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O encontro no Alasca: a fria relação entre China e EUA

Sem divulgar as sentenças, a China concluiu o julgamento dos dois cidadãos canadenses acusados de espionagem. Nesta segunda (22), o ex-diplomata Michael Kovrig foi levado a um tribunal em Pequim, dois dias depois de o empresário Michael Spavor ter comparecido à corte em Dandong, no nordeste da China. Nos dois casos, as autoridades chinesas não divulgaram a sentença e informaram que o resultado dos julgamentos serão informados em data oportuna. Apesar dos pedidos internacionais, as sessões se deram a portas fechadas.

O caso, que se arrasta desde 2018, tornou-se uma crise diplomática entre China e Canadá já que as detenções foram realizadas por Pequim logo depois de Meng Wanzhou, executiva da Huawei, ter sido presa no país norte-americano. Os chineses acusam Kovrig de ter roubado dados sensíveis com a ajuda de Spavor. Numa demonstração de solidariedade, um grupo de 28 diplomatas de 26 países permaneceram ao lado de fora dos dois tribunais. No fim de semana, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, classificou como “decepcionante” a decisão do governo chinês de não dar acesso ao julgamento. Pequim, por sua vez, afirma tratar-se de questão de segurança nacional para justificar o fechamento das portas.

O Pinduoduo tornou-se o maior e-commerce em número de usuários ao ultrapassar o Alibaba com um aumento de 35% de compradores ativos em um ano. De acordo com balanço divulgado na última semana, em 2020 a plataforma conquistou um total de 788,4 milhões de usuários contra 779 milhões de seu concorrente. Apesar dos bons resultados, a notícia coincidiu com a saída do fundador da empresa, Collin Huang (Huang Zheng), da presidência do Conselho. Embora a troca de comando tenha levado a uma queda de 8% das ações da empresa na última quarta-feira (17), a Caixin lembra que movimento semelhante foi feito há oito meses, quando Huang deixou o cargo de CEO e foi substituído por Chen Lei, que agora acumulará suas funções.

O ex-presidente do Conselho continuará com 30% das ações da empresa, mas, ao deixar a cadeira, perderá o direito de exercer votos preferenciais. De acordo com um press release divulgado pela Pinduoduo, Huang deixou o cargo para se dedicar a pesquisas no ramo da alimentação. Como já contamos aqui em edições passadas, a empresa vem buscando expandir seus negócios ajudando pequenos agricultores a vender seus produtos por meio da plataforma de e-commerce.

Baby, it’s cold outside: foi a certeza após a reunião entre EUA e China no Alasca. No primeiro encontro presencial entre autoridades dos dois países o que se viu foi uma dinâmica tensa e pouco diplomática. Os Estados Unidos trouxeram acusações sobre Xinjiang e Hong Kong e o lado chinês respondeu com críticas quanto ao tratamento da população negra no país norte-americano. O registro em vídeo (e transcrição) do bate-boca foi inédito e repercutiu bastante na mídia chinesa, evocando tons de orgulho nacional pela postura firme adotada pelos representantes do país. A briga também deu lucro para os empreendedores, que venderam material promocional relacionado à discussão. Ao final dos dias de conversa, o único avanço parece ser a criação/realização de encontros para discutir mudanças climáticas — e restou a certeza de que a relação seguirá tensa por um tempo, com ou sem Trump.

A reunião, encerrada na sexta-feira (19), repercutiu em outras parcerias de Pequim. E, logo na segunda-feira (22), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, chegou  à capital chinesa para aprofundar a parceria estratégica entre os dois países. Diante deste cenário, na região, o vizinho Japão — aliado tradicional dos EUA — deve permanecer em estado de tensão entre os dois gigantes, especialmente após ter criticado o governo chinês por sua postura em casos como a disputa no Mar do Sul da China, Xinjiang, Hong Kong e Taiwan alguns dias antes do encontro. Já a Coreia do Sul adotou postura um pouco mais conciliatória, enquanto a Índia anunciou no sábado (20) um fortalecimento da cooperação em defesa com os estadunidenses. As peças no xadrez geopolítico seguem se movimentando.

