Uma conversa com o sinólogo Tiago Ferreira
Em uma entrevista exclusiva para a Shumian, o sinólogo Tiago Ferreira fala sobre seus interesses em estudar a China e sobre sua pesquisa envolvendo terras raras. Assim como na entrevista que fizemos na semana passada com a sinóloga Aline Mota, Tiago Ferreira também faz reflexões sobre a falta de diversidade presente na academia brasileira. Prepare um cafezinho e leia a entrevista completa abaixo.
Terras raras: importância geopolítica e possibilidade de cooperação entre o Brasil e a China
Shumian (SH): O que lhe motivou a estudar a China? Conte um pouco para nós sobre como foi esse processo.
Tiago Ferreira (TF): Sempre tive muito interesse na China. Desde criança, chamava a minha atenção as diferenças entre a cultura chinesa e a brasileira desde pontos mais evidentes como o idioma e arquitetura tradicional até aspectos como sociedade e história. Esse foi meu primeiro grande ponto de interesse no país. A história antiga e imperial da China me parecia muito surpreendente. A partir daí, meu interesse foi se alargando para outras faces do conhecimento sobre China.
Possivelmente estamos testemunhando um momento singular na história global: o período de transição de uma centralidade ocidental para um protagonismo asiático encabeçado pela China
Ao ingressar no curso de geologia da UFMG, sobretudo, após realizar um intercâmbio na Inglaterra, passei a me interessar ainda pela história e política daquele país, que antes da ascensão europeia fora uma das maiores civilizações mais complexas do planeta e que, a despeito das dificuldades enfrentadas nos séculos XIX e XX, desponta hoje como uma dos grandes artífices da ordem global. Acho fascinante a possibilidade de estudar os aspectos geopolíticos que sustentam a moderna ascensão chinesa. Possivelmente estamos testemunhando um momento singular na história global: o período de transição de uma centralidade ocidental para um protagonismo asiático encabeçado pela China. As mudanças, os desafios e oportunidades advindas dessas transformações são extremamente instigantes.
SH: Bacana. Conta um pouco mais para gente sobre o seu tema de pesquisa! É um tema super importante, mas pouco debatido por aqui.
TF: Ao longo dos últimos dois anos, venho estudando depósitos, extração e produção dos elementos terras raras na China a fim de entender o papel geopolítico atribuído a esse grupo de 14 elementos químicos pelo governo de Pequim. Venho também analisando como a indústria mineral e metalúrgica brasileira pode usar o exemplo chinês para se modernizar e aumentar sua influência no mercado global de terras raras.
SH: E quais seriam as possíveis áreas de cooperação entre o Brasil e a China em relação às terras raras?
TF: O Brasil, junto com o Vietnã, detém a segunda maior reserva de minerais portadores de elementos de terras raras (ETR) no mundo, sendo o primeiro lugar ocupado pela China. Desse modo, Brasil e China podem cooperar em diversas frentes na longa e complexa cadeia produtiva das terras raras. Iniciando com o conhecimento geológico, há muito espaço para cooperação entre órgão públicos, universidades e empresas chinesas e brasileiras em projetos de mapeamento de depósitos e possíveis jazidas minerais e na caracterização de minérios de ETR no Brasil. No âmbito da Parceria Estratégica Brasil-China, estabelecida em 1993, poderiam ser intercambiadas experiências para a extração e o beneficiamento industrial desses elementos. Uma maior aproximação sino-brasileira nesse campo, também poderia atrair investimentos chineses para dinamizar a incipiente produção brasileira de terras raras.
SH: Muito se fala sobre a importância das terras raras atualmente. Será que você poderia nos contar um pouco mais sobre a importância delas para a quarta revolução industrial?
