Newsletter 119 (PT)
Em meio aos esforços para formular o próximo plano quinquenal chinês (a ser lançado em 2021), Xi Jinping reuniu na última semana um grupo de nove economistas — considerados os mais influentes do país — para discutir a formulação da estratégia de desenvolvimento a ser implementada pelo gigante asiático nos próximos anos. Por enquanto chama a atenção a composição do grupo: todos os convidados são homens, e a maior parte defende o desenvolvimentismo estatal em detrimento do avanço do processo de liberalização econômica na China. Dentre os nomes, alguns são facilmente reconhecíveis, como Justin Lin Yifu, famoso desertor militar taiwanês e ex-Economista Chefe do Banco Mundial, e Zhu Min, ex-Diretor de Gestão de Deputados do Fundo Monetário Internacional.
Na última sexta-feira (28), o Ministério do Comércio chinês revelou a adição de novos itens — incluindo aqueles relacionados à computação e inteligência artificial — à lista de tecnologias sensíveis sujeitas a controles de exportação por parte do governo do país. A notícia é péssima para ByteDance, startup chinesa por trás do TikTok: forçada pela administração Trump a vender as operações do aplicativo nos Estados Unidos, a empresa agora pode ter dificuldades em conseguir oficializar uma transação que satisfaça tanto as exigências de Washington quanto as novas regulações de Pequim.
Lembra da Dual Circulation Strategy (DCS, em inglês) que comentamos na última edição da Shūmiàn? Guarde esse jargão porque ele será cada vez mais ouvido. Nesta semana, Xi Jinping declarou que pretende iniciar um teste piloto da DCS na região do Delta do Rio Yangtzé — mais especificamente entre Shangai, Anhui, Jiangsu e Zhejiang. A escolha das localidades é promissora: mostra, cada vez mais, a interiorização do desenvolvimento econômico chinês em direção às porções central e ocidental do país — ao invés de ser centrado na região costeira, como ocorreu na década de 1980.
Para entender melhor a DCS: Feng Xuming, economista da Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS, em inglês) publicou um artigo levantando as principais diretrizes da estratégia. Dentre elas, enfatizamos cinco: melhora da capacidade de inovação tecnológica, aumento da renda per capita disponível, expansão da classe média chinesa de 400 milhões para 800 milhões nos próximos três planos quinquenais; forte uso de inteligência artificial e big data para melhorar sistemas logísticos, e equilíbrio entre consumo e investimento.
O novo sistema chinês de parques nacionais (já falamos ano passado sobre essa discussão) que pretende focar em proteger o habitat de espécies em risco de extinção já está em fase de testes. O projeto, que selecionou 10 parques pilotos cobrindo 12 províncias, está em fase de revisão final. A ideia da iniciativa, que é considerada prioridade por Pequim, é centralizar diversas áreas antes sob administração dispersa para o guarda-chuva de um órgão central. Há desafios, porém, como realocação e reorganização da economia local, já que a pecuária pode destruir vários desses espaços, é necessária a criação de infraestrutura e organização de um setor de ecoturismo. Em uma matéria da National Geographic, Kyle Oberman escreve sobre o que meses de pesquisa e viagem mostraram sobre o esforço chinês. Vale ler e apreciar as fotos.
Aconteceu: a China tornou-se o maior parceiro comercial da Argentina. O Brasil, que costumava ocupar a posição, foi perdendo o primeiro lugar já há algum tempo; os sinais começaram em outubro. A guinada, porém, veio durante a pandemia da COVID-19, quando houve uma forte queda do setor industrial automotivo — responsável por 40% das relações comerciais entre os dois países. Se do lado brasileiro as coisas não iam bem, as exportações argentinas para a China mantiveram-se estáveis com as vendas de grãos. Para além disso, os chineses têm mirado na Argentina como um dos pilares de segurança alimentar — dado os planos de produção em larga escala de porcos. A lua de mel da “ArgenChina” inclui cooperações no ramo espacial e uma possível entrada do país sul-americano na BRI.
Falando em parceiros comerciais, o Conselho Empresarial Brasil-China lançou uma Carta que reúne publicações e reflexões sobre a relação entre os dois países. A última edição trouxe textos dos embaixadores Luiz Augusto Castro Neves e Marcos Caramuru, além de outros especialistas e diplomatas. Os textos cobrem uma variedade de questões pertinentes aos laços comerciais, inclusive sobre economia chinesa e o lugar do Brasil no contexto da disputa entre EUA e China por influência.
Como parte de uma série de exercícios militares ao longo de sua costa, o gigante asiático lançou, na última semana, mísseis balísticos no Mar do Sul da China. Os mísseis — quatro no total e de médio alcance — atingiram uma área entre a ilha de Hainan e o arquipélago disputado de Xisha-Paracel. Em resposta, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos classificou o lançamento como contraprodutivo, considerando-o uma afronta por parte de Pequim à paz e estabilidade local. Quem também não ficou feliz com os novos desenvolvimentos foi o Vietnã, que acusou a China de violar a soberania de Hanói e complicar as negociações em torno de um código de conduta ao realizar treinamentos em áreas disputadas da região. O Japão, por fim, também se pronunciou, afirmando, através de seu Ministro da Defesa Taro Kono, que se opõe a quaisquer iniciativas unilaterais para alterar o status quo das vias navegáveis tanto do Mar do Sul da China quanto também no Mar do Leste.