Preocupações ambientais da China devem ser centrais no futuro das exportações de commodities brasileiras, segundo analistas do setor de agronegócios. Embora a guerra comercial entre Pequim e Washington — que não dá sinais de arrefecimento — tenha contribuído para o aumento de exportações de carne e de soja brasileiras para os chineses, o comprometimento do governo Xi Jinping com questões ambientais pode mudar o cenário. A China anunciou no ano passado que quer zerar as emissões de carbono até 2060, gerando uma expectativa de que o país comece desde já a adotar medidas visando o meio ambiente, como uma possível diminuição do consumo de carne. Esse cenário já criou apreensão nos produtores de carne brasileira, num momento em que 43% de toda a carne comprada pela China saiu do Brasi (2020), segundo a consultoria Safras & Mercado. Além disso, o rastreamento da cadeia de compras chinesa também pode gerar pressões sobre a soja e a carne bovina vindas do Brasil, já que a produção majoritária desses produtos se dá em regiões de grande desmatamento como o Cerrado e a Amazônia.

China prometeu doação de vacinas para agentes em operações de paz das Nações Unidas. Serão 300 mil doses oferecidas com prioridade para soldados e policiais que estejam em missões da ONU na África. Trata-se de uma demonstração da responsabilidade chinesa com esse braço militar da organização. Não é também o primeiro país a adotar esta postura: a Índia já doou 200 mil doses no mês passado. Os dois países estão bem engajados na “diplomacia da vacina” e o governo chinês tem apoiado países africanos a adquirirem mais doses. Treze nações da África já receberam doações ou compraram da China, o que tem sido importante para combater gargalos da indústria farmacêutica. A política não se restringe a apenas um continente, mas inclui doações e vendas para vizinhos e países latino-americanos, como a Colômbia.

A morte de John Magufuli, então presidente da Tanzânia, pode trazer o investimento de 10 bilhões de dólares do China Merchants Port Holdings (CMHI, sigla em inglês) de volta à cena. Magufuli pediu para renegociar os termos do projeto do Porto de Magaboyo em 2016 sob alegação de “termos predatórios equivalentes a vender a Tanzânia à China”. A CMHI, operadora do porto, teria a concessão de Magaboyo por 99 anos e a Tanzânia ficaria proibida de construir outros portos durante o período. Magufuli conseguiu renegociar o acordo e a construção prosseguiu em 2018, mas por pouco tempo: no ano seguinte, Tanzânia e China voltaram à mesa de negociações, ainda que sem conclusões. Para analistas, as relações entre os dois países não devem mudar de trajetória com a morte de Magufuli, mas é possível que as condições do investimento do porto sejam, mais uma vez, revisitadas.

Ainda hoje (22), o Ministério das Relações Exteriores chinês emitiu sanções contra cidadãos e entidades europeus, incluindo o famoso think tank MERICS. Os envolvidos e seus familiares estão proibidos de entrar na China continental, Hong Kong e Taiwan. A decisão vem em retaliação pela aprovação da União Europeia (UE) concordar com sanções a cidadãos chineses por violações de direitos humanos em Xinjiang. Vale lembrar que a UE e o governo chinês estão, em simultâneo, negociando um ambicioso acordo de investimentos (CAI, em inglês).

Os tiroteios que deixaram oito mortos em spas em Atlanta reacenderam o debate sobre o aumento do racismo contra pessoas de origem e ascendência asiática em meio à pandemia de Covid-19. Embora seis das oito vítimas sejam mulheres de origem asiática, as autoridades locais resistem em tratar o caso como um crime de ódio com motivação racial e de gênero, gerando pressão em direção às autoridades estadunidenses. Os chineses não são os únicos afetados, mas tornaram-se alvos em meio a discursos como o do ex-presidente Donald Trump que se referia ao novo coronavírus como o “vírus chinês”.  Um estudo conduzido pelo Centro de Estudos de Ódio e Extremismo pela California State University, San Bernardino, mostra que crimes de ódio contra pessoas desse grupo aumentaram 145% em 2020 nas 16 maiores cidades dos EUA. Em diversas localidades do país, pessoas foram às ruas para pedir o fim do preconceito contra asiáticos, sob o slogan Stop Asian Hate, que tornou-se um assunto de destaque nas redes sociais. Reportagens mostram crescentes casos de xenofobia, racismo e crimes de ódio também em países como Brasil e Alemanha, por exemplo.

