Uma nova campanha de retificação política tem se solidificado em território chinês. Desta vez, a iniciativa terá como foco o judiciário, polícia, prisioneiros, advogados e procuradores com o objetivo de remover do Partido Comunista Chinês membros tidos como “desonestos” ou “suspeitos”. Com duração prevista de pelo menos um ano, a campanha também visa eliminar práticas de corrupção dentro da estrutura burocrática mais importante do país. Seu lançamento deve ter causado um déjà vu em alguns membros do PCCh: um dos porta-vozes da campanha e braço direito de Xi Jinping, Chen Yixin, fez referência às ações de Yan’an ao lançar a nova empreitada. Yan’an foi palco de um movimento de retificação entre 1941 e 1945. Sob liderança de Mao Zedong, o movimento tinha como finalidade unificar e fortalecer ideologicamente o Partido, além de expurgar de sua estrutura vozes dissonantes.

Quem está atento à era Xi Jinping sabe como iniciativas como essa têm sido instrumentalizadas para eliminar adversários políticos internos. A campanha recém lançada chama atenção pelas pressões atuais: instabilidade em Hong Kong, crise do novo coronavírus, além das disputas com os Estados Unidos infringem urgência em Xi em manter não apenas o PCCh, mas também forças armadas e policiais alinhadas ao seu pensamento.


Mais um jargão econômico tem ganhado fama quando se fala de um novo modelo de desenvolvimento econômico chinês em Zhongnanhai: trata-se da dual circulation theory, ou teoria da dupla circulação (tradução livre). Nela, o país precisa se alicerçar cada vez mais no consumo interno como um dos pilares da economia — ao mesmo tempo em que busca se manter atrativo para investimentos externos. Um dos pontos altos dessa estratégia é o aprofundamento da exportação de excesso de capacidade industrial e capital do país para regiões com melhores vantagens comparativas. Deste modo, é possível suprir a demanda interna chinesa e atender à ânsia de Pequim por maior participação na arquitetura financeira e geopolítica globais por meio da Iniciativa Cinturão e Rota (OBOR, em inglês). Vale acompanhar seus desdobramentos durante a execução do 14º Plano Quinquenal.


Já percebeu que a questão de segurança alimentar recebe muita atenção nos debates sobre os assuntos chineses contemporâneos? Não pense que é à toa: com uma população progressivamente mais rica de mais de um bilhão de pessoas, assegurar acesso a alimentos ao seu povo é um dos maiores desafios à continuidade do desenvolvimento do gigante asiático. Os últimos dois anos, porém, foram difíceis: a gripe suína africana, que matou milhões de porcos ao se espalhar pela China, e a disseminação de larvas e gafanhotos, que destroem plantações inteiras em seu caminho, preocupam. As tensões com os EUA e a Austrália, importantes fontes de commodities alimentares, é claro, não ajudam. Nesse contexto, a América Latina pode ser uma boa alternativa, mas não sem suas respectivas dificuldades (como evidenciado pelo episódio do frango contaminado brasileiro e pela resistência na Argentina aos investimentos chineses na indústria suína do país).


O nacionalismo crescente tem sido uma pauta comum a diversos países no mundo. Em um texto recente para o The Diplomat, o professor e pesquisador David Skidmore explora a discussão sobre a ideia de um paradoxo da instabilidade na periferia chinesa (como Tibete, Xinjiang, Hong Kong) enquanto fortalece a estabilidade no centro do país. Trazendo questões apontadas por outros pesquisadores, Skidmore traça um histórico da discussão e aborda o fortalecimento das identidades locais na periferia, que perpassa a dificuldade de se identificar como “chinês”, especialmente como parte da etnia majoritária han. O tema também foi recentemente discutido no podcast 1869, com Benno Weiner, que escreveu um livro sobre a revolução chinesa na fronteira do Tibete e como os governos centrais enfrentam há séculos os desafios com a consolidação territorial.

Aliás, a Huawei entrou pela primeira vez no top 50 da lista da Fortune Global 500 — famosa lista que ranqueia corporações com base nos seus rendimentos e que agora inclui 133 empresas chinesas. É também a primeira vez que a China ultrapassa os EUA na lista. Os estadunidenses tiveram 121 empresas, mas ganharam o primeiro lugar com a Walmart. Em 2º, 3º e 4º lugar ficaram as estatais chinesas Sinopec, State Grid e CNP.

As complicadas relações entre Estados Unidos e China seguem apresentando sinais de deterioração. No mês de agosto, Washington realizou diversas ações relacionadas à Taiwan que foram prontamente entendidas como provocações por Pequim. A mais recente delas ocorreu ontem (23), quando o diretor do Instituto Americano em Taiwan — representante de facto dos EUA na ilha — participou de uma cerimônia em homenagem a militares mortos durante a crise do Estreito de 1958. O desconforto causado se soma a outros dois casos recentes. No dia 10, Alex Azar, secretário de saúde dos Estados Unidos, realizou uma visita oficial à ilha, configurando encontro de maior nível desde o rompimento das relações diplomáticas. Por fim, no dia 18, os EUA confirmaram a venda de 66 aeronaves F-16 para Taiwan, uma das maiores compras militares dos últimos anos.

