Foto de Teng Yuhong via Unsplash.

Edição 368 – EUA ameaçam taxar produtos chineses em 100% a partir de novembro

Política e economia

Golden Week flopou? Apesar de uma nova esperança de que a data nacional chinesa iria ajudar na economia doméstica, os gastos durante a “Semana Dourada”, um dos maiores feriados nacionais do país, ficaram abaixo do esperado, atingindo o menor nível per capita em três anos. Segundo o Ministério da Cultura e Turismo, o gasto médio por viagem foi de R$628, uma leve queda em relação a 2024, que ficou na média de R$633. Mesmo com 888 milhões de viagens registradas e alta de 15% na receita total (R$558 bilhões), o consumo foi fraco, a alta da bolsa não estimulou compras, e o turismo se concentrou em trajetos curtos e hospedagens baratas. O feriado, que costuma funcionar como termômetro da economia doméstica, reforçou o desafio de Pequim em estimular o consumo sem recorrer a práticas como estímulo ao consumo via acesso ao crédito.

Não é terra de ninguém. Tem muita gente que usa o argumento de que regular a inteligência artificial (IA) vai impedir o setor de inovar. A cidade de Hangzhou, capital da província de Zhejiang e um dos maiores hubs de inovação da China (onde ficam a sede do Alibaba, DeepSeek e da OPPO) agora também quer se posicionar como uma referência de regulação de direitos autorais e competição injusta. A analista e escritora Johanna Costigan escreveu na sua newsletter como a cidade lançou em julho um plano para acelerar a transformação de Hangzhou em um hub de desenvolvimento de IA e que o Judiciário local viu o plano também como um mandato para criar incentivos positivos e atuar na regulação de novos produtos que respeitem regras claras. A demonstração foi em alguns casos recentes de novos produtos de IA generativa que estavam floodando com marketing o aplicativo Xiaohongshu (o “Instagram” chinês).

Internacional

Retomando o tarifaço, Trump ameaça taxar em 100% produtos chineses. A medida é uma retaliação a Pequim, que anunciou semana passada restrições à exportação de minerais críticos, matéria-prima essencial para uma série de eletrônicos. Em postagem em suas redes sociais, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse que novas tarifas — acima dos atuais 30%  — serão aplicadas a produtos chineses a partir de 1º de novembro. O estadunidense disse ainda que seu país vai impor controle a softwares estratégicos. Logo depois da publicação, Pequim reagiu defendendo seu posicionamento e culpando Washington pela nova escalada. Os acontecimentos recentes revivem a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, inaugurando um novo capítulo dessa queda de braço que teve início ainda na primeira gestão de Trump (2017-2021). 

Para entender melhor o que está em jogo, vale lembrar que minerais críticos são usados na fabricação de produtos do dia a dia, como celulares, carros elétricos, e até equipamentos de segurança e guerra como radares e caças. A China adicionou cinco elementos à lista de materiais de controle e exigiu licenças até de empresas estrangeiras que utilizem tecnologia chinesa em seus processos. Anunciada às vésperas do encontro entre Xi Jinping e Donald Trump, a decisão reforça o caráter estratégico da jogada: transformar o domínio chinês sobre mais de 90% do processamento global em instrumento de pressão geopolítica. Oficialmente, o Ministério do Comércio chinês tem justificado a medida por questões de “segurança nacional” e “uso indevido em campos militares”. O movimento atingiu também fabricantes de semicondutores e defesa como a taiwanesa TSMC, a coreana Samsung e companhias estadunidenses que dependem de importação de minerais chineses. As ações de mineradoras locais dispararam, enquanto empresas ocidentais correram para anunciar investimentos bilionários em cadeias alternativas de suprimento.

Repressão alfandegária. Vimos na última edição que a Administração Chinesa do Ciberespaço (CAC, na sigla em inglês) havia proibido as empresas de tecnologia chinesas de comprarem chips de Inteligência Artificial da Nvidia. A medida saiu do papel. Nesta semana, Pequim mobilizou equipes alfandegárias para inspecionar e reter os modelos da fabricante em portos estratégicos do país. A ofensiva, coordenada pelo próprio CAC, teve essa abordagem mais dura dentro da disputa tecnológica com Washington, em que o controle de semicondutores vira instrumento direto de política industrial. O bloqueio, porém, parece já ter tido algum efeito no mercado global, onde varejistas reportam aumento nos preços de placas de vídeo, e analistas veem reflexos no mercado de criptomoedas, que depende do mesmo tipo de processador para mineração.

Sociedade

A Rota da Seda da Barriga de Aluguel. Este texto no ChinaFile conta como a pequena Geórgia (o país do Cáucaso, não o estado dos EUA) se tornou um destino popular para chineses, com o número de visitantes do país asiático triplicando entre 2023 e 2024. A motivação é menos turística e mais motivada pela legislação local que permite gravidez por maternidade por substituição – popularmente conhecido como “barriga de aluguel”. A prática é proibida na China desde 2001 e com atuação da polícia para fechar clínicas e limitar acesso à informação online – já deu confusão até para celebridades. Nas redes sociais chinesas, dá para achar conteúdo sobre o uso de destinos como a Geórgia e outras nações ex-soviéticas que têm leis mais flexíveis sobre o tema. 

O que era para ser uma visita à terra natal resultou em desaparecimento. A estudante budista Zhang Yadi desapareceu na China depois de falar publicamente sobre abusos de autoridades chinesas contra minorias étnicas do país, em especial tibetana, com a qual se identificava. A jovem, natural de Changsha, vivia na Europa e estava prestes a começar estudos no Reino Unido, mas desapareceu em julho depois de uma viagem à sua terra natal. Segundo relatos de amigos, Zhang sempre fez críticas abertamente à supressão que o governo central chinês promove às minorias em seu país. Morando na França, ela passou a escrever uma newsletter sobre o Tibete em tom crítico com a forma como o governo central trata a região autônoma e seus cidadãos. Ela chamou a atenção para o apagamento que Pequim tenta fazer ao controlar a língua e qualquer outra manifestação de identidade não chinesa. A jovem está desaparecida desde julho e nem mesmo sua família sabe sobre seu paradeiro. A estimativa é de que ela tenha sido detida por autoridades chinesas em sua cidade de origem, em Changsha, província de Hunan.

Zheng He

Incompleto: em 2020, o cineasta Lou Ye e a sua equipe ficaram presos durante a quarentena num hotel em Wuhan. Filmado ao longo de dois anos, o docudrama que resultou disso (Um Filme Inacabado) ganhou status cult na China. Vale ler a crítica de Yangyang Cheng para a NPR sobre a obra e as suas limitações.

Ficção: o cineasta e escritor avant-garde Cui Zi’en frequentemente aborda temas queer nas suas obras. Ele escreveu uma antologia de contos de ficção científica com Hua Mulan (sim, aquela Mulan), inclusive o conto Jesus On Mars, traduzido para o inglês no Made in China Journal.

Desproibida: no último dia 10, completaram-se 100 anos desde que a Cidade Proibida, como é chamado o antigo palácio imperial chinês no Ocidente, foi aberta ao público. 

Pão herbal: a nova trend nas padarias mistura medicina tradicional chinesa à cultura hipster de padarias e cafés descolados.

 

Um Filme Inacabado estreou em Cannes em 2024, passou no Festival do Rio e começa agora a entrar nos streamings (por enquanto fora do Brasil).