Newsletter 086 (PT)
Como mencionamos em nossa última edição, Taiwan foi às urnas no último sábado (11) para escolher seu novo líder. Assim como já previam as pesquisas eleitorais, a atual presidente Tsai Ing-wen — cuja campanha foi marcada por tom pró-independência e anti-Pequim — saiu vitoriosa. Em seu primeiro discurso oficial após o triunfo, Tsai clamou por unidade e defendeu a autonomia da ilha. “A cada eleição presidencial, Taiwan mostra ao mundo o quanto valoriza seu estilo de vida democrático, [portanto] precisamos trabalhar para manter-nos seguros e defender nossa soberania”, completou.
O resultado, é claro, não agrada a Pequim. O Ministério das Relações Exteriores da China foi assertivo ao declarar que “não importa o que aconteça em Taiwan, o fato de que só há uma China e de que Taiwan é parte dela não mudará”. Em editorial sobre o assunto, o China Daily ressaltou que um novo mandato é uma oportunidade para que Tsai Ing-wen mude seu comportamento frente ao continente e melhore as relações com o Partido Comunista Chinês. O jornal estatal ainda aconselhou que Taiwan evite ser usada como “um peão nos jogos de Washington”.
Censura na internet chinesa não é novidade para ninguém, mas há sempre aquele comentário que ressalta os superpoderes de um VPN — não encontrado em lojas de aplicativo do país — para burlar o Great Firewall of China. Isso pode mudar em breve. A censura na internet do Império do Meio está evoluindo ao ponto de produzir…seu próprio VPN, o que liberaria acesso para os mais de 854 milhões de chineses com acesso à internet a sites até então proibidos, como Twitter, Google, Instagram, Facebook, etc. Com um VPN próprio, cada usuário teria que fazer um registro online com seu número de telefone e permitir que seu histórico de buscas seja rastreado. Um VPN legal chinês pode facilitar, ironicamente, o trabalho do grande Big Brother orwelliano.
É comum pensar na China como a grande fábrica do mundo (por razões óbvias), mas quem manufatura a manufatura no país? Por incrível que pareça, a China possui um déficit de mais de 20 milhões de técnicos industriais em suas fábricas atualmente, e o buraco só tende a ficar maior. Segundo o relatório mais recente sobre as posições com mais escassez de trabalhadores publicado pelo Ministério de Recursos Humanos e Seguridade Social, ⅓ da lista é composta por técnicos industriais — como soldadores, ajustadores de máquinas pesadas e torneiro mecânico.
Por que isso é preocupante mesmo em um cenário em que as máquinas substituam os trabalhadores e como explicar esse fenômeno em um país com mais de 1,3 bilhão de pessoas?
Primeiro, automação tecnológica e inteligência artificial sem uma pessoa qualificada na ponta são ineficientes e reduzem a vantagem competitiva de um investimento desse porte. Segundo, ensino técnico é um ramo da educação formal historicamente negligenciado no país. E por último, a maioria das fábricas não-estatais não oferece grandes incentivos para qualificação — ou porque o ciclo de vida é muito reduzido, ou porque acreditam que qualificar um trabalhador demais só vai levá-lo a procurar por um emprego melhor. A discussão é longa e digna de uma leitura acompanhada por um bom cafezinho. Aproveite.
Ainda na semana passada, mencionamos aqui o volumoso investimento chinês na construção da nova sede do parlamento do Zimbábue. Agora, foi a vez de Wang Yi, ministro das relações exteriores da China, visitar o país, que se tornou um importante foco de atuação do gigante asiático na África. A importância dada pela China ao continente é tamanha, aliás, que já se tornou tradição para o ministro das relações exteriores do país iniciar o ano com uma viagem africana. Desta vez, a tour inclui, dentre outras, passagens pelo Egito, Djibuti e Burundi.
O famoso jornalista Evan Osnos (autor de “A Era da Ambição: Em busca da Riqueza, da Verdade e da Fé na nova China”) escreveu um longo texto, baseado em pesquisa e viagens aos dois países, sobre o futuro da relação dos Estados Unidos com a China. Vale a pena a leitura.