Ainda sobre os Estados Unidos, na última quarta-feira (19) a administração Trump suspendeu três acordos bilaterais com Hong Kong cobrindo as áreas de extradição e isenção de impostos. De acordo com o Departamento de Estado, a decisão deve-se à imposição da nova lei de segurança nacional por parte da China continental sobre a cidade. A medida não surpreende: há meses, Hong Kong vem se mostrando como ponto crítico das relações entre Washington e Pequim, e o presidente Donald Trump já havia anunciado a abolição do tratamento preferencial concedido à cidade desde seu retorno à soberania chinesa na década de 1990.

Por fim, lembra que comentamos na semana passada que a reunião marcada para revisar os avanços da primeira fase do acordo comercial sino-estadunidense havia sido temporariamente suspensa? Pois não demorou muito para que ela fosse remarcada. O encontro, que deve acontecer nos próximos dias por telefone, se dá num momento notavelmente difícil entre os dois países. Fontes indicam que, ao menos do lado chinês, a preocupação é garantir que as relações com os Estados Unidos não colapsem de vez. Resta saber se Washington compartilha da mesma preocupação (se declarações recentes servem como indicativo, apostaríamos que não é o caso).


Como que anda o soft power chinês na África? Esse é o tema da discussão com Paul Nantulya no último episódio do China in Africa Podcast. Foi um ano difícil para a China no continente. Não bastasse a fama que veio da COVID-19 e os casos de racismo em Guangzhou contra imigrantes africanos, com crise econômica global ainda veio um maior questionamento das dívidas dos países do continente com Pequim. O episódio também traz a questão de como a opinião pública é mais anti-China do que os governos africanos, mas também como o modelo de desenvolvimento chinês segue sendo um grande atrativo — especialmente em comparação ao histórico imperialista europeu.

Falando em dívidas com a República Popular da China, vale conferir o novo relatório da organização Chatham House sobre a “diplomacia da armadilha da dívida”: a acusação de que Pequim atrairia países a concordarem com empréstimos insustentáveis através da Iniciativa do Cinturão e Rota, criando dívidas que os prendem a ceder bens estratégicos para o governo chinês. O relatório afirma que as acusações têm poucas evidências, mas convoca os países negociando com a China a fortalecerem a pressão por mecanismos de transparência e avaliação dos projetos.

Falando em soft power, já comentamos aqui anteriormente sobre a interessante produção de ficção científica na China, como o filme Terra à Deriva e a obra de Cixin Liu. O governo chinês percebeu o valor do tema e em documento recém lançado fala sobre incentivar o investimento no setor cinematográfico de ficção científica no país. De fato, a discussão sobre indústria cultural e soft power é algo para prestar atenção e vem sendo discutido há anos, com os EUA como principal foco. Nos últimos anos, especialmente desde as Olimpíadas de 2008, aumentaram os estudos sobre o soft power chinês e a sua influência na sociedade chinesa e ao redor do mundo.

O documento publicado cita que, em primeiro lugar, o pensamento de Xi Jinping deve ser estudado e implementado no setor. Também fala sobre como os filmes devem incentivar os valores chineses, bem como a estética e inovação científica do país. Além disso, enfatiza a necessidade de desenvolver a indústria doméstica de efeitos especiais e de tecnologias que são utilizadas para processamento de conteúdo digital.


As chuvas torrenciais que há meses atingem a China seguem causando estragos. A elevação do nível de água do Rio Yangtzé produziu uma das imagens mais marcantes da semana ao alcançar pela primeira vez em décadas os pés da estátua do Grande Buda de Leshan, na província de Sichuan. Além de já terem afetado diretamente a vida dezenas de milhões de pessoas, os grandes níveis de precipitações também vêm causando ansiedade por temores quanto à segurança da Hidrelétrica das Três Gargantas, que enfrenta o maior fluxo de água da sua história. Autoridades chinesas afirmam que a barragem da usina segue intacta e não oferece riscos — ainda assim, cerca de 100 mil pessoas foram evacuadas das margens do Yangtzé devido à gravidade de situação.


Ao longo dos últimos anos, a comédia stand-up tem ganhado força na China. Assim como acontece em diversos outros países, contudo, a atividade ainda é expressivamente dominada por homens. Se o programa Rock and Roast — uma competição televisiva entre comediantes chineses — serve como indicativo, porém, isso pode estar mudando: apesar de ainda estarem em minoria, participantes mulheres vêm se destacando na disputa e conquistando o apoio em massa dos telespectadores do país. Mas o caminho pela igualdade ainda é longo: dentre as barreiras que persistem, relatos destacam a resistência do público a comediantes mulheres e casos de perseguição e assédio (inclusive sexual) dentro da própria comunidade.

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Um pouco mais acadêmico: esse artigo do início do ano, de Jianfu Chen, sobre como a China precisa usar o direito internacional e reduzir o discurso de modelo de governança global sobre a Iniciativa Cinturão e Rota para garantir mais apoio.

Música: Taiwan domina as nossas recomendações musicais por bons motivos. Prepare os fones de ouvido e ouça o rap de 瘦子 ESO!

Carta de um leitor: o trabalhador migrante Wu Guichun, de 54 anos, escreveu uma carta de agradecimento para a biblioteca da cidade industrial de Dongguan, onde ele trabalhava. Na emocionante carta, que foi publicada por um bibliotecário no WeChat e viralizou, Guichun agradece a existência do espaço e torce que siga sendo espaço de aprendizado para outros trabalhadores migrantes.

Podcast: Ruodi Duan (da Universidade Harvard) fala no podcast The Arts of Travel sobre o movimento negro radical, Mao e a antiga solidariedade da China com o movimento negro.

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