Edição 164 – Enchentes em Henan causam destruição
Chuva sem precedentes causa enchentes na província de Henan. As autoridades e a população foram pegas de surpresa por chuvas fortes desde sábado (17), com piora a partir de terça (20). Estima-se que 11 milhões de pessoas teriam sido afetadas na província de 94 milhões de habitantes. Números oficiais indicam 63 mortes, ao menos 30 desaparecidos e mais de 200 mil pessoas evacuadas. As Forças Armadas estão apoiando os resgates e as autoridades locais, após ordens de Xi (as instruções dele foram publicadas na Xinhua). Um tufão também está previsto nos próximos dias, com alertas emitidos no leste do país. A jornalista Rita Bai, do Global Times, compartilhou uma série de vídeos no seu Twitter, boa parte deles da capital Zhengzhou. Circulou até nas redes brasileiras o vídeo no metrô da cidade, mas outras cidades menores também foram atingidas. A província é um importante hub da indústria, localizada na região central e uma das principais sedes da Foxconn (que monta o iPhone).
Iniciativas digitais se destacaram entre os esforços de resgate. Além do apoio oferecido pelas redes sociais, como conta o WhatsOnWeibo, houve também o uso de drones e a criação de documentos compartilhados entre cidadãos com informações para resgate e para apoio geral a pessoas afetadas, como relata um texto do Protocol. Contudo, também há relatos de jornalistas estrangeiros sendo hostilizados em Zhengzhou para não escreverem notícias negativas sobre a China.
Chuvas torrenciais não são incomuns no país e, como em diversos lugares do mundo, a situação tem piorado. A gestão de enchentes se tornou um problema que precisa ser resolvido logo, e uma das propostas são as “cidades esponja”, como conta esta excelente matéria da The Wire China. Ainda que a iniciativa não seja inédita nos círculos de liderança do Partido, Xi fez dela uma prioridade em 2013, junto da “civilização ecológica” (que ele também adora). Na China, o pai e advogado das “cidades esponja” é Yu Kongjian, mas a ideia não difere tanto de propostas sendo planejadas em cidades europeias e dos EUA que sofrem do mesmo problema. O objetivo é chegar a 2030 com 70% das cidades chinesas capazes de absorver e reter água para uso em tempos de seca. O resultado pode revolucionar a sustentabilidade urbana e as cidades do século XXI.
Xi faz visita surpresa ao Tibete. No fim da semana passada, a circulação nas redes sociais de imagens de Xi Jinping no Tibete gerou dúvida: eram atuais? Por que ele escolheu a região e não Henan, afetada pelas enchentes? Sem comunicação prévia, Xi foi à região autônoma que, há 30 anos, não recebia o mandatário do país. A viagem coincidiu com os 70 anos da assinatura do acordo dos 17 pontos, que devolveu aos chineses o comando do Tibete. A Campanha Internacional pelo Tibete disse em nota que a visita indica que as autoridades “não têm confiança em sua legitimidade sobre o povo tibetano”. A viagem acontece pouco mais de um mês depois de Xi ter ido a Qinghai, que também abriga a população tibetana. Na ocasião, ele disse que a província deve servir de exemplo para as vizinhas Xinjiang e Tibete, ambas envolvidas em questões ligadas a minorias e religião.
A revista britânica The Economist publicou uma análise sobre os motivos que levaram Xi à região. Mas, se você quiser saber mais sobre as questões políticas do Tibete, recomendamos esta leitura da AP, além desta reportagem da Reuters, publicada em junho. Robert Barnett, professor associado da Universidade de Columbia, ainda ressaltou o contexto militar da visita a uma região de disputas fronteiriças com a Índia. A Human Rights Watch publicou este texto que fala sobre a sutil mudança, também não anunciada, que sobrepôs recentemente a língua chinesa à tibetana em placas da região.
E o título de empresa mais punida vai para quem? DiDi ou Alibaba? Nas últimas edições contamos que a tão esperada abertura de capital da empresa de transportes na bolsa de Nova York não trouxe muitos motivos para comemoração, mas na semana passada a situação se deteriorou mais. A Bloomberg publicou que o governo central em Pequim planeja impor punição severa à DiDi e que o valor a ser cobrado pode ultrapassar a marca de US$ 2,8 bilhões da multa aplicada ao Alibaba no início do ano por práticas monopolistas. Verdade ou não, a empresa já amargou perdas e viu suas ações derreterem, com queda de mais de 10%.
