Newsletter 141 (PT)
Após longa espera e bastante tensão, chegou ao fim a missão da Organização Mundial da Saúde à China para investigar as origens da pandemia do novo coronavírus. Em conferência de imprensa realizada na semana passada, os investigadores divulgaram as principais conclusões da viagem. Destacaram, por exemplo, que é extremamente improvável que o SARS-CoV-2 tenha se originado em um laboratório chinês e, ainda, que não é impossível que o vírus sequer tenha surgido em Wuhan — há uma chance, embora pequena, de ele ter chegado lá via alimentos congelados, por exemplo. Pequim parece ter apreciado o desfecho da investigação, mas nem tudo são flores: alguns pesquisadores, por exemplo, não ficaram satisfeitos com a resistência chinesa em entregar dados não tratados sobre os primeiros pacientes diagnosticados com COVID-19 no país.
As gigantes de tecnologia da China estão correndo para neutralizar sua pegada carbônica. Seguindo a tendência internacional de empresas do ramo, como Google, Microsoft e Apple, além da meta do próprio governo central chinês de neutralizar as emissões de carbono até 2060, Tencent, Alibaba e Baidu sabem que o caminho é longo. Como escreve Ye Ruiqi para o China Dialogue, os desafios das gigantes são homéricos: elas precisam repensar a própria cadeia produtiva (desde a origem das matérias primas, passando pelo beneficiamento e até a distribuição) e usar energias 100% renováveis para sustentar o alto consumo de seus supercomputadores. Além disso, as empresas devem repensar o papel de aperfeiçoar tecnologias como a inteligência artificial em projetos que causam grande impacto ambiental, como é o caso das termoelétricas. Prepare um cafezinho e leia a análise completa de Ye aqui.
Micro-empréstimos fora de controle? É o tema da matéria de Zeyi Yang da semana passada. Como já apareceu nas últimas edições, é algo que o governo chinês vem tentando regular. As dificuldades econômicas trazidas pela crise da COVID-19 aceleraram o número de pequenos empréstimos sendo feitos na China, o que também aumentou devido ao número de empresas que os estão oferecendo. Não é algo restrito apenas a bancos ou fintechs — empresas como a Xiaomi, além de apps de entrega e streaming oferecem empréstimos de alguma forma. Essa tendência vem crescendo desde 2014 e, por causa do maior número de pessoas usando celulares, o acesso ao crédito aumentou. Contudo, há riscos de endividamento nesse ambiente desregulado, causado por juros altos para os empréstimos e taxas administrativas pouco explicadas.
A BBC acaba de ser banida do gigante asiático. O anúncio partiu da Administração Nacional de Rádio e Televisão da China na última quinta-feira (11), sob alegações de que a rede britânica “infringiu os princípios de veracidade e imparcialidade do jornalismo”. Provavelmente não por coincidência, a decisão se dá uma semana após a CGTN, rede de televisão estatal chinesa em língua inglesa, ser banida do Reino Unido pelas autoridades reguladoras do país europeu. Um porta-voz da BBC lamentou o desenvolvimento do caso, afirmando que a organização é “a emissora de notícias mais confiável do mundo” e que cobre histórias de todos os lugares de maneira “justa, imparcial e sem medo ou favorecimentos”.
A alta demanda por cavalos-marinhos oriundos do México impulsiona um lucrativo comércio ilegal na China, onde 100 gramas do produto podem ser vendidos por entre 120 e 580 dólares. Pouca fiscalização e muita corrupção dão margem ao mercado clandestino que utiliza Hong Kong como um dos seus principais entrepostos. O apetite se justifica pelas propriedades afrodisíacas do peixe: há a crença na medicina tradicional chinesa de que o consumo de cavalos-marinhos ajude a aumentar a virilidade entre os homens e a combater a infertilidade nas mulheres — e por isso o produto é tão cobiçado. Confira a reportagem completa aqui.
No início do mês, o Myanmar entrou numa grande crise política, após militares tomarem o controle do governo e prenderem a chefe de Estado Aung San Suu Kyi. Ainda que haja um consenso generalizado de que isso foi um golpe de Estado, Pequim coloca o incidente apenas como “questão doméstica”. Na ONU, a representação chinesa falou que é preciso respeitar a soberania do país. A relação com Myanmar (que faz fronteira com a China) é complexa há alguns anos e coloca Pequim em um imbróglio. O país é importante fornecedor de jade e madeira para a China, além de ser um parceiro estratégico na região. Ou seja, a instabilidade de um golpe de Estado dificulta o progresso na dinâmica bilateral dos últimos anos. O órgão de direitos humanos das Nações Unidas aprovou uma resolução sobre a situação no Myanmar, mas especialistas afirmam que Rússia e China somente aceitaram o documento quando foram incluídas recomendações em tom menos crítico do que havia na proposta original, enfatizando o argumento de que se trata de um problema interno birmanês.
