Newsletter 143 (PT)
Considerada uma daquelas companhias “grandes demais para falir”, o conglomerado HNA está em crise, conforme já comentamos no início do ano passado. O grupo privado é responsável por empresas aéreas e vários empreendimentos no setor turístico, tendo até ações do Deutsche Bank. Em 2017, chegou a estar na lista da revista Fortune das 500 empresas globais mais lucrativas. Um dos fundadores, Wang Jian, faleceu em um acidente em 2018. Agora, com dívidas acumuladas que beiram os 110 bilhões de dólares, além de 10 bilhões desviados por acionistas, a HNA recebeu, em janeiro, um aviso de falência da corte de Hainan (onde fica a sua sede). Em matéria da Caixin, uma investigação mostra que a reestruturação de cerca de 500 empresas ligadas ao conglomerado irá pagar os credores em até oito anos, que devem ficar com boa parte da propriedade do grupo.
De acordo com o consultor do Banco Central da China Liu Shijin, a economia do país pode se expandir em até 9% neste ano. O número precisa ser compreendido com cautela, já que tem como base o baixo nível de crescimento registrado em 2020. Ainda assim, é mais um indicativo da recuperação econômica robusta do gigante asiático após os choques da pandemia da Covid-19. E não para por aí: Helen Qiao, do Bank of America, disse em entrevista à CNBC na última semana que acredita que os chineses serão capazes de cumprir a meta de dobrar o PIB e renda per capita do país até o ano de 2035. Se de fato se confirmar, a previsão significa que a economia chinesa ultrapassaria a estadunidense e se tornaria a maior do mundo já em 2027. Alguns elementos, contudo, seguem preocupando, incluindo fatores como o envelhecimento da população da China e o alto endividamento do Estado chinês.
O clima voltou a esquentar entre a China continental e Taiwan. Desta vez, a causa das novas tensões não poderia ser mais inusitada: abacaxis. Em decisão que pegou os taiwaneses de surpresa, Pequim anunciou o banimento de importações da fruta da ilha por questões de biossegurança. Taipei não aceitou a explicação e classificou a medida como uma violação das normas comerciais globais. Pode até parecer trivial, mas a situação se alinha com outros recentes desenvolvimentos entre as partes e não vai custar barato — o governo de Tsai Ing-wen agora estima gastos de dezenas de milhões de dólares para auxiliar seus agricultores dependentes das vendas de abacaxi ao continente.
O cisne negro das próximas décadas pode ser verde. Os desafios impostos pelas mudanças climáticas pressionam não apenas o meio ambiente, mas também o sistema financeiro chinês: ativos investidos em projetos de energia não renovável ou de tecnologias ultrapassadas podem perder valor mais rapidamente, conforme avalia Ye Yanfei, diretor geral do escritório de pesquisa de políticas da Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China. Instituições financeiras chinesas ainda carecem de maior conhecimento sobre os riscos e as oportunidades da economia verde, apesar dos incentivos do governo central para os setores de energia limpa, como a energia eólica e a solar, além da conhecida meta de neutralizar as emissões de carbono do país até 2060. Os maiores desafios são a falta de informação e a ausência de incentivos econômicos para rastrear os impactos ambientais de cada investimento.
Novas movimentações nas tensões comerciais entre China e Estados Unidos. Tom Vilsack, Secretário de Agricultura estadunidense, acredita que a China está cumprindo com sua parte das premissas do acordo comercial assinado entre os dois países no ano passado. Vilsack, porém, alertou que a qualquer instante novos desenvolvimentos podem afetar esse cenário. Já Katherine Tai, principal indicada comercial da administração Joe Biden, afirmou em sua sessão de confirmação no Senado em Washington que tarifas são maneiras legítimas de contrabalancear a China. Tai ainda reforçou que pretende eliminar o que classifica como “áreas cinzentas” do comércio global, supostamente exploradas por Pequim em benefício próprio, além de rever práticas ou padrões comerciais custosos aos trabalhadores de seu país e ao meio ambiente.
Perdendo em seu próprio jogo? A busca por vacinas gratuitas ou a preços acessíveis entre nações de renda baixa e média deu à China uma oportunidade única de aprofundar suas relações com vários países ao redor do mundo. A princípio, o gigante asiático parecia, de fato, bem colocado para protagonizar a chamada “diplomacia da vacina”. Dificuldades de produção e novos surtos domésticos, porém, dificultaram o esforço e, agora, um novo competidor vem se fortalecendo. Maior produtora de vacinas do mundo, a Índia tem utilizado a ocasião para avançar em sua histórica disputa por influência internacional com os vizinhos chineses, tanto em países próximos como em regiões mais distantes como o sudeste asiático e a América Latina.
O parlamento do Canadá colocou pressão sobre Xinjiang, ao passar uma moção para considerar as políticas na região autônoma como genocídio. Conforme a matéria da Reuters, Trudeau ainda não se manifestou sobre a aprovação. O resultado da votação para a moção foi de 266-0. O embaixador chinês para o Canadá negou as afirmações. No jornal estatal People’s Daily, foram feitas acusações de que o governo canadense estaria sendo hipócrita em seu posicionamento, dado o histórico com os indígenas em seu território. Há também discussão sobre se o Canadá deveria boicotar as Olimpíadas de Inverno, a serem realizadas em Pequim em 2022. Esse seria um sinal forte: o país é um dos pesos-pesados nos esportes invernais. E não é só o Canadá — a pressão também veio do parlamento holandês e do Departamento de Estado dos EUA.
