Conforme manda a tradição, o início de um novo ano veio acompanhado de um discurso de Xi Jinping e, como não podia deixar de ser, a pandemia foi o grande plano de fundo. Xi prestou homenagem às equipes médicas, cientistas e lideranças comunitárias que ajudaram a conter o avanço da COVID-19 no país, e ressaltou outros feitos de Pequim: a retirada de quase 100 milhões de residentes rurais que estavam abaixo da linha da pobreza; o controle das enchentes, os avanços na área espacial e, antevendo uma grande comemoração em 2021, os 100 anos da fundação do Partido Comunista Chinês.

Quer saber mais? Você pode ler ou, se preferir, ouvir o discurso completo de Xi.

A primeira vacina contra a COVID-19 na China chegou. Desenvolvida pela estatal Sinopharm, a vacina acaba de receber aprovação parcial da Agência de Produtos Médicos do país — ou seja, ela pode ser usada para campanhas de vacinação em massa, mas o laboratório responsável precisa seguir coletando dados sobre seus impactos de longo prazo. O nível de eficácia da vacina não é claro: seus testes, realizados tanto na China quanto nos Emirados Árabes, apontam para níveis diferentes que variam entre 79% e 86%. Ainda assim, autoridades chinesas afirmaram que essa diferença reflete discrepâncias nos padrões de procedimentos no diagnóstico de pacientes e não problemas na vacina em si.

Quanto custa eliminar a pobreza na China? Já abordamos diversas vezes aqui na Shūmiàn (inclusive em um dos episódios de nosso podcast) os detalhes dos esforços chineses para acabar com a pobreza no país. Recentemente, um artigo do The New York Times trouxe à tona outra importante dimensão deste debate: a abordagem chinesa de aliviação de pobreza, baseada em grande medida em generosos subsídios para criação de empregos e construção de moradia, é cara até mesmo para a China e, portanto, praticamente inviável para outros países em desenvolvimento. Para Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para a China, a questão agora é de longevidade: “Temos certeza de que a erradicação da pobreza absoluta na China nas áreas rurais foi bem-sucedida — dados os recursos mobilizados, temos menos certeza de que [a mudança] é sustentável”.

As gigantes de tech que se cuidem: vem aí uma nova legislação antimonopólio. A não abertura do IPO do Ant Group, em novembro do ano passado, da qual falamos aqui, serviu para abrir outra coisa: uma possível caixa de pandora regulatória para as empresas de tecnologia. Não foi só ano de Código Civil no país, pois no apagar de luzes de 2020, o governo chinês lançou também outra jurisprudência importante: o rascunho de uma nova legislação antimonopólio (AML, na sigla em inglês) focada nas gigantes da internet como Alibaba, Tencent, JD.com e mais. É uma adição à legislação existente desde 2008. Em 2019, 103 investigações sobre monopólio de empresas foram lançadas no país, com metade dos casos comuns incluindo firmas estrangeiras — como a Ford e a Toyota. As opiniões sobre a legislação divergem e analistas apontam que pode ser uma maneira de Pequim reduzir o poder e influência em contraposição ao Partido. Contudo, investigações antitruste estão se tornando mais comuns, como as recentes nos EUA contra o Facebook e na Europa contra a Amazon.

No final de novembro, o CEO do Alibaba Group, Daniel Zhang, falou em um evento sobre como uma expansão da legislação para prevenir comportamentos monopolistas por plataformas de internet era necessário. Não adiantou o elogio de Zhang e o órgão estatal de regulação do mercado anunciou no dia 24 de dezembro que iria iniciar uma investigação inédita contra o Alibaba por práticas monopolistas. No caso, por pressionar vendas obrigatoriamente pela sua plataforma.

Na última quarta-feira (30), líderes da China e da União Europeia se reuniram para firmar um tratado de investimentos entre as duas partes. A iniciativa, que estava em negociações há quase uma década, prevê mudanças que incluem maior acesso a ambos os mercados, melhora no ambiente de negócios e garantias institucionais mais robustas. Os chineses, em particular, ainda precisarão proibir práticas tidas como injustas (como transferências forçadas de tecnologia) e, ainda, ter mais clareza nos subsídios concedidos a corporações estatais. Firmado menos de um mês antes do início da presidência de Joe Biden, o acordo pode acabar se tornando um desafio à política do novo líder estadunidense não somente perante a Pequim, mas também frente a antigos aliados na Europa.

Por falar em Estados Unidos, a administração Trump, prestes a deixar a Casa Branca, segue provocando tensões com a China. Desta vez, sob o argumento de serem controladas pelas forças armadas chinesas, três empresas do país — China Telecom Corp. Limited, China Mobile Limited e China Unicom Hong Kong Limited — serão expulsas da Bolsa de Valores de Nova Iorque. O processo de expulsão ainda não foi finalizado, mas Pequim já respondeu: alegando que os estadunidenses estão abusando do poder estatal e do argumento de segurança nacional para reprimir os negócios chineses, o Ministério do Comércio do país afirmou que tomará as medidas necessárias para “salvaguardar resolutamente os direitos e interesses legítimos das empresas da China”.