Altos níveis de poluição marcaram os dois primeiros dias do novo ano lunar na China. A maioria das cidades do norte do país presenciaram níveis de “P.M. 2,5” (partículas de poluição que danificam os pulmões) acima de 232 em Pequim. Para se ter ideia do que isso significa, a Organização Mundial da Saúde recomenda que esse nível não passe de 25. Para quem já morou no norte da China, isso não surpreende, ainda que a qualidade do ar esteja melhorando significativamente nos últimos anos. Autoridades chinesas apontam os fogos de artifício como culpados pela poluição. Pesquisadores ambientais, por outro lado, responsabilizam as fábricas que permaneceram abertas por mais dias para recuperar o baque econômico da pandemia.
A situação não surpreende, mas desaponta: mais uma vez, a famosa gala televisiva para recepcionar a chegada do novo ano lunar na China incluiu blackface (pessoas não-negras se utilizando de artifícios de maquiagem e vestimenta para encarnar interpretações frequentemente exageradas da negritude) em sua programação. A prática não é nova — pelo contrário, é adotada desde os anos da Guerra Fria como maneira de “apresentar” a cultura do que Pequim enxerga como os demais povos oprimidos do mundo (especialmente África, Ásia e América Latina) aos telespectadores da festividade. Se a intenção era boa, porém, o tiro saiu pela culatra. Ano após ano, a tradição (que também inclui representações desrespeitosas de outras etnias, algumas inclusive chinesas) causa desconforto e é criticada por vozes negras na sinologia e em comunidades africanas dentro e fora da China. A despeito disso, segue sendo incorporada na celebração.
É um tema importante e foi por isso que a Shūmiàn lançou o projeto Vozes Negras na Sinologia, o único diretório aberto e gratuito com informações sobre pessoas negras que estudam China no Brasil.
Parece que a pandemia acelerou a crise demográfica na China. Em 2020, o número de nascimentos caiu: foram apenas 10,3 milhões de bebês registrados no sistema nacional para o hukou, segundo o Ministério da Segurança Pública. É uma queda brusca de 15%, sendo que em algumas províncias essa diminuição chegou a 30%. Ainda não se pode dizer que esse é o número final, pois nem todo nascimento é registrado no sistema, uma vez que tal inscrição pode gerar multas para quem tem muitos filhos. Ainda assim, é possível se ter uma ideia do problema. Já falamos sobre a pauta de envelhecimento da população chinesa. A China tem cerca de 250 milhões de pessoas acima de 60 anos (18% do total, e que deve chegar a mais de 30% em 2050) e, em 2022, espera-se que 1 em cada 7 pessoas esteja acima de 65 anos. O governo tentou reverter a situação com o fim da política do filho único — embora não tenha conseguido os resultados esperados. A situação também gera problemas sérios para o sistema de aposentadoria do país, como mostramos aqui, causando pressão sobre o mercado de trabalho.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Hits do ano novo: sabe aquelas músicas que sempre tocam em datas festivas? Hora de entrar no clima das comemorações do novo ano lunar com essa playlist dos clássicos do 春节!
Clima festivo: a youtuber Li Ziqi fez um vídeo super aconchegante para o 春节. De decoração a tira gosto, você muito provavelmente vai se sentir em casa com as celebrações.
Cinema: saiu a lista das produções pré-indicadas ao Oscar 2021 em várias categorias, e neste ano dois filmes chineses estão no páreo: Better Days, de Derek Kwok-Cheung Tsang, concorre à melhor filme estrangeiro, e 76 Days, de Hao Wu, marca presença na categoria de documentários. Estamos na torcida!
Poesia: a feminista Qiu Jin é um ícone chinês. Nascida em 1857, Qiu viveu um período conturbado na China, tendo sido revolucionária durante a queda da dinastia Qing e o início da república. Uma das suas principais bandeiras era a exigência de mais direitos para as mulheres. Confira a tradução para o inglês de alguns de seus poemas.
Lavagem cerebral: é o tema deste artigo curioso do Made in China Journal sobre o uso do termo em território chinês, sua origem (seria de fato chinesa?) e como aparece na história recente do país desde a Guerra Fria.
Entrevista: deu o que falar nos círculos da sinologia, então talvez você precise ler essa conversa com Elizabeth Perry, da Universidade de Harvard, sobre a resiliência e flexibilidade do Partido Comunista. Para quem não for assinante do The Wire China, uma matéria é liberada gratuitamente a cada 3 meses — use com sabedoria.