Newsletter 094 (PT)
A participação das mulheres na força de trabalho chinesa está decaindo (de 73% em 1990 para 60% em 2019), enquanto a disparidade salarial entre homens e mulheres está aumentando, e as mulheres migrantes são as que mais sofrem com a desigualdade, segundo um novo artigo acadêmico. Durante a Era Mao, a frase “as mulheres sustentam metade do céu” tornou-se popular para argumentar paridade de gênero na China comunista e algumas transformações positivas ocorreram. Mas o trabalho é contínuo e, hoje, o buraco é mais embaixo. No topo do Partido Comunista, o Politburo de 25 pessoas possui apenas uma mulher, Sun Chunlan. O artigo das autoras Klugman, Wang e Wang apresenta análises de censos de trabalho ao longo das últimas três décadas, demonstrando a vulnerabilidade das mulheres que vivem em áreas rurais e a “penalidade” no salário para mulheres com filhos (36% a menos no salário entre mães e mulheres sem filhos).
Como não há nada tão ruim que não possa piorar, Wang Zhonglin, o novo secretário do Partido em Wuhan, se viu em maus lençóis após fazer uma declaração infeliz no epicentro do COVID-19. Provavelmente em decorrência da reação de um complexo residencial em Wuhan à visita da Vice Premier Sun Chunlan, em que residentes quarentenados gritaram “É tudo mentira, é tudo falso!” durante o tour, alega-se que Wang teria dito que “é preciso implementar uma educação de gratidão entre todos os cidadãos desta cidade, que assim eles agradecerão ao Secretário Geral [Xi Jinping] e ao Partido, prestarão atenção ao Partido, caminharão com o Partido e criarão uma forte energia positiva”. A declaração enfureceu os internautas chineses.
A onda de más notícias econômicas associadas à epidemia do novo coronavírus segue a todo vapor. Desta vez, as informações são de que tanto as exportações quanto as importações chinesas sofreram expressivas quedas nos últimos dois meses. De acordo com dados da Administração Geral das Alfândegas da China, as exportações do país caíram 17,2% no combinado de janeiro e fevereiro. Já as importações, por sua vez, registraram uma redução de 4%. No total, o volume de comércio exterior chinês foi 11% menor do que durante o mesmo período do ano passado. Dado o cenário crescentemente negativo, alguns analistas já preveem que 2020 se inicie com a primeira contração trimestral da economia da China desde 1976.
Xu Zhiyong, advogado e fundador do Movimentos dos Novos Cidadãos, foi detido por autoridades chinesas após criticar a liderança de Xi Jinping frente à epidemia do COVID-19. Apesar da detenção ter ocorrido há semanas, a família de Xu só foi informada sobre seu paradeiro no último sábado (07). Mantido em um centro de detenção secreto sob acusação de “incitar a subversão ao poder estatal”, o ativista teve acesso negado a um advogado e pode agora enfrentar até 15 anos na cadeia. Sua namorada Li Qiaochu também estaria detida nas mesmas instalações sob acusação semelhante. Os prospectos de Xu e Li não são bons: muitos ativistas que estiveram na mesma posição dos dois foram torturados por meses antes de serem formalmente acusados e presos por seus supostos crimes.
A crise na China vê uma redução de crescimento de casos, enquanto no resto do mundo, só aumenta. O governo chinês agora está oferecendo sua expertise na contenção do COVID-19— também para ajudar a melhorar a sua imagem (“A China não está lutando apenas por si, mas também pelo mundo”, disse o embaixador chinês para a ONU, Zhang Jun). No People’s Daily, jornal estatal, saiu alfinetada também para a capacidade de o governo dos EUA lidar com a epidemia, devido à falta de licença médica remunerada e acesso a um sistema de saúde de baixo custo.
O toma lá-dá-cá entre e Washington e Pequim sobre o caso de jornalistas acusados de espionagem em ambos os países ganhou força nesta semana com um tweet inusitado de Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da República Popular da China: “Agora que os Estados Unidos iniciaram o jogo, vamos jogar”.