O controle das big techs ganhou outro desenvolvimento na segunda (26), com a aprovação de legislação para proteger entregadores de comida da precarização trabalhista. Incluiu salário mínimo, a criação de um sindicato, acesso a benefícios sociais e impedindo certas demandas dos algoritmos (que muitas vezes calculavam o tempo de maneira irreal), como conta a matéria do South China Morning Post. A pauta já estava em debate desde março, como contamos aqui.
Vamos viver de luz? Na busca por mais fontes renováveis de energia, Pequim vai mudar o tópico sobre energia nos planos quinquenais. De acordo com esta reportagem da Caixin, o governo central passará a adotar um único tópico para fontes renováveis em vez de separá-las em diversos tipos. O objetivo do novo texto, ainda em versão de rascunho, é dar ênfase à produção de energia solar. A medida segue a proposta de Pequim de diminuir sua dependência do carvão, para zerar as emissões de carbono até 2060. A matéria cita como exemplos as províncias de Zhejiang, que planeja quase dobrar a planta instalada de geração de energia solar e mais do que triplicar a geração eólica até 2025, se comparada à situação de ambas em 2020. Outro exemplo é Shandong, cujo escritório regional pretende aumentar a capacidade de energia solar em 129% até a mesma data.
Os direitos humanos em Xinjiang voltam à pauta, seja por quem acusa o governo chinês de violação de direitos humanos da minoria uigur, seja pela defensiva de Pequim. Do lado governista, em julho foi divulgado um livro branco sobre o cumprimento de direitos humanos de minorias étnicas em Xinjiang. Sob o título “Respecting and Protecting the Rights of All Ethnic Groups em Xinjiang”, o documento traz oito seções com poucos dados e afirmações governamentais sobre a administração da região. Apenas nos parágrafos finais — sem menção a termos como campos de concentração, centros de reeducação ou prisões — o governo toca nas críticas internacionais sobre os tratamentos aos uigures, mas de forma muito indireta. “Atualmente, rumores, distorções e fabricações completas estão sendo espalhadas por algumas mídias estrangeiras e políticos. Isso é uma campanha calculada para minar os enormes esforços do governo chinês para promover a igualdade étnica”, diz um trecho.
Por outro lado, veículos como a Associated Press e o BuzzFeed fizeram novas reportagens sobre centros de detenção em Xinjiang. A AP foi o primeiro veículo de imprensa a entrar nas dependências de uma prisão e calcula que em uma sala possam ser detidas 10 mil pessoas. Já o BuzzFeed, que produziu uma série de reportagens sobre a região autônoma, divulgou um novo texto calculando que há na região, ao todo, capacidade para encarceramento de até 1 milhão de pessoas. Uma matéria que circulou bastante, e vale passar um cafezinho para ler com calma, é este relato feito pela The Atlantic com depoimento em primeira pessoa do poeta uigur Tahir Hamut Izgil, que conta ter visto a situação em Xinjiang mudar a partir de 2014, até que ele e a família forjaram a busca de um tratamento médico para uma de suas filhas para conseguirem asilo nos Estados Unidos.
Olimpíada sem política? Não foi desta vez. Nesta edição, a polêmica já começou durante a apresentação das equipes nacionais na abertura dos jogos no Japão. A entrada dos times seguia a ordem alfabética japonesa e, para espanto geral, a equipe vinda de Taiwan não apareceu em meio às demais cuja identificação começa com Chi (チ) — o que era de se esperar para Taipé Chinês, a forma como Taiwan é reconhecida pelo COI. Conforme relata o jornal Taiwan News, a equipe apareceu na sequência Ta (タ), de Taiwan. O veículo estatal chinês Global Times publicou um editorial no sábado (24) criticando o Japão por usar a Olimpíada para fazer ataques políticos. O texto não inclui nenhum comentário sobre a transmissão feita pela Tencent, que substituiu a apresentação da comissão de Taiwan por um breve vídeo de comédia stand up.
