Edição 170 – China organiza escolas e nova bolsa de valores
Chega de pressão? A volta às aulas na China, na última quarta (1º), foi marcada por novidades: dando sequência a uma série de regulações no sistema educacional, o governo proibiu provas escritas para crianças entre seis e sete anos. O novo texto também restringe a aplicação de exames de língua inglesa, veta a exigência de tarefas nas férias de verão e prevê o fim das competições acadêmicas entre distritos (que escolhia os estudantes com melhor desempenho de cada região). Além disso, na capital Pequim, as autoridades anunciaram a rotação de professores entre as regiões da municipalidade – isso porque atualmente os pais buscam viver nos bairros onde estão as melhores escolas. Ainda que fora dos colégios, crianças e adolescentes também tiveram limitado pelo governo o tempo que eles podem jogar online.
Essas mudanças se somam a anúncios que vêm sendo feitos pelo governo central desde julho, como a proibição das atividades extracurriculares. O Ministério da Educação, ao divulgar o novo pacote de medidas, justificou a iniciativa como forma de aliviar a pressão sobre crianças e adolescentes, reconhecendo que isso prejudicava a saúde física e mental dos estudantes. Os pais, contudo, ainda veem com certa desconfiança a transformação que vem sendo feita, já que a educação vinha sendo a principal aposta para mobilidade social. Há quem veja relação com o desejo do governo de reduzir os custos das famílias e estimular que os jovens tenham cada vez mais filhos. Mas há também quem veja nesses novos desdobramentos um reconhecimento de que não há mais espaço na sociedade chinesa para a mesma ascensão vista nas últimas décadas, em linha com o que Xi Jinping disse que é hora de buscar a “prosperidade comum”. Se você quiser se aprofundar no assunto educação, recomendamos um cafezinho para ler este artigo traduzido pelo Reading the China Dream sobre educação de crianças migrantes.
Sem Airbnb na capital. Ao que tudo indica, o setor imobiliário pode ser um forte candidato a ser o próximo na lista da onda regulatória que tomou conta da China. Na semana passada, falamos aqui sobre a administração de Pequim regulamentando o aluguel na cidade, onde os preços costumam ser bem assustadores. Agora, a Caixin publicou esta matéria sobre plataformas de aluguéis temporários, como o Airbnb e Xiǎozhū 小猪, terem de retirar endereços na capital chinesa de suas ofertas. A ver para onde o mercado vai. Vale lembrar que plataformas semelhantes também são restritas em alguns outros países, caso de cidades do Japão, da Tailândia, ou mesmo da super turística Barcelona.
É hora de abrir a bolsa em Pequim? O anúncio de Xi sobre a abertura de uma bolsa de valores para pequenas e médias empresas inovadoras na capital foi um dos assuntos da semana. Essas firmas têm dificuldade de conseguir crédito com bancos, então analistas dizem que a bolsa será bem-vinda, como conta o South China Morning Post. A Caixin preparou uma lista de quatro coisas que você precisa saber sobre a terceira bolsa de valores da China continental (as outras estão em Shenzhen e Shanghai). Aliás, a ascensão financeira da China foi tema deste texto do professor Zhang Jun, da Universidade Fudan.
Mais uma barragem gigante? O The Diplomat publicou uma análise dos planos chineses de aproveitar o potencial hidrelétrico do rio Yarlung Tsangpo (nome chinês do Bramaputra). O 14º Plano Quinquenal prevê projetos de hidrelétricas no Tibete como um modo de reduzir emissões de carbono e assegurar o suprimento de eletricidade na região. Nesse contexto, a construção de uma super-represa em Medog, no cânion do Yarlung Tsangpo, parece estar sendo cogitada por autoridades locais, que já teriam acordos com empresas do setor e agora pressionam o governo central por mais apoio. O Tibete é hoje a região chinesa onde o potencial hidrelétrico é menos explorado e, caso saia do papel, a usina de Medog geraria três vezes mais eletricidade do que a enorme Barragem das Três Gargantas.
Entretanto, o alinhamento dos interesses dos governos central e tibetanos em torno do represamento do Yarlung Tsangpo preocupa os países onde desemboca, especialmente a Índia. Nova Delhi teme que Pequim use a barragem como moeda de barganha em conflitos bilaterais. Isso sem falar em outros possíveis impactos sociais, ecológicos e ambientais.
Errata: na edição passada escrevemos Zhichen Wang. Incluímos um “h” a mais. O correto é Zichen Wang.