TF: Todas as revoluções industriais tiveram como pilares fundamentais o uso de recursos naturais. Se as minas de carvão mineral da Inglaterra foram catalisadoras da primeira revolução industrial e a descoberta de petróleo na Pensilvânia deu impulso à Segunda Revolução Industrial, os elementos terras raras junto a outros bens minerais, notadamente lítio e titânio, nióbio, cobalto serão os motores da chamada Quarta Revolução Industrial. Se houve destaque inglês e americano nas revoluções industriais passadas, no moderno avanço tecnológico a China provavelmente terá protagonismo. Pequim detém 97% da produção mundial de terras raras. Vêm das minas da Mongólia interior e das de Guangdong os minérios dos quais se extraem os minérios para a fabricação de celulares, computadores, telas de LCD, aeronaves, satélites… e outras tantas tecnologias onipresentes no mundo contemporâneo. As mudanças produtivas e tecnológicas características da Quarta Revolução Industrial são dependentes da extração de terras raras. Por exemplo, supercondutores usam európio; grande parte da nanotecnologia recorre ao disprósio; baterias para veículos elétricos usam lantânio e cério e a geração de energia renovável por meio de turbinas eólicas necessita de super imãs feitos com neodímio. Atualmente, todos esses elementos têm na China sua maior fonte de extração.
A falta de representatividade na academia brasileira
SH: Enquanto pesquisador, como você vê a participação de acadêmicos(as) negras no cenário acadêmico brasileiro? E nos estudos sobre China, como você vê a participação/produção de pessoas negras na academia?
TF: Devido às condições histórico-sociais que estruturam a sociedade brasileira, por extensão a academia, há uma distorção entre o tamanho da população negra/parda do Brasil e a quantidade de pesquisadores negros nos centros de acadêmicos. A despeito dos significativos avanços nos últimos anos, esse número segue baixo. No Brasil surgiriam muitos outros Milton Santos, Sonia Guimarães, Juliano Moreiras e Lélia Gonzalez, caso mais oportunidades fossem dadas à população negra do país.
No Brasil, os estudos sobre a China não escapam a essa dura realidade. Embora os estudiosos da civilização da chinesa, já sejam relativamente poucos no país, esse número é ainda menor quando se trata de pesquisadores negros. Confesso, por exemplo, ter tido contato com o trabalho de apenas um pesquisador negro que estuda China, o Leandro Teixeira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Tiago Ferreira e sua vontade de conhecer a China
SH: Caso ainda não tenha ido para a China, você gostaria de visitar o país? Tem algum lugar específico da China que gostaria de visitar?
TF:Gostaria muitíssimo de visitar o país. Sobretudo centros metropolitanos como Pequim, Xangai e Hong Kong, mas também os distritos mineradores da Mongólia Interior, assim como os planaltos da região tibetana e as estepes de Xinjiang. E claro a Grande Muralha.
Recomendações e curiosidades
SH: Você teria a recomendação de algum material, seja filme, série, livro ou artigo sobre China que recomendaria aos leitores?
TF:Não é necessariamente apenas sobre a China, mas é um livro excelente para se ter um panorama sobre uma espécie de globalização avant la lettre que tinha na China um de seus epicentros: o livro “O coração do mundo: Uma nova história universal a partir da rota da seda: o encontro do oriente com o ocidente” do historiador britânico Peter Frankopan.
Mais próximo da minha área de pesquisa indicaria o livro: “Rare Earth Frontiers: From Terrestrial Subsoils to Lunar Landscapes” que, embora também não fale apenas sobre China, é um ótimo apanhado geral sobre a relação entre esse país a produção de Terras Raras.
Um filme chinês que recomendo é “City of Life and Death” de 2009. O longa do cineasta Lu Chuan dramatiza os horrores do Massacre de Nanquim de 1937 durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, na Segunda Guerra Mundial.
SH: Quais pesquisadores(as) você acha importante seguir para se entender a China atualmente?
TF: Hongying Wang, Oliver Stuenkel, Lawrence C. Reardon, Ovigwe Eguegu, Dali Yang, Rodrigo Zeidan e Egas Moniz Bandeira.
SH: Nos conte uma curiosidade ou fato aleatório sobre você (não precisa envolver China)
TF:Sou aficionado por coleções. Há muitos anos tenho uma coleção de moedas antigas, mas também coleciono rochas, livros de ciências naturais antigos, cartões postais, câmeras fotográficas velhas e DVDs/ Blu-rays.
SH: Em que redes sociais podemos te encontrar?
TF: Podem me achar pelo Instagram (@tdeferreira) e LinkedIn!