No dia 15 de janeiro, uma parte do drama da guerra comercial deve acabar. Os EUA e a China assinarão um acordo da primeira fase do que foi combinado como solução entre os dois. O vice Liu He vai até Washington para isso, no que pode ser o fim dessa saga que já dura quase dois anos.
O possível desfecho do conflito, porém, não é a única razão para acreditar na possível melhora das relações entre Washington e Pequim. Ao que parece, os Estados Unidos pretendem lançar um novo fórum de diálogo econômico com a China. Se concretizada, a iniciativa pode sinalizar, ao menos em parte, um retorno estadunidense à estratégia de engajamento com os chineses — abandonada pelo presidente Trump mas praticada por outros líderes do passado.
Confira os projetos chineses para as rotas mercantis pelo Ártico (mais uma que virou “rota da seda”). Já falamos sobre a política chinesa para a região aqui.
Em menos de duas semanas, a maior migração humana do planeta Terra ocorrerá na China. O Festival da Primavera, época de comemoração do Ano Novo lunar ou Ano Novo chinês, é a celebração mais importante do calendário do Império do Meio. Neste ano, mais de 3 bilhões (isso mesmo, bilhões) de viagens devem ser realizadas durante o período. O número impressiona, mas a China está pronta: somente no ano passado, o país construiu mais de 8 mil quilômetros de novas ferrovias, além de construir novos aeroportos — o de Pequim, em particular, é uma atração por contra própria — e expandir centenas de milhares de quilômetros de rodovias.
Na edição passada falamos do vírus que atingiu Wuhan causando sintomas parecidos com pneumonia em 50 pessoas, e como muita gente está com medo de ser algo parecido com a SARS, de 2007-2008. A resposta das autoridades analisando a situação saiu e o vírus é da família Coronavírus (a mesma do que causou a SARS). Mais estudos estão sendo conduzidos. Há também o medo que influencie o número de pessoas viajando pelo país durante o Festival da Primavera e até ajude a espalhar o vírus pelo país.
Durante um comercial produzido em ocasião do início das comemorações do Ano Novo lunar, o TMALL (portal de e-commerce subsidiário do Alibaba) tomou um passo infelizmente ainda raro no gigante asiático. Em uma fração de poucos mais de 20 segundos, a produção mostra um homem apresentando seu namorado à família, que o recebe para uma refeição celebrativa e pede que o convidado “se sinta em casa”. Apesar de relações sexuais homoafetivas não serem criminalizadas na China, o país ainda proíbe o casamento entre pessoas do mesmo gênero e a comunidade LGBT é largamente silenciada em representações midiáticas e debates políticos nacionais.
O Ministério da Educação baniu livros publicados por editoras estrangeiras das séries iniciais até a 6ª série, de serem utilizados em sala de aula nas escolas da China. Segundo o governo, a ideia é proteger direitos autorais (muitos professores entregam aos alunos cópias ilegais de capítulos de livros estrangeiros) e a autonomia acadêmica. As escolas de séries iniciais e até a 6ª série devem utilizar o material unificado produzido pelo governo para ensino do mandarim, história e política chinesa.
O Ministério também encoraja o uso de livros estrangeiros publicados por editoras chinesas. Livros controversos ou cuja interpretação é questionada devem ser substituídos. Universidades, escolas técnicas e escolas internacionais de ensino médio terão mais liberdade para usar publicações estrangeiras, se necessário.
Para ficar de boa: a banda 橘子海 Orange Ocean nasceu na cidade costeira de Qingdao e é perfeita como trilha sonora para o verão. Aproveite.
Roller derby: aprenda mais sobre as mulheres praticando roller derby em Hong Kong e como virou um símbolo de luta contra o machismo.
Podcast: com a chegada do que seria a primeira fase de um fim da guerra comercial, é hora de relembrar o que passou e os impactos nas respectivas economias. É o que fez este episódio de Political Economy.