Se você quer saber de onde surgiram as diferentes equipes para China, Hong Kong – China, Macau – China e Taipé Chinês, o South China Morning Post fez um longo texto histórico explicando o assunto; em português, a Tatiana Prazeres também escreveu sobre o tema em sua coluna na Folha.
Em tempo: o esgrimista Cheung Ka-Long fez história nesta segunda-feira ao conquistar a primeira medalha de ouro para Hong Kong em vinte anos.
Era Trump o sapato na pedra da relação China-EUA? Seis meses se passaram e parece que a animosidade entre as duas maiores potências mundiais não arrefeceu com a mudança de comando da Casa Branca. O The New York Times fez um apanhado destacando vários pontos sobre a continuidade — ou talvez escalada — no desgaste da relação entre China e os Estados Unidos e mostra como até agora não se desenhou a possibilidade de uma reunião entre Joe Biden e Xi Jinping. Outro exemplo é a visita da vice-secretária de Estado, Wendy Sherman, à China esta semana. Como mostra este texto do The Diplomat, a reunião da estadunidense com autoridades do PCCh só se deu de última hora. Já esta reportagem do South China Morning Post detalha por que Tianjin, e não Pequim, foi escolhida como destino. Se você quiser ir mais a fundo no tema, vale ler o texto de Yan Xuetong para a Foreign Affairs sobre a nova diplomacia chinesa. É bom lembrar que, na toada das animosidades, esta semana a China anunciou novas sanções contra estadunidenses.
Certamente, ter hackers no meio da relação vai dar ruim. Na segunda (19), a Casa Branca emitiu acusações de que o governo chinês teria vínculos com uma empresa que invadiu o sistema da Microsoft Exchange, afetando mais de 30 mil companhias em março de 2021. A União Europeia, OTAN, Nova Zelândia, Austrália e outros aliados dos EUA também repetiram a acusação em conjunto. O governo chinês nega, afirmando ser contra qualquer tipo de cibercrime, como conta a matéria da BBC. Para a Carnegie, a pesquisadora Erica Borghard explica a importância da acusação formal.
E o coronavírus, de onde veio? Esta pergunta parece nunca ter fim. Mais questionamentos surgiram desde que alguns veículos internacionais fizeram reportagens, em junho, falando sobre o apagamento de um sequenciamento do vírus original feito por um pesquisador de Wuhan. As publicações levantaram suspeitas sobre a transparência do governo chinês a respeito da origem do vírus que provoca a Covid-19. Depois de a OMS ter feito novos pedidos para investigar as origens da Covid (como contamos aqui), na semana passada o governo chinês fez uma entrevista coletiva para tratar novamente do assunto. Entre outras coisas, o vice-ministro da Comissão Nacional de Saúde da China, Zeng Yixin, disse estar surpreso com as alegações requentadas e rejeitou o pedido da OMS. Quanto às discussões sobre o apagamento do sequenciamento, o Beijing Channel e o Pekingnology escreveram sobre o tema, com direito a entrevista do pesquisador que explicou detalhes técnicos da situação.
Não é só o coronavírus, o Afeganistão também continua em pauta. No sábado (24), os ministros de relações exteriores de China e Paquistão reuniram-se em Chengdu para celebrar os 70 anos do estabelecimento de laços diplomáticos e a situação do país vizinho foi o principal tema discutido. Já falamos por aqui como a questão toca Pequim e, de fato, no comunicado final do encontro, foi divulgada uma estratégia conjunta para lidar com a instabilidade no Afeganistão. Chamaram atenção as críticas aos EUA, a ênfase em tornar o Corredor Econômico China-Paquistão um hub para o desenvolvimento regional e a necessidade de que o processo de paz afegão seja liderado por atores nacionais sem influência estrangeira. O jornal indiano The Hindu destacou o certo silêncio de Pequim e Islamabad sobre o terrorismo na região, lembrando que o próprio governo afegão vem criticando o Paquistão por não combater grupos terroristas que cruzam a fronteira para o Afeganistão.
Falando em rejeição a interferências externas, China e Liga Árabe recentemente divulgaram um comunicado reivindicando a cessação de ingerência externa nos conflitos locais e o estabelecimento de um processo de paz entre Palestina e Israel que garanta a existência de ambos.
