A China entre estratégias e incertezas da geopolítica do petróleo
Ataques a instalações de petróleo na Arábia Saudita reafirmam preocupação chinesa com a geopolítica energética mundial
Foto por Wengang Zhai no Unsplash
Por Daniel de Oliveira Vasconcelos*
O recente ataque na Arábia Saudita desarticulou, subitamente, o fornecimento de petróleo bruto por um dos países líderes na exportação dessa commodity. Com isso, os preços internacionais do petróleo dispararam frente às incertezas sobre como governos e mercados reagiriam no curto prazo. Esse acontecimento reafirmou a preocupação chinesa a respeito da geopolítica energética global, que é altamente dependente da dinâmica político-econômica de combustíveis fósseis. Sendo a Arábia Saudita a maior fornecedora de petróleo bruto à China, como esse ataque impactará a política energética chinesa?
A dependência chinesa do petróleo internacional é um fenômeno relativamente recente, já que a China era, até 1993, autossuficiente em petróleo. Desde então, devido ao intenso processo de industrialização e ao modelo de crescimento via investimentos, a China vem demandando cada vez mais recursos energéticos. Petróleo acaba sendo seu grande “calcanhar de Aquiles”: em 2017, cerca que 70% do consumo chinês em petróleo vieram de importação. A perspectiva é que essa importação chegue a 80% do consumo até 2030. Consequentemente, os olhos de Pequim se voltaram para o Oriente Médio, que representa hoje cerca de 50% da importação chinesa do produto. Contudo, como bem demonstrou o recente ataque, combustíveis fósseis vindos dessa região carecem da segurança energética que sua importância estratégica demanda.
“O recente ataque na Arábia Saudita reforçou a visão do governo chinês, em relação à geopolítica energética mundial, de que a dependência por fontes sujas de energia, ofertadas por atores suscetíveis a constantes instabilidades, corrói a estratégia de desenvolvimento chinês no longo prazo.”
A China tem ciência dessa vulnerabilidade e entende que uma aproximação estratégica se consubstancia, em grande parte, por conta da profunda necessidade de, em curto prazo, saciar a sede de sua economia doméstica por recursos energéticos. Tendo isso em vista, a resposta do governo chinês à notória instabilidade do mercado internacional do petróleo e à sua consequente dependência de “petro-Estados”, como a própria Arábia Saudita, destrincha-se em três grandes estratégias.
A estratégia de mais curto prazo se traduz na busca por novas parcerias e novos mercados que possam reduzir a demanda por petróleo do Oriente Médio. Contratos cuja moeda de troca são barris de petróleo se tornaram uma prática recorrente em empréstimos chineses a países da Ásia, da África e da América Latina. Investimentos do tipo brownfield (em que a China adquire uma empresa estrangeira já consolidada) se mostraram recordes na América Latina, nos últimos anos. Além disso, investimentos em infraestrutura energética por meio da Iniciativa do Cinturão e da Rota na Ásia e na África são exemplos de como a China vem orquestrando uma estratégia de alteração do eixo de sua dependência energética.
A segunda estratégia se faz pela diversificação da matriz energética, tanto via oferta, quanto via consumo. A China, que já detém 98% da frota mundial de ônibus elétricos, está em vias de estipular um prazo limite para produção e importação de carros a combustão. Indústrias são recompensadas com benefícios fiscais, caso promovam práticas de consumo sustentável dentro de seus estabelecimentos. A ideia é reduzir o consumo de combustíveis fósseis e estimular o uso de energias renováveis tanto no setor produtivo, quanto nos domicílios chineses.
Isso se conjuga com a política chinesa de desenvolvimento das energias solar, eólica e hidroelétrica. A China deixou de ser um país com incipiente produção de energia renovável, há dez anos, para ser, hoje, o maior investidor e o maior produtor mundial de fontes limpas. Só a produção de energia eólica, por exemplo, já é maior do que toda a energia elétrica produzida no Brasil. A perspectiva é que, em 2040, renováveis sejam a segunda maior fonte energética chinesa, ultrapassando o consumo de petróleo e ficando atrás somente do carvão. Isso é idealizado por meio de cinco intervenções do Estado no mercado: estipulando metas de produção de energia renovável; ordenando conexões compulsórias de renováveis à rede nacional; introduzindo tarifas do tipo Feed-in; criando sistemas de socialização de custos na geração da energia; e estabelecendo um fundo especial de promoção de energias renováveis.
Por último, a estratégia chinesa para fortalecer sua segurança energética ocorre pelo controle de mercado. O de petróleo bruto é marcado pela hegemonia do dólar e pela concentração decisória nos Estados Unidos e na Inglaterra, baseando-se em benchmark estabelecido pelo WTI e pelo Brent (índices internacionais de precificação de petróleo). Isso também faz com que o mercado futuro do produto favoreça investidores tradicionais. Assim, a China criou seu próprio mercado futuro para a negociação de petróleo, podendo esta ser realizada na moeda chinesa, o renminbi (RMB). Com isso, a China pretende estabelecer contratos mais vantajosos e menos suscetíveis a flutuações cambiais, amortecendo instabilidades que possam impactar no preço do produto.
O recente ataque na Arábia Saudita reforçou a visão do governo chinês, em relação à geopolítica energética mundial, de que a dependência por fontes sujas de energia, ofertadas por atores suscetíveis a constantes instabilidades, corrói a estratégia de desenvolvimento chinês no longo prazo. Sendo a maior consumidora de energia do mundo, a China se encontra em uma situação de vulnerabilidade energética. Não obstante, para satisfazer um crescimento acima dos 5% anuais e fornecer energia para mais de 1,3 bilhão de pessoas, não há alternativa que modifique, no curto prazo, a dependência chinesa externa por combustíveis fósseis.
* Daniel Vasconcelos é mestre em Estudos Chineses pela Academia Yenching da Universidade de Pequim, com ênfase em política externa chinesa.