O ano começou tenso no porto de Gwadar, um dos projetos mais famosos do Corredor Econômico China-Paquistão e um dos maiores símbolos da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, sigla em inglês).  Após o anúncio de autoridades paquistanesas de selar a área próxima ao porto com cercas de arame farpado, protestos ocorreram logo em seguida e perduraram até que a ideia fosse descartada. Aproximadamente 24 quilômetros quadrados ficariam isolados e a população dividida em duas grandes áreas, afetando 300.000 pessoas. O objetivo era aumentar a segurança do porto, que já foi alvo de múltiplos ataques terroristas.

O caso também serve de reflexão para a necessidade, cada vez maior, de a China garantir a segurança de seus investimentos em áreas mais sensíveis. Como isso será feito, respeitando o princípio de não-intervenção em assuntos domésticos de outros países?

O que esperar das relações entre a África e a China em 2021? O The China-Africa Project traz 10 questões que vão moldar essa importante dinâmica. Dentre elas estão: a distribuição de vacinas, conforme apareceu aqui já; a redução dos empréstimos chineses no exterior, como discutido neste episódio do The China in Africa podcast; mas o maior volume de investimentos chineses; o aumento de dívida de alguns países, como Angola, Etiópia, Djibuti e Quênia, com a China; crescente participação chinesa no setor de tecnologia africano; e menor papel da África como disputa da China com os EUA, mas podendo ter maior papel enquanto Pequim tensiona relações com a Austrália.

Quão viável é o mercado de produtos orgânicos na China? Como em todo lugar, esse segmento alimentício depende muito da condição socioeconômica e conscientização de questões ambientais de uma sociedade. Na China, os passos são promissores desde 2013, quando o país aprovou uma série de leis para regular a prática. Apesar de ter uma pequena fatia de mercado — um grupo limitado, porém crescente, de famílias que ganham mais de 30.000 reais por mês —  as vendas ultrapassaram 5 bilhões de reais só em 2018, com promessa de chegar a quase 160 bilhões de reais já no ano que vem.

Curiosamente, o hábito de consumo de produtos orgânicos na China é focado mais em leite, deixando vegetais e frutas em segundo plano. O momento pós-pandemia pode fortalecer o mercado, que ainda vive dificuldades para convencer a população a gastar mais pelos benefícios de longo prazo de seus produtos.

Onde estão as mulheres na política chinesa? Mao Zedong famosamente disse “que as mulheres sustentam metade do céu”, mas elas estão em apenas 9% dos cargos de liderança política na China. São dados trazidos pela investigação de Shen Lu para o ChinaFile. Ela analisou os números de quadros do Partido Comunista da China, motivada pela reflexão de que ⅔ dos profissionais de saúde na linha de frente de combate à pandemia em Wuhan eram mulheres e Sun Chunlan (única mulher no Politburo, o órgão mais importante do país) estava liderando a Força Tarefa na cidade. Apesar desse destaque durante a pandemia, as mulheres são 37,5% dos membros do Partido e, como acontece em outros setores, em 2017 apenas 9% estavam em cargos de liderança em geral e cada vez menos à medida que a hierarquia fica mais alta. A pesquisa de Shen Lu também traz outras reflexões sobre desafios e motivações para esses números.

Já falamos algumas vezes sobre liberais chineses que apoiam o Trump. último episódio do podcast Sinica convida o jornalista Ian Johnson e o cientista política Lin Yao para discutirem esse fenômeno. Intelectuais liberais dentro e fora da China, inclusive dissidentes, demonstraram apoio ao governo Trump ao longo dos últimos anos. De Chen Guangcheng (advogado de direitos humanos chinês que reside nos EUA desde 2012), passando por Xia Yeliang (professor que assinou o manifesto de 2008 pró democracia), Tang Baiqiao (um dos líderes dos protestos de 1989 na Praça da Paz Celestial) e o famoso artista Ai Weiwei. O episódio traz boas reflexões, inclusive sobre a definição de “ser liberal” na China em oposição ao que é entendido nos Estados Unidos.

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Para ficar de boa: a primeira dica musical de 2021 fica com a trilha criada pelo trio Enno Cheng, ABOW (阿仍仍) e Chunho. Está uma delícia. Aumenta o volume!

Dicas de leitura: que tal começar o ano com uma nova lista de livros para ler? O What’s On Weibo fez uma com os 50 melhores livros sobre China da atualidade. Você vai encontrar desde o já clássico “Has China Won?” de Mahbubani, a “Wuhan Diary”, de Fang Fang.

Entretenimento: passada a crise provocada pela pandemia da COVID-19 sobre a indústria audiovisual chinesa, 2021 promete várias opções de entretenimento nas televisões e nas telas de cinema do país. Confira alguns dos principais lançamentos aqui e já deixe a pipoca pronta.

Os melhores memes: quer ver quais vídeos fizeram sucesso na China em 2020? Aqui tem uma compilação para você ficar por dentro.

Bibliografia: procurando saber mais sobre a situação em Xinjiang? A professora Kelly Hammond da Universidade de Arkansas e equipe montaram uma lista online com links sobre diversos temas cobrindo os anos de 2016 até 2020.

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