Preparando o terreno. Na semana passada, nós falamos aqui que um enviado do governo chinês a Cabul transmitiu uma mensagem otimista sobre a situação política do país vizinho. Agora, de acordo com autoridades talibãs, a China se comprometeu a manter a embaixada no país e a aumentar a ajuda humanitária. Vale a leitura deste texto da Quartz sobre como Pequim está preparando sua população para essa aproximação com o novo governo afegão, adotando um tom de que estar perto do talibã “não é tão ruim assim”.
Mudança de tom nas discussões ambientais? Em resposta a falas de John Kerry, enviado especial da presidência dos EUA, o ministro das relações exteriores, Wang Yi, afirmou ser impossível ignorar o atual estado das relações entre os dois países no contexto geral e seguir em frente com cooperações climáticas isoladamente. De olho na COP26 em novembro deste ano, Kerry foi novamente à China em busca de mais cooperação em causas ambientais e foi enfático ao defender que a China pare de financiar projetos movidos a carvão no exterior; e que tenha metas climáticas mais ambiciosas, como anteceder o pico de emissões e a neutralidade de carbono.
Há quem avalie que a pressão que Kerry fez quanto aos projetos financiados a carvão também é chover no molhado, já que a própria China sinalizou essa intenção e não financiou qualquer projeto do tipo este ano em países da Iniciativa Cinturão e Rota. O enviado dos EUA não é, no entanto, o único a bater nessa tecla: Alok Sharma, presidente das negociações da COP26, já enfatizou algumas vezes que a China deve pôr um fim no financiamento de usinas a carvão o mais rápido possível.
Vaca louca faz exportações de carne serem suspensas. A confirmação de dois casos atípicos da doença fez com que o Brasil, maior exportador de carne bovina do mundo, interrompesse temporariamente as vendas para seu maior comprador, a China. A notícia foi divulgada no sábado (4) e ainda não se sabe quando a comercialização do produto vai voltar à normalidade. Esta reportagem da Folha explica por que o tipo de doença confirmada no Brasil é menos nocivo para o rebanho. Seguimos acompanhando.
Desafios à internacionalização do renminbi. A Associação Bancária da China publicou um relatório que mostra que em 2020 praticamente metade das transações bancárias do país com o exterior foram feitas na moeda chinesa, em valores que ultrapassam os 4 trilhões de dólares. Porém, conforme análise publicada pelo South China Morning Post, muitos desafios persistem apesar dos números positivos: tensões geopolíticas, sobretudo a rivalidade com os EUA, e a pandemia de Covid-19 são as principais ameaças à internacionalização do renminbi, que foi usado em apenas 2% de todas as transações bancárias globais em 2020.
Falando nisso, na sexta-feira (3), a empresa russa Gazprom Neft, petrolífera ligada à gigante do gás Gazprom, anunciou que aceitará renminbis como pagamento por combustível para aviões na China, deixando o dólar de lado.
Transformações profundas a caminho? Ganhou palco esta semana uma postagem nacionalista no WeChat do ensaísta Li Guangman. A partir de uma reflexão sobre celebridades, ele comentou as regulações feitas pelo governo até agora. Para Li, é preciso realizar mudanças mais profundas (ou até uma “revolução”) para “limpar a casa”, e um retorno às origens do Partido Comunista. Dentre outros pontos, o ensaísta também fala que os EUA estão em busca de realizar uma mudança de regime por dentro da China e relaciona isso com a falta de masculinidade na juventude do país — uma das questões abordadas em recentes regulações propostas, como você pode ler a seguir. A postagem foi republicada em sites da mídia estatal, como o People’s Daily. O China Digital Times traduziu para o inglês aqui.
Como informa o SCMP, o editor do estatal Global Times, Hu Xijin, escreveu no Weibo que a republicação não significa apoio de Pequim ao que Li disse. Hu até disse que o texto teria sido enganoso e que o país não estava abandonado a sua posição de reforma e abertura atual.
Falando em crise de masculinidade, a notícia de que o governo da China baniu homens “afeminados” da televisão foi foco de discussão na semana. Um aviso com oito pontos para a indústria do entretenimento foi publicado na quinta-feira (2), emitido pela agência reguladora Administração Nacional de Televisão e Rádio (NRTA, na sigla em inglês). Como conta a matéria da Caixin, a ideia geral é reduzir o comportamento tóxico de alguns fãs, evitar salários astronômicos e banir celebridades “sem ética” e “antipatrióticas”.
