Newsletter 130 (PT)
Conforme publicado pelo Wall Street Journal, fontes próximas ao caso indicam que a decisão de suspender o IPO histórico do Grupo Ant teria partido diretamente do líder chinês Xi Jinping. Para além de uma resposta a um discurso proferido em Shanghai em que Jack Ma criticou abertamente o sistema bancário chinês, a ordem sinalizaria a preocupação de Pequim em impor novas regras antitruste sobre o setor de tecnologia no país. Assim como aconteceu nos EUA, as empresas chinesas de tecnologia também cresceram em um ambiente de poucas regulamentações e, agora, as relações mantidas com Pequim são difíceis — se por um lado elas simbolizam o progresso tecnológico do país, por outro é difícil enquadrá-las dentro da estrutura não somente econômica mas também política chinesa. Uma coisa, porém, é certa: os desenvolvimentos recentes já deixam muitos bilionários do país com os cabelos em pé na expectativa de quais mudanças se seguirão.
O pesquisador Evgeny Morozov escreveu um interessante artigo para o Le Monde Diplomatique sobre a história e o funcionamento da Huawei. Ele aborda questões sobre os esforços de Pequim em desenvolver tecnologia nacional e garantir a soberania digital. Morozov engata isso com propriedade intelectual, como a empresa se insere na disputa geopolítica e comercial entre China e Estados Unidos, e a preocupação de outros países com espionagem, caso usem a Huawei para construirem suas redes 5G. Vale tirar alguns minutos do dia para ler.
Já comentamos na Shūmiàn sobre a iniciativa Clean Network dos Estados Unidos que, em linhas gerais, busca criar uma internet “verdadeiramente estadunidense” – ou sem a participação de empresas de tecnologia da China. Pois bem, o Brasil passou a ser o mais novo signatário dessa empreitada, e não foi sem barulho. Após Keith Krach, subsecretário de crescimento econômico, energia e meio ambiente do Departamento de Estado dos EUA, ter dito no evento de assinatura da proposta em Brasília que a Huawei era a espinha dorsal da espionagem chinesa no mundo, a Embaixada da República Popular da China no Brasil reagiu prontamente dizendo se tratar de mentiras políticas. A iniciativa Clean Network “é discriminatória, excludente e política. É de fato uma rede suja e sinônimo de abuso do pretexto de segurança nacional”, defendeu a nota.
Por falar no Brasil, rastros do novo coronavírus foram encontrados em amostras de carne bovina congelada importada do país na cidade de Wuhan, na China central. Após a descoberta, o lote de onde a amostra foi retirada, que ainda não havia chegado ao mercado, foi isolado, e sua área de armazenamento devidamente desinfectada. A atenção dedicada à análise de itens alimentícios congelados faz parte do esforço chinês para garantir que a COVID-19 não volte a se espalhar em larga escala pelo país. A Organização Mundial da Saúde, assim como muitos especialistas, alerta que não há indícios robustos de que rastros do vírus em embalagens possam levar a novas infecções. Ainda assim, pesquisadores e autoridades chinesas mantêm-se atentos, alegando que há provas de que, sim, carne e frutos do mar congelados podem levar ao surgimento de surtos da doença.
O Secretário de Estado Mike Pompeo voltou a causar desconfortos entre Pequim e Washington ao afirmar, durante entrevista a um programa de rádio, que a ilha de Taiwan não faz parte da China. “Isso foi reconhecido pelo trabalho que a administração Reagan fez para traçar as políticas às quais os Estados Unidos aderem há três décadas e meia”, completou Pompeo. Se a declaração foi bem recebida em Taipei, o mesmo, é claro, não pode ser dito sobre a China continental: através de seu porta-voz Wang Wenbin, o Ministério das Relações Exteriores do gigante asiático respondeu reforçando que qualquer comportamento que enfraqueça os interesses chineses ou que interfira nos assuntos domésticos do país será recebido com contra-ataques resolutos por parte da China.
Coincidentemente ou não, Pequim decidiu cumprimentar Joe Biden e Kamala Harris pela vitória nas eleições presidenciais estadunidenses pouco tempo após a manifestação contenciosa de Pompeo. Novamente, coube a Wang Wenbin a declaração, que aproveitou a ocasião não somente para parabenizar Biden e Harris, mas também para afirmar que a China entende que o resultado das eleições dos EUA serão determinados de acordo com as leis e procedimentos adotados pelo país norte-americano. Com isso, o gigante asiático junta-se à maior parte das grandes economias do mundo, que em sua maioria já reconheceram o resultado aparente e, é claro, a derrota de Donald Trump na disputa pela Casa Branca.