Por falar em Japão, será que a aposentadoria do primeiro-ministro Shinzo Abe pode mudar algo na relação com a China? Improvável. O Japão deve seguir navegando entre dois gigantes. A China é o principal parceiro comercial do país, e tem sido impossível manter-se distante à medida que se torna mais relevante no cenário global; ao mesmo tempo, o alinhamento japonês aos Estados Unidos já existe há décadas. Ainda assim, há quem diga que em Pequim deve ter um alívio, já que o primeiro-ministro — que se deu muito bem com Trump — direcionou uma modernização militar das forças japonesas como não se via há tempos, para o nervosismo dos vizinhos. Abe e Xi Jinping chegaram no poder em seus respectivos países na mesma época: o primeiro chegou ao poder no Japão em dezembro de 2012, Xi virou Secretário Geral do Partido em novembro do mesmo ano e presidente da China em março de 2013. A relação dos dois países passou por idas e vindas nesses oito anos, começando com as disputas territoriais no Mar do Leste e protestos anti-Japão.
De acordo com documentos obtidos pela unidade investigativa da Al Jazeera, mais de 500 chineses obtiveram cidadania do Chipre — país-membro da União Europeia — entre os anos de 2017 e 2019. Dentre eles, nomes como Yang Huiyang, empreiteira e mulher mais rica da Ásia, e Lu Wenbin, empresário e membro do governo da província de Sichuan. Apesar de não proibir que seus cidadãos tentem obter residência permanente ou cidadania em outros países, a China não reconhece legalmente a dupla nacionalidade. Assim, se um chinês obtém cidadania estrangeira, é comum que isso leve a perda automática de seu status como cidadão chinês. A revelação lança luz sobre um fenômeno importante em meio à elite chinesa: aparentemente inseguros quanto à manutenção de suas fortunas, alguns dos indivíduos mais ricos do país traçam planos secretos de imigração a despeito dos riscos e implicações simbólicas e legais em seu país de origem.
Uma recente análise de Ying Wang e Lei Hua sugere que a burocracia meritocrática do Partido Comunista Chinês (PCCh) pode não ser, no fim, tão meritocrática assim. Segundo a pesquisa, quanto maior for o nível de início de carreira, maior é a chance de ser promovido e de sobreviver a disputas de poder dentro do PCCh. Por outro lado, se o membro do Partido inicia em governos de base — nas vilas e cidades menores — mais fraco é o indivíduo em disputas políticas e menor é a chance de conseguir uma promoção. Conforme a análise, isso aponta uma dissonância do Partido no que diz respeito à importância de trabalhos de base e poderia colocar em xeque a sustentabilidade da organização ao longo prazo. Leia mais aqui.
Tatuagens estão se tornando cada vez mais populares na China. Uma matéria da The Economist sobre o tema comenta que, apesar de não serem vistas com bons olhos, se tornaram uma nova manifestação das artes clássicas da pintura de paisagens (que no Brasil é conhecida como sumi-e) e caligrafia chinesas. A popularidade das tatuagens no país, contudo, ainda enfrenta problemas: devem ser borradas na televisão, por causa da sua associação com o hip hop. Teve uma famosa imagem do tatuado David Beckham sem camisa que circulou com o torso do jogador totalmente borrado. Para ver os trabalhos de alguns tatuadores chineses, confira esse fio aqui no Twitter.
Uma reportagem do Buzzfeed afirma ter descoberto a localização de “campos de reeducação” em Xinjiang usando o sistema de satélites chinês Baidu (parecido com o Google Maps). A investigação, que dura quase 2 anos e tem apoio da ONG Open Technology Fund, se baseou na comparação das imagens do Baidu Maps e do Google Earth para a mesma localização — onde o primeiro não carregava direito ou aparecia imagem genérica, no segundo era possível ver com clareza as contenciosas instalações. O procedimento foi repetido em diversas localizações na região e a conclusão foi de 428 unidades prisionais de algum tipo, com mais da metade tendo sido expandido desde 2016.
Falando em Xinjiang, um site anônimo chamado Chinese for Uighurs foi lançado recentemente trazendo depoimentos de cidadãos chineses que não aprovam as políticas contra a minoria muçulmana na região. Está em chinês.
Hoje é dia de pop, bebê: está virando uma tradição a seção musical vir de Taiwan. Dessa vez, aproveite o indie pop da Sodagreen!
Noodles: você já ouviu falar de biang biang noodles? Famosos por serem escritos com o carácter chinês mais complexo que existe, também são deliciosos. Direto de Xi’An, vem ficar com fome também.
Fotografia: conheça o trabalho de Liu Bolin, ou o “homem invisível”, que mistura pintura corporal, composições precisas e protesto social em sua impressionante obra.
Mais fotografia: não só se trem rápido vivem os chineses. O fotógrafo Qian Haifeng documentou por 10 anos viagens nos trens verdes, que começaram a circular nos anos 50 e hoje são uma raridade. Por seu preço mais em conta, são mais utilizados por trabalhadores de baixa renda.