Contudo, o terceiro item foi o que rendeu mais reações de netizens. O aviso pede a rejeição da estética 娘炮, ou niáng pào. Como explica a matéria do Sixth Tone, a expressão é comumente usada de forma derrogatória para se referir a homens com estilo e comportamento vistos como femininos ou andróginos, como reclamava um artigo de opinião publicado na Xinhua em 2018. A expressão foi traduzida como sissy no inglês pelo estatal China Daily e a Xinhua em português usou “afeminados”. A pesquisadora Mengyu Dong resgatou uma entrevista feita com chineses em 2018 sobre o termo. Já falamos aqui sobre a percepção de uma “crise de masculinidade” (e o próprio texto de Li acima também entende que há uma). Se você quiser saber mais sobre o documento da NRTA, há uma tradução não oficial para o inglês feita pelo China Law Translate.
É comum associar lojas de luxo na China às cidades mais badaladas como Pequim e Shanghai. Mas a verdade é que esse segmento de mercado tem olhado cada vez mais para uma outra direção: as cidades de segundo e terceiro nível — como Changchun, Fuzhou, Xiamen, Urumqi. Segundo uma pesquisa da consultoria Daxue, 45% da classe média dessas cidades (comparado com 37% das primeiras) têm interesse em adquirir produtos de luxo e se diferenciam de pequineses e shanghaineses por priorizarem a qualidade ao status social associado à compra. Há, no entanto, pontos em comum entre os amantes de coisas caras de norte a sul, como a moda agora ser o discreet luxury, ou o “pode vestir coisa cara, mas com discrição”.
Para Mable-Ann Chang, da consultoria CKGSB, o crescimento das cidades de segundo e terceiro nível em tempos recentes deve alavancar o consumo na China nas próximas décadas. A combinação de subsídios do governo, melhorias na infraestrutura e êxodo rural fazem parte da explicação.
De volta aos esportes olímpicos. A China novamente se destacou nos Jogos de Verão sediados em Tóquio, desta vez com o desempenho de atletas paralímpicos. No total, o país levou 207 medalhas, sendo 96 ouros, quatro deles conquistados pelo nadador Zheng Tao, que quebrou diversos recordes. Recomendamos a leitura deste texto do Sup China, que traz histórias de cinco paratletas chineses que disputaram em Tóquio. Para quem gosta de imagens, o Sixth Tone faz ainda uma seleção fantástica de fotografias das competições.
Ainda que seja uma potência paralímpica, a China enfrenta desafios no quesito de igualdade de pessoas com deficiência. Vale a leitura do texto do South China Morning Post sobre o tema, que mostra algum progresso na área, ainda que lento.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Buscando umas dicas de mandarim? O sinólogo brasileiro Daniel Vasconcelos ama aprender o idioma e resolveu compartilhar com todo mundo algumas dicas para alcançar a tão desejada fluência. O workshop é gratuito e acontece no dia 14, às 19h horário de Brasília. Inscreva-se aqui!
Será que os churros vieram da China? Para alguns pesquisadores culinários, sim. O famoso 油条 (youtiao) chinês pode ter inspirado a criação do aperitivo que se popularizou na Península Ibérica, possivelmente fruto de expedições portuguesas pela Ásia há séculos.
Memória: Conheça a história de criação, vida e fim do Half-Half, um bar queer que deixou saudade em Pequim.
O senhor dos anéis: estreou nos EUA o filme do herói Shang-Chi, da Marvel. É o primeiro longa do estúdio com um protagonista asiático, o que Hollywood espera que funcione como ponte com a China– embora o filme não tenha data para estrear por lá. O vilão é interpretado pelo maravilhoso Tony Leung, ícone do cinema asiático.
Podcast: para quem (como nós) está precisando de um mês em um SPA pra descansar da vida, vale ouvir este episódio do BiYiNiao do Livro sobre Confúcio, descontrole e equilíbrio.
Mais um podcast: em entrevista ao The China in Africa Podcast, Wu Peng, o mais elevado diplomata que cuida dos assuntos ligados ao continente africano no governo chinês, fala sobre os planos chineses para a África.
Produtividade imperial. Este curioso texto do Sith Tone conta a história do imperador Qianlong, da dinastia Qing, e sua suposta elevada produtividade como poeta: uma média de 1,3 poema escrito por dia. Ainda que tenha sido longevo, há um questionamento se ele poderia ter escrito tanto.