O jogo de xadrez que parece ter parado na época da Guerra Fria já teve os seguintes movimentos: primeiro, um editorial do Wall Street Journal intitulado “China: o homem doente da Ásia”, seguido pela expulsão de três jornalistas estadunidenses em território chinês. Em seguida, Washington foi algumas casas à frente e requalificou a presença de uma série de mídias estatais da China como entidades diplomáticas, ficando sujeitas a novas regras de segurança e vistos, além de diminuir a quota de jornalistas chineses afiliados a mídias estatais de Pequim de 160 para 100, causando na prática a expulsão de 60 profissionais. Aguardemos para quem dará o xeque mate.
Há quase 7 anos, Xi Jinping anunciava planos de construção do Corredor Econômico China-Paquistão — um mega-projeto de extensa infraestrutura conectando a província de Xinjiang, na região oeste chinesa, ao Mar da Arábia. Até agora, porém, menos de um terço dos projetos foi concluído. Por um lado, uma série de instabilidades políticas e econômicas por parte do Paquistão impuseram dificuldades ao andamento do plano. Por outro, o caso aponta para uma tendência geral de enfraquecimento da expansão de Pequim pelo mundo: projetos semelhantes em países como Sri Lanka, Malásia e Quênia também encontram-se aquém do esperado. Além de considerações geopolíticas, a desaceleração da economia chinesa e os efeitos perniciosos da guerra comercial com Washington podem estar entre as razões para tal retração.
Aproximadamente 70 pessoas ficaram presas no destroços do desabamento de um hotel que servia como instalação de quarenta em Quanzhou. Até agora, 10 morreram, dezenas ficaram feridas e várias ainda não foram localizadas. O Corpo de Bombeiros de Fujian, província em que a cidade está localizada, enviou mais de 1000 bombeiros e outros socorristas para tentar resgatar as vítimas. A quarenta no hotel era preventiva: nenhum dos ocupantes havia testado positivo para o COVID-19. Agora, autoridades investigam se o colapso se deu devido a problemas estruturais do edifício ou a reformas posteriores.
Relatório recém publicado pelo CitizenLab da Universidade de Toronto elabora sobre como o controle das informações ocorreu nas redes sociais chinesas durante o início da epidemia do SARS-CoV-2. A pesquisa conclui que filtros começaram a atuar já desde 31 de dezembro de 2019 e que muita informação neutra foi censurada, especialmente no WeChat, visto que as regras são amplas e incluíram também dicas de prevenção e informação pública. O relatório também conta com as palavras e expressões censuradas na rede de livestreaming YY e no WeChat.
Houve um crescimento de casos de violência doméstica na China desde a quarentena, conta a matéria da Sixth Tone, especialmente contra crianças e mulheres. A legislação própria para violência doméstica no país só surgiu em 2016 e tem severas limitações. Grupos de feministas têm lançado campanhas online e colado cartazes em cidades chinesas para chamar atenção para o problema.
A epidemia do COVID-19 tem mostrado aos governos locais e central a importância da participação de ONGs e doações individuais — o que é um grande desafio para um país tão avesso à existência de participação popular espontânea. Dada a proporção da emergência, o governo central tem tentado facilitar a participação de instituições da sociedade civil no processo de coleta e repasse de doações — algo inovador em um sistema que tende a centralizar as decisões entre órgãos e lideranças governamentais.
Não é a primeira vez que a China se vê em um dilema entre maior participação da sociedade civil e catástrofes: durante a epidemia de SARS em 2003, terremotos de Wenchuan de 2008 e o de Ya’an em 2013, uma série de instituições da sociedade civil coletaram doações financeiras e materiais, mas que foram seriamente atrasadas ou não realizadas por barreiras impostas pelos governos central e locais. Quer saber mais? Prepare aquele cafezinho e não deixe de ler o artigo da pesquisadora Holly Snape aqui.
FBI: a história da obsessão do FBI com a China e a sua perseguição aos sino-americanos é o tema do livro “The Spy and the Scientist” escrito por Mara Hvistendahl. Saiu matéria no The Atlantic também.
Feminismo: dica de leitura é o livro “Enfrentando o Dragão — o despertar do feminismo na China”, escrito por Leta Hong Fincher. Já disponível nas livrarias brasileiras.
Fotografia: registros impressionantes da China antes das mudanças profundas trazidas ao país pela Revolução Cultural das décadas de 1960-1970.
Pôsteres: quem não gosta de um bom pôster? Uma série dos mais famosos retratando mulheres na China da Era Mao até os anos 90.