O maior pacto comercial do mundo foi oficializado no domingo (15), ao abarcar 2,2 bilhões de pessoas e ⅓ da economia mundial, segundo a DW Brasil. A Parceria Regional Econômica Abrangente (ou RCEP, em inglês) inclui um acordo de livre-comércio entre 15 países da região da Ásia-Pacífico, mas não os Estados Unidos. Está sendo negociado desde 2012, apoiado por Obama, e era visto como uma maneira de contrapor a influência chinesa na região. Sai Obama, entra Trump, e as coisas mudaram. O governo Trump saiu das negociações em 2017 e houve esforço dos países de impulsionarem a sua elaboração, como parte de uma tendência regional de diversificar parcerias. A Índia também não está no acordo, por oposição interna, mas há esperança dos países participantes para que o país entre em algum momento futuro.
Vista como uma vitória da China — que mais uma vez se posiciona como defensora do multilateralismo e do livre comércio, a Parceria deve servir de apoio para a recuperação econômica da região no contexto da pandemia, incorporando redução de tarifas não só de agricultura, mas também nas áreas de e-commerce, telecomunicações e propriedade intelectual.
Um comissário de bordo foi suspenso e posteriormente demitido pela China Southern Airlines, uma das maiores empresas aéreas chinesas, após um vídeo seu beijando outro homem ter viralizado nas redes. O ex-funcionário que reside em Shenzhen, Chai, decidiu abrir um processo contra a empresa por demissão injusta. Advogados que lidam com preconceito contra pessoas LGBTQ+ na China afirmam que o processo de Chai é importante, pois mostra que muitas pessoas estão escolhendo levar para a justiça situações que ainda são bastante comuns. Em 2015, um caso similar também levado à justiça em Shenzhen foi noticiado como o primeiro processo por discriminação no ambiente de trabalho por conta de orientação sexual. Em 2017, um homem chinês venceu um processo pioneiro no país, após ter sido forçado a fazer “terapia de conversão”, em Henan.
Elx, elu, they, them: não importa o idioma, a busca por criar uma linguagem de gênero neutra é vista em diversos lugares do mundo — e a China não poderia ficar de fora dessa. Segundo Kaspar Wan, ativista trans do grupo de apoio Gender Empowerment de Hong Kong, o pronome “X也” tem ganhado tração por algumas pessoas não-binárias, que tentam criar um pronome mais preciso do que o 他 (tā, para o gênero masculino) e 她 (tā, para o gênero feminino). Há quem opte também apenas pela forma pinyin, o tā — visto que os pronomes masculino e feminino são homófonos em mandarim. Para Joanne Leung, ativista trans também de Hong Kong, o pronome 他 precisa ser, na verdade, ressignificado: durante muito tempo, o pronome masculino era visto como neutro; no clássico da literatura O Sonho da Câmara Vermelha, por exemplo, 他 descreve tanto personagens masculinas quanto femininas. Seja como for, a discussão está longe de ter um fim.
Existe alguma possibilidade de a internet na China ser mais aberta? Sim, mas não significa que ela será livre. É o que analisa David Bandurski para um artigo do Brookings Institute. Bandurski discorre sobre a questão a partir da criação de um VPN que teve o aval das autoridades de segurança cibernética do país, o aplicativo Tuber. O app prometia acesso ao Google, Instagram, Twitter, YouTube e muitos outros serviços que não passam pelo “Great Firewall of China”. Para usá-lo, era necessário registrar o número da carteira de identidade e celular, e aceitar as inúmeras condições de compartilhamento de dados do app com autoridades de segurança — para garantia da segurança nacional e a promoção de uma internet “mais saudável”.
Com isso, o aplicativo daria acesso a sites bloqueados, mas de uma forma controlada e guiada. Em 24 horas, o Tuber teve 5 milhões de downloads e, no dia seguinte, foi retirado das principais lojas de aplicativo do país. Para Bandurski, apesar de o Tuber não ter ido para frente, ele pode sinalizar o que o Partido Comunista Chinês enxerga como o futuro da internet na China: com mais liberdade, mas regrada.
Manifesto: uma das primeiras traduções para o mandarim de excertos do Manifesto Comunista foi feita e publicada em uma revista feminista, em 1908. Rebecca Karl discute os possíveis significados disso para a análise histórica.
Música: vai um rap aí? Aumenta o som e curta um dos rappers mais consagrados de Taiwan, o famoso Leo王.
Lua vai: um alívio depois das críticas de Mulan, a nova animação A Caminho da Lua tem sido bem recebida e elogiada pela autenticidade e respeito à cultura chinesa — e como mostra o vídeo da Goldthread, isso exigiu muita pesquisa. A história se baseia na lenda da deusa da Lua, com figurinos desenhados pela estilista chinesa Guo Pei (que ficou mais famosa do lado de cá de Greenwich após o vestido dourado que Rihanna usou no MET Gala em 2015).
Filmes: procurando o que assistir? A RadiiChina fez uma lista de 25 filmes chineses dos últimos 10 anos para ajudar a entender o país.