O caso tornou-se novo episódio na disputa geopolítica entre China e EUA. Veículos estatais como o Global Times publicaram charges e matérias enfatizando a culpa dos Estados Unidos, com destaque para o governo Trump. Em editorial, o China Daily disse que os EUA, “autoproclamados campeões dos direitos humanos, na verdade, são uma masmorra de crimes de ódio e de discriminação racial”. Vale notar que as manifestações do Stop Asian Hate nos EUA também trouxeram críticas ao Partido Comunista Chinês, em especial em relação ao tratamento dos uigures.

A vida de pessoas com deficiência (PcD) tem melhorado na China, ainda que a passos lentos. Segundo o último censo populacional realizado no país (2010), há cerca de 85 milhões de pessoas nesse grupo cuja definição se diferencia da utilizada em muitos países do ocidente por não incluir pessoas com doenças crônicas. Cada vez mais PcD entram nas universidades chinesas, mas o número está longe de ser ideal: em 2017, cerca de 10.000 pessoas com deficiência passaram a ocupar as fileiras escolares; hoje, esse número subiu para 12.000, do total de 9 milhões de novos estudantes. ONGs, governo central e autoridades locais trabalham em conjunto para criar leis, ajustar regulações, como as de 2015 e 2017 que adaptaram os exames educacionais gaokao e zhongkao ao grupo, e mesmo para mudar a forma como se referir a essas pessoas — de 残废 (can fei, “inútil”),  残疾 (can ji, “deformado”) para 残障 (can zhang, “deficiente”).

Apesar das mudanças, pessoas com deficiência continuam sendo as mais vulneráveis à extrema pobreza, sobretudo se moram em regiões onde a maioria étnica não é Han e em zonas rurais. Para se ter uma ideia, muitos confundem o Dibao, o “Bolsa Família chinês” — e que inclusive já foi um episódio do nosso podcast —  com um auxílio exclusivo para pessoas com deficiência, tamanha é a representatividade desse grupo dentre os extremamente pobres do país.

95 milhões: esse é o número de pessoas que vivem com depressão na China. Saúde mental é um tema que tem ganhado espaço na China contemporânea entre os jovens chineses de zonas urbanas, mas ainda é um verdadeiro tabu para a geração que hoje entra na terceira idade. São pais, mães — e principalmente mães — que sofrem silenciosamente sem entender o que se passa. Muitas estão no quadro de depressão na menopausa, o que, associado à mudança de hormônios, pode tornar o diagnóstico mais difícil. Não deixe de ler a reportagem de Fan Yiying e Zhang Shiyu com relatos de mulheres chinesas que estão passando por isso e o que elas têm feito para superar essa doença.

Acabou o amor? Cai em 12% a taxa de registros de casamento na China em 2020, levando o país a registrar o menor número desde 2003. A pandemia só acentuou uma tendência crescente entre as jovens chinesas, as quais, atualmente, são a maioria nas universidades, casam-se cada vez mais tarde (dos 25 aos 29 anos) e estão atentas à falta de apoio à maternidade nas grandes empresas. As razões, porém, não partem só delas: aumento do custo de vida e a especulação imobiliária impõem enormes desafios para que uma pessoa de renda média adquira um imóvel nas maiores cidades atualmente — a maioria herda propriedades de seus pais.

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Dicionário: o The Decoding China é um dicionário de termos referentes à diplomacia chinesa no âmbito da cooperação internacional, explicando como seus significados divergem de interpretações vistas na Europa, por exemplo.

O culto aos gatos é real: com uma explicação antropológica, o professor Zhou Runan comenta de onde vem a predileção chinesa pelos felinos, que já são mais de 49 milhões no país.

Discurso: é de 2018, mas é importante conferir a fala (até então inédita) de Xi Jinping sobre inovação e a ambição da China em ser o centro mundial em desenvolvimento científico. A tradução para o inglês acabou de sair.

Despedida: o ótimo China Channel do LA Review of Books está encerrando suas atividades. Ao longo de quatro anos, eles publicaram traduções, ensaios e entrevistas com autores chineses ou sobre China. Vale conferir a lista da equipe dos seus textos favoritos.

 

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