Em meio a tudo isso, o The New Yorker lançou uma matéria longa e interativa sobre o tema e que tem dado o que falar nos círculos da sinologia. Há também uma discussão sobre o uso do termo “genocídio”. Além disso, a discussão apareceu na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em que o ministro das relações exteriores, Wang Yi, disse que especialistas das Nações Unidas serão bem-vindos a visitar Xinjiang.
Imagine ser recompensada por todo o trabalho doméstico não-remunerado que você já fez na vida. Foi o que aconteceu na China. Uma corte do país que julga divórcios ordenou o pagamento, pelo ex-marido, de 7.700 dólares à mulher com quem foi casado por cinco anos. Essa quantia se somou à pensão devida de 300 dólares por mês, uma vez que a custódia do filho do casal foi concedida à mãe. O caso ganhou destaque nas mídias sociais chinesas. Algumas pessoas defenderam a decisão — apesar de reconhecerem o valor da compensação como baixo e injusto —, enquanto outras atacaram a causa do problema, ao dizer que já se foi o tempo de mulheres chinesas precisarem ser donas de casa pelo resto da vida.
Trabalho precarizado é uma pauta importante também na China. Os governos de Pequim e da província de Zhejiang estão propondo uma legislação para que seja criado um fundo de pensão para trabalhadores da economia “de bicos” (gig, em inglês). O experimento significaria a criação de um fundo privado, a partir de seguradoras comerciais. Durante a pandemia, ficou extremamente claro como entregadores precarizados oferecem serviços vitais para a sociedade. Ao mesmo tempo, notícias de algoritmos malfeitos em apps de entrega de comida ganharam destaque, com relatos de trabalhadores enfrentando metas impossíveis. Também há casos de prisão para os trabalhadores que denunciam as violações de direitos trabalhistas. O tema não é novo. Vale a pena passar um tempo na leitura da tradução não oficial, via Jeffrey Ding (do ChinaAI) e colaboradores, de uma matéria publicada pelo jornal chinês The Paper sobre como entregadores ficam presos a um sistema algorítmico que não está do lado deles. É um texto longo, mas extremamente importante.
Existem direitos humanos na China? Você já deve ter se deparado com essa pergunta em algum momento. Nada melhor do que passar o microfone para a ativista chinesa Xu Yan, esposa do advogado Yu Wensheng, conhecido defensor dos direitos humanos no país. Wensheng “foi desaparecido” em 2018 e só foi formalmente acusado em 2019, ano em que passou por um julgamento fechado sem acesso a advogados. Segundo Xu Yan, seu marido foi torturado (teve a mão esmagada, inclusive) e está privado de seus direitos fundamentais em Nanjing, onde permanece em solitária desde 2018.
Xu Yan é bastante vocal sobre a situação de Wensheng e também advoga pelo avanço do Estado de Direito na China, apesar da intensa vigilância estatal sobre ela. Como fala Xu Yan em uma entrevista para o Nexo Jornal, o Brasil pode ter um papel importante para questionar Pequim sobre violações de direitos humanos.
Três famílias de Wuhan tentam rememorar os primeiros meses da pandemia na cidade. São relatos tocantes traduzidos pela Gushi, e valem uma leitura atenta e empática. Como falar sobre o surgimento de uma doença que pouco se sabia no início? Com esses três relatos, é possível ter uma pequena amostra de situações recorrentes na pandemia ao redor do mundo, como o caso de Li Fei, infectada pelo novo coronavirus e pressionada a se demitir do trabalho, por medo que seus colegas tinham de pegar o vírus. Ou Jasmine, cujos pais idosos ficaram doentes e Mom, que perdeu amigos próximos em pouquíssimos dias.
Hoje Wuhan floresce, mas há algo que as pessoas da cidade nunca vão esquecer. Nunca devem esquecer.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Podcast: a jornalista especialista em tech chinesa, Rui Ma, e o professor Karl Ulrich conversam sobre o que é preciso para se “dar bem” na China. Eles discutem o livro de Ulrich (“Winning in China”) sobre casos de sucesso — ou não, de empresas estrangeiras que tentam prosperar no mercado chinês.
Mais um podcast: o pessoal do The Little Red Podcast, em meio às discussões sobre Xinjiang, decidiu falar sobre a questão atual do Tibete, questionando se haveria um “colonialismo com características chinesas”.
Palestra: Damien Ma e Gyude Moore conversam sobre China, África e tecnologia nesse evento organizado pelo think tank Macropolo.
Fotografia: relembre o trabalho de Ren Hang, um dos mais influentes fotógrafos da história recente na China, no aniversário de quatro anos de seu falecimento.
Relatório: o famoso sinólogo Bill Bishop, em parceria com o ótimo site China Media Project, lançou um relatório sobre o discurso político na China em 2020. O documento inclui temas como a diplomacia do lobo guerreiro e a pandemia.
E o prêmio vai para…: Chloé Zhao, a cineasta nascida em Pequim, recebeu o Globo de Ouro de melhor direção (a segunda mulher a conquistar o troféu em toda a história da premiação!) e de melhor filme de drama por seu “Nomadland”. O filme ainda vai estrear na China.
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