudável” para seus cidadãos, que ganhariam uma pontuação de 0 a 100. Em outras localidades, como na região de Taizhou, o código de saúde já inspirou a criação de um “código de honestidade”, em que o nível de moralidade e de lealdade de membros do partido da região podem ser medidos.


O caso de George Floyd, um homem negro que foi sufocado por um policial branco em Minnesota, nos Estados Unidos, foi um dos assuntos mais comentados da semana no Weibo e por perfis pessoais de autoridades e jornalistas chineses no Twitter. Muitos internautas teceram críticas quanto à “hipocrisia americana” ao falar de direitos humanos na China enquanto o racismo e a violência policial matam pessoas negras nos Estados Unidos diariamente. E não parou por aí: Hua Chunying, Porta-voz e Diretora do Departamento de Informação do Ministério das Relações Exteriores chamou atenção no Twitter ao comentar “I can’t breathe”, “eu não consigo respirar” — palavras repetidas sucessivas vezes por Floyd enquanto o policial se ajoelhava sobre seu pescoço — em resposta às declarações da Porta-voz do Departamento de Estado dos EUA sobre os recentes acontecimentos em Hong Kong.

A repercussão do caso entre os chineses, porém, acabou por também reacender a discussão sobre racismo dentro da própria China, já que vários daqueles que levantaram críticas aos Estados Unidos após o caso Floyd mantiveram-se em silêncio durante os ataques generalizados à população africana de Guangzhou no mês passado. Discriminação contra negros na China— especialmente vindos da África — não é novidade. A persistência de importantes fatores, porém, como a falta de um debate público no país sobre o assunto e as relações expressivamente assimétricas mantidas entre a China e as nações africanas, dificulta avanços na área.


A CGTN elaborou uma visualização de dados sobre estrangeiros na China, de 1949 até 2020. Cobre artigos já escritos, legislação e perfil dos visitantes. Em 2018, 51% dos estrangeiros no país tinham entre 25-44 anos, um número nove vezes maior do que em 1999. No total, o número de estrangeiros na China aumentou cinco vezes nos últimos 20 anos (de 8,4 milhões em 1999 para quase 48 milhões em 2018), dos quais 33% eram turistas e 15% trabalhando no país. Desde 2010, sul-coreanos são a nacionalidade que mais visita a China (4 milhões em 2018), seguidos pelo japoneses. A América Latina está bem atrás, mas subiu de 150 mil visitantes no início dos anos 2000 para mais de 450 mil em 2018.

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Magnata das apostas: Stanley Ho, um dos homens mais ricos da Ásia e o “padrinho dos jogos de azar” que transformou Macau na cidade cheia de cassinos que é hoje, faleceu aos 98 anos na semana passada. A história de vida dele é cheia de controvérsias — como não poderia deixar de ser.

04:20 bombando: você sabia que a China detém metade das patentes relacionadas à cannabis do mundo? Apesar de a venda e o consumo da erva serem duramente punidos no país, o cultivo de cannabis tem crescido bastante nas províncias de Yunnan e Heilongjiang. Saiba mais aqui.

Podcast: foi uma semana de novos passos para a exploração espacial, então um bom momento para ouvir esse episódio com Carla Freeman para o Harvard Fairbank Center sobre a atuação da China sobre os bens públicos globais, como o espaço, os oceanos e a Antártica.

Fotografia: as belas imagens registradas por Guo Guozhu em vilarejos e cidades chinesas que se esvaziaram com as migrações para os grandes centros. A foto abaixo é uma das casas que ficaram para trás (o projeto se chama “The Entrance Hall”, 2014-2015). Vale conferir toda a matéria da Sixth Tone.

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