Mulheres no rap. Julho marca a estreia de diversos programas de televisão musicais na China e tem para todos os gostos e gêneros, conforme noticiou a Radii. Entre tanta variedade, o inédito “Girls Like Us” da Tencent vem chamando atenção especialmente por focar em mulheres da Geração Z. Sua proposta é encontrar a melhor rapper chinesa — vale lembrar que há uns meses falamos por aqui sobre mulheres na cena hip hop do país. Com três episódios já transmitidos, o programa é um sucesso entre o público devido à alta qualidade das competidoras e de seus mentores, segundo a OtakuKart. Se o interesse despertou, o piloto do programa pode ser assistido no YouTube (com legendas em inglês).
O mar é feminino. A instrutora de surfe Bella Liu relata a rejeição inicial de sua mãe, que achava que sua filha se tornaria uma traficante de drogas logo que esta decidiu dedicar-se plenamente ao surfe. Sua história serve de gancho para a matéria da revista The Economist sobre mulheres surfistas na província chinesa de Hainan, que vem se tornando o centro dessa modalidade esportiva no país desde que ela passou a fazer parte da programação dos jogos olímpicos. As surfistas chinesas podem até não ter conseguido se classificar para a Olimpíada de Tóquio, mas Liu está confiante que o surfe feminino veio para ficar no país.
Ídolo pop, o cantor e ator Kris Wu foi acusado de estuprar ao menos oito jovens. Wu (seu nome chinês é Wu Yifan), tem cidadania canadense e cresceu entre Guangzhou e Vancouver. Ele ganhou fama com sua carreira solo na China depois de ter sido membro da famosa banda sul-coreana EXO, até 2014. As acusações contra Wu partiram de Du Meizhu, que afirma ter sido estuprada pelo cantor aos 17 anos, quando ela estava bêbada. Ela ainda afirma que outras garotas menores de idade foram abusadas por ele após uso de álcool e promessas por parte do pop star de garantir fama a elas. Ele nega. Du está liderando uma campanha pedindo justiça,e escreveu uma carta detalhando o caso e exigindo que o ídolo abandone a sua carreira. Desde o anúncio das acusações, ele perdeu uma série de patrocínios de marcas chinesas e estrangeiras.
Tá na hora de casar, galera. Pequim está finalizando planos para facilitar a realização de casamentos e, assim, estimular a formação de famílias e aumentar a natalidade no país. Para isso, o governo central almeja combater algumas tradições excessivamente custosas para os casais, segundo noticiou o Asia Times. O pagamento de dote para a família da noiva e festas de casamento extravagantes estão no rol de costumes que devem ser combatidos. Não só reforços negativos entram nessa conta: em projetos piloto, o governo dá descontos em viagens de lua de mel e consultas médicas pré-nupciais, além de mimos e presentinhos para o casal. Será que isso basta para convencer as gerações mais novas a dizerem sim ao casamento?
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Sua missão, caso decida aceitar…: uma pesquisadora australiana se infiltrou numa rede de extrema-direita na diáspora sino-americana. Em matéria da BBC, ela relata apoio a Trump, fake news e conspirações. Talvez um bom complemento seja o texto do professor da Universidade de Pequim, He Weifang, sobre apoio de chineses ao ex-presidente dos EUA.
IA: o renomado Kai Fu-Lee escreveu para Caixin como a inteligência artificial vai levar a China para a frente da liderança global em ciência e tecnologia.
Entrevista: os convidados do ChinaTalk desta vez são Dan Rosen e Jude Blanchette. Os dois especialistas discutem e avaliam a economia e política chinesa sob Xi. Esta edição traz também um resumão de 70 anos de economia da República Popular da China.
Dialeto: a linguista Zhang Yashu escreveu para o Sixth Tone sobre ter crescido em uma família que falava diferentes dialetos, que agora se perdem em meio à padronização do mandarim.
Como é ser gay em Hong Kong? E gay e idoso? Este vídeo do South China Morning Post fala sobre aceitação de idade, gênero e orientação sexual. Confira!
Burocracia para iniciantes: o jornalista Yang Liu escreveu na sua newsletter uma explicação básica dos termos necessários para entender um pouco melhor a vasta e complexa burocracia chinesa.
Dados, muitos dados: o Sinica Podcast, do SupChina, lançou um interessante episódio sobre como entender a política chinesa por meio de